quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Mérito

Há cerca de um mês atrás caiu em minha mão um exemplar da revista Sucesso – uma publicação cheia de dicas para o jovem executivo. Como falar em público, cores de gravata, o celular mais tchuns do momento, essas coisas. Demorei um mês para criar coragem de ler, mas mantive a revista por perto, pois sabia que um dia poderia precisar de assunto para o Ninguém Perguntou. A revista não me decepcionou.
Tinha lá uma matéria com o De Bono, o papa da criatividade. Em uma caixa de texto estavam lá as obrigatórias dicas para ser criativo. Quase nada de novo, mas uma das dicas chamou minha atenção pela sua absoluta franqueza: USE A IDÉIA DOS OUTROS.
Brilhante! Para que ter uma idéia sua se outros já se deram ao trabalho de pensar idéias perfeitamente boas? Aproprie-se do que não é seu e nada impedirá sua escalada rumo ao sucesso. E por que parar nas idéias? Aproprie-se também do trabalho dos outros.
Para ter sucesso é preciso ser prático. Coisas como moral e ética só atrapalham. Com um pouco de habilidade e muita cara-de-pau, em apenas poucas horas você pode roubar a idéia e o produto de pessoas que levaram dias para chegar a um resultado.
Talvez o De Bono (ou o repórter que escreveu o quadro) não tenha dito a frase com má intenção. É possível, embora eu não tenha certeza, que o texto se refira a um processo mais colaborativo e menos canibal, mas, intencionalmente ou não, acabaram corroborando uma grande verdade: tem muita gente por aí levando o mérito de coisas pelas quais não trabalharam.
E, por conseqüência, também tem muita gente sem ter o seu esforço reconhecido. De várias formas.
Um amigo meu, por exemplo, tem um chefe terrível.
Neste ponto do texto acho importante frisar que todos os meus chefes que eu tenho e já tive, em todos os meus empregos, foram e são pessoas boníssimas, de caráter ilibado, que sempre reconheceram meu trabalho e meu esforço. Mas o chefe deste meu amigo é terrível.
Imagine você que, depois de passar uma tarefa relativamente simples para este meu amigo, o tal chefe passa a fazer de tudo para transformar a tarefa em uma missão impossível. É lento nas decisões, muda de idéia com freqüência, atropela os trâmites normais, desconsidera opiniões técnicas e pressiona e fala mal dele e da área dele o tempo todo. Meu amigo, quase sempre, consegue, de forma heróica, corrigir a bagunça e apresentar um bom trabalho no final. Nada brilhante, mas outra pessoa talvez não tivesse conseguido resultado nenhum.
A avaliação do chefe? Não fez mais que a obrigação. Sem mérito e desmoralizado, ele passa para a tarefa seguinte.
Então, um brinde àqueles que não levam crédito. Ao redator publicitário, ao cara da contabilidade que reduziu em 5% o imposto a pagar da empresa, ao enfermeiro que lembrou ao médico que o paciente era alérgico a sulfa, ao marido certinho que levou o carro para fazer a revisão de freio na data certa, ao mané que botou laxante na comida do time adversário na véspera da final e a todo e qualquer cidadão que já tenha institucionalizado pelo menos um feriado. Jesus Cristo, por exemplo, que é um sujeito famoso e tudo, recebeu crédito por muita coisa, mas sempre esquecem dos feriados. Pra você ver como ninguém escapa.
Agora, se me dão licença, vou ver se acho uns textos pouco conhecidos do Luis Fernando Verissimo para botar no Ninguém Perguntou. Roubando textos dos outros, rapidinho, rapidinho, eu retomo a freqüência diária do blog. De Bono, você é o cara.

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

O Longuíssimo Adeus

Está difícil de me despedir da boa impressão que o livro de Raymond Chandler, O Longo Adeus, deixou em mim.
O detetive Philip Marlowe, como todo bom personagem, é uma figura impossível de existir na vida real. E boa parte do seu fascínio reside justamente nisso.
Ele não é nem imoral e nem amoral. É uma figura com moral própria, a inspiração para todos os tiras e detetives durões e cínicos que você já viu no cinema. Vive sem dinheiro, mas guarda uma nota de cinco mil dólares no cofre. Recusa uns casos e aceita outros por motivos que só ele pode explicar. Trata todo mundo de forma ríspida e direta e o resultado é uma pessoa que todos odeiam, mas na qual confiam plenamente. Enfim, não existe ninguém como ele. Que personagem!
Não é, obviamente, o maior personagem da literatura universal. Mas foi o único, até hoje, que já tive vontade de roubar. Se tivesse competência para tanto, começaria hoje mesmo uma trama de mistério, ciúme e sordidez humana tendo Philip Marlowe à frente do elenco. E que elenco seria!
A loura bonita e aristocrática, de passado nebuloso. O policial marcado pelo tempo e pela vida, mas ainda honesto e brilhante. A imigrante polonesa bonita e aparentemente avoada. O milionário amargo e bêbado, dividido entre a esposa e a amante. A atriz famosa, sedutora e inacessível. O negro marginal, um contraventor notório, mas com um senso de honra intocado. O juiz corrupto que... Que elenco! Que elenco!
E a trama? Você nem imagina. Pelo menos três pessoas morreriam ao longo da história. Sexo, dinheiro e violência em doses pequenas e calculadas. Reviravoltas garantidas da página quarenta e cinco em diante. Falsas acusações. Suicídios. Pelo menos uma briga em um beco escuro (ou em um quarto barato de motel, ainda não decidi).
A história que eu escreveria já foi escrita, com pequenas alterações, mais de mil vezes por mais de mil escritores e, finalmente, eu sei porquê. Ela é ótima.
Mas me faltam a competência e os direitos autorais.

O Longo Adeus

Estou adorando o fato de ter muito trabalho e estar estressado. É que acabo perdendo o sono e, durante as madrugadas, tenho encontrado tempo para ler alguns clássicos que andavam acumulando pó na estante.
O primeiro a cair durante esse período insone foi, apropriadamente, As Mil e Uma Noites. Mas o meu preferido foi, sem dúvida, O Longo Adeus, de Raymond Chandler.
O personagem Philip Marlowe, detetive cínico, cético e inconveniente combina com um leitor noturno, como eu. Comparado com o ambiente sórdido e deprimente do livro, nossos próprios problemas tendem a esvanecer.
E não é só isso. O bom-humor cínico do detetive é um ótimo conselheiro. Depois de ajudar na fuga de um suposto assassino, ser preso e apanhar da polícia, Marlowe se aborrece porque o cigarro acabou. O mundo está ruindo ao seu redor. Tudo bem. Mas ficar sem cigarros? É de deixar qualquer um louco.
Marlowe está certo. São as pequenas coisas que verdadeiramente nos aborrecem. O ser humano, de alguma forma, está preparado para os grandes dramas – parece que encontramos força na adversidade. Mas é quando o prédio fica sem água ou quando topamos com o dedão no pé da mesa que o desespero se insinua, esse oportunista. É a gota d’água que nos enlouquece, é o detalhe que nos atormenta.
Mas eu gostei mesmo do livro porque achei engraçado. Diverti-me a valer. Ficou clara para mim a inspiração do Veríssimo na criação do Edh Mort. Já botei na minha lista que preciso ler algo do Dashiell Hammet. Mas só depois de ler A Cobra Teresa e a Fadinha Triste. É que minha filha anda adoentada e de vez em quando acorda no meio da noite, me acompanhando nestes saraus noturnos.

terça-feira, 22 de novembro de 2005

Negociação

Algumas pessoas têm uma interpretação bastante ampla sobre o significado da palavra negociação. Para elas, negociar é sempre uma opção contanto que tudo permaneça do jeito que elas querem. Ainda para elas, as palavras flexibilidade e concessão não teriam lugar em uma mesa de negociação.
Essas pessoas não percebem que são intransigentes, pois têm o hábito de ouvir os outros e consideram isso o suficiente para assegurar-lhes um espírito democrático. Eventualmente, elas até mudam de idéia frente a uma boa argumentação.
Mas mudar de idéia frente a uma boa argumentação não é ser democrático. É bom-senso – e nada impede que alguém intransigente e cabeça-dura tenha também bom-senso.
O verdadeiro negociador, aquele que se apropriou do espírito da palavra, consegue ceder mesmo sem concordar, mesmo sem mudar de idéia. O bom negociador sabe que tem que dar para receber alguma coisa. O negociador não quer sentar em uma mesa e sair com tudo, ele quer sentar-se na mesa e sair com lucro, mas ele sabe que terá que deixar alguma coisa em troca.
Um comerciante que fica com todo seu dinheiro e não te dá nenhum produto, não fez um negócio com você – ele te roubou. Fico com a impressão de que quem senta em uma mesa para negociar sem a menor disposição de abrir mão de nada também não está sendo honesto.

Erros

Errar é, muitas vezes, desumano. E, se você é torcedor do Internacional, deve concordar comigo.
Neste último final de semana, Corinthians e Internacional, os dois clubes que lideram o campeonato brasileiro disputavam uma partida emocionante. Um a Um e o Inter melhor no jogo, Tinga invade a área e Flávio Costa, goleiro do Coringão, voa com as duas pernas sobre o atacante, que é derrubado. Pênalti!
Não. Na verdade, o juiz Márcio Rezende de Freitas interpreta que Tinga simulou a falta e dá um amarelo para o jogador. Como já tinha levado um amarelinho antes, Tinga é expulso. O Inter perde o jogador e o ímpeto e o jogo fica no empate. Que lambança.
Depois de ver o videoteipe da partida, Márcio confessa ter errado e pediu desculpas ao Internacional. O Clube, além de não ter aceitado a desculpa ainda promete entrar na justiça para arrumar mais confusão.
Conheço muita gente que gosta de futebol justamente por causa dessas coisas. Torcedores que sabem, de cor, ás vezes que seu time ganhou por causa de um erro de arbitragem. Pessoas que lembram do gol de mão do Maradona com um sorriso no rosto. Que não se cansam de ver o riplêi do pênalti que Newton Santos cometeu e botou o pé para fora da área. Tem gente que gosta da encenação, da malandragem e que acha que um futebol mais justo seria um futebol sem graça.
Também já pensei assim, mas confesso que estou um pouco cansado de contribuir para essa moral frouxa do nosso país. Onde bobo não é quem faz errado, mas quem é pego. Onde o Garotinho e a Rosinha reconquistaram o direito de concorrer às eleições porque, afinal, roubaram pouco. Ou eu interpretei mal o veredicto da juíza do TRE? Podia ter riplêi dessas decisões dos tribunais para a gente rever o lance de outro ponto de vista. O do eleitor ultrajado, por exemplo.
Pois é como dizem por aí: intimidade é uma droga. Convivi tempo demais com a malandragem. Enjoei.

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Marli

Não sei se é brincadeira, mas, se for, é de mal-gosto. Também não sei se deveria estar escrevendo sobre o assunto e ajudar a divulgar esta barbaridade, mas agora é tarde. As imagens e as frases não saem da minha cabeça e preciso desabafar com alguém.
Veja que o que vou revelar a seguir pode marcar sua vida e possivelmente sua alma, portanto, siga por sua própria conta e risco. O link na internet, se ninguém ainda tirou do ar, é www.marli.cjb.net.
A Marli é uma cantora funk que acabou de lançar seu último álbum: Colostro. Os seus últimos trabalhos foram Rainha das Trevas, Virgem Brasileira, Eu Gosto de Louvar (de uma improvável fase religiosa), Uma Garota do Cacete, A Árvore Ginecológica e, agora, Colostro.
Do seu repertório constam pérolas como:
Sangue de Galinha;
Beijando Uma Velha Feia, Comendo Uma Nega Fedida;
Vulva Laica e
Sou Sua Pálida Amante Vaporosa
Segue um trecho de Odisséia Clitoriana, para sua apreciação:
“Eu fico úmida quandoVocê despertaDa sua hibernaçãoO orifício apertadoHá muito não exploradoTorna-se um buracão”
E essa é uma das letras mais suaves. Não quero parecer careta ou antiquado, encaro até com um certo bom-humor o fogão Daco e a Atoladinha da Tati, mas a Marli me tirou do sério.
Como disse antes, não sei se é brincadeira. No site, pelo que entendi, é possível ouvir as músicas, mas eu não tive coragem.

terça-feira, 8 de novembro de 2005

Férias relaxantes

Quando entrava de férias, o Pitoco tinha que aproveitar tudo. Tudo! Era uma mania.
No trabalho, era uma figura dócil e relaxada, sempre de bom-humor. Nas férias, era uma criatura obsessiva e estressada, sempre cansado, com olheiras e, não raro, dores musculares. Tinha sempre que participar de todos os passeios, ver todos os pontos turísticos, comer todas as comidas típicas. A Mari, sua esposa, quase enlouquecia:
— Pitoco, não agüento mais... Meus pés estão me matando... Já estamos andando há horas...
— Calma, Mari. Só mais duas feiras e o Museu das Flores. Não podemos ir embora sem conhecer o Museu das Flores.
— Não me fala em Museu!
É que a Mari tinha ficado traumatizada com a viagem à Paris. O Pitoco chegou a perguntar se podia entrar de patins no Louvre, pra dar tempo de ver tudo. Os pontos turísticos que ficavam ao ar livre, como o Arco do Triunfo, eles visitavam de madrugada. Viraram duas noites seguidas sem dormir e, no terceiro dia, quando desciam correndo o Champs-Elysées, a Mari teve um treco e caiu estatelada. O Pitoco quase a deixou sozinha no hospital para dar continuidade ao cronograma. Quase. Foi a maior crise no casamento dos dois.
A segunda maior aconteceu quando eles foram numa praia sei lá de onde, na qual o programa era ver umas tartarugas em um mergulho em alto mar. Estava caindo uma tempestade e o passeio foi cancelado. O Pitoco pagou a mais para um pescador levá-lo até o local mesmo assim. Pra resumir, ficaram dois dias perdidos em alto-mar e só não morreram porque beberam água da chuva e comeram carne de tartaruga. Enfim, um pesadelo.
Pior, só o Magela, que é justamente o oposto. Recusa-se a fazer qualquer programa considerado “turístico” pois não é “desses bobocas que caem em armadilhas para turistas”. Quando viaja, dorme em pensões na periferia, almoça na rodoviária e visita repartições públicas. A Tuca, esposa do Magela, fica contando os dias para as Férias acabarem e ela poder voltar logo ao seu trabalho de enfermeira na emergência de um grande hospital do Rio de Janeiro.
O Pitoco e o Magela se conheceram por conta de um amigo comum e estão se dando muito bem. Corre o boato que estão combinado sair de férias juntos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Opinião

Dizem por aí, não falo quem disse porque não sou fofoqueiro, que o cidadão normal tem direito a três opiniões não fundamentadas. Mais que isso já é avacalhação e agride o tecido social. Menos, é repressão.
De acordo com essa teoria, a gente não pode simplesmente ter opiniões sem dar satisfações para o vizinho, pois, afinal de contas, estamos todos no mesmo barco e, sem a harmonia que vem do consenso e da deliberação, só nos resta o destino da Torre de Babel. Ou seja, o desespero, o caos, a falta de comunicação entre os povos e os custos altíssimos da construção civil.
Mas também não somos robôs e todos precisam de uma válvula de escape. Por isso temos direito a ter três opiniões que não precisam de nenhuma justificativa.
Uma pessoa sensata poderia argumentar que isso tudo nunca vai sequer passar pela cabeça de um cidadão normal, mas aí eu ficaria sem assunto para a crônica. Então, vamos supor, por alguns instantes, que essa conjectura lá do começo seja verdade.
O mais seguro seria desperdiçar essas três opiniões sem fundamento com futebol, religião e política, mas quem precisa de segurança?
No caso do futebol, torço para o Flamengo porque vi o Zico (e toda a turma do time campeão mundial) jogar na minha adolescência. Ou seja, quando eu era impressionável, o Flamengo era impressionante, quer justificativa melhor?
Em relação à religião, também tenho meus argumentos, que não discuto aqui pra não mudar demais de assunto e, em relação à política, entrei para o partido dos incrédulos – aquele grupo que fica olhando para a televisão e, notícia após notícia, apenas repete:
— Não acredito.
Pronto. Limpei a área e agora tenho direito a três opiniões completamente injustificadas e socialmente aceitáveis – já que são apenas três. Estas opiniões não podem ser contestadas por mais absurdas que pareçam, a não ser que você faça questão de desrespeitar minha condição de cidadão e de contribuir para o desgaste das relações humanas.
A primeira: Luana Piovani é morena. Ela só pintou o cabelo de loiro. Acho a Luana Piovani uma morenaça.
A segunda: adoçante não deixa gosto estranho nas coisas. Chocolate diet e Coca Light são tão ou mais gostosos que suas contrapartes açucaradas.
E a terceira... A terceira... Vou guardar a terceira para uma outra ocasião. Depois da reação de alguns amigos mais radicais às minhas crônicas, acho que vou precisar.

terça-feira, 18 de outubro de 2005

Posições

Pensei em abrir a crônica com aquela piada infame que alerta para os riscos de confundir “posição” com “posicionamento”. Você conhece. Um executivo fala para o outro:
— Preciso de uma posição sua, porque o negócio está de pé.
Ao que o outro responde:
— Não vai dar, pois aquela parada que você estava agitando para mim já melou.
Pensei em abrir e acabei abrindo, o que mostra minha falta de compromisso com a criatividade – talvez você queira rever seu posicionamento em relação a esta crônica e parar de ler. Ou ajeitar sua posição na cadeira para continuar lendo, pois o nível do texto vai continuar indo ladeira abaixo, o que deixa tudo mais interessante.
Saiu uma pesquisa na Inglaterra que diz que o inglês médio muda de posição 1,3 vezes durante uma transa. A pesquisa saiu no ano passado e eu vi a matéria em uma Superinteressante que alguém esqueceu na gaveta, portanto, isso já pode ter mudado. O que não muda é o meu espanto pela estatística.
Mas que sexozinho vagabundo, hein? Imagine a cena. O inglês lá no father-mother, aquela bunda branca subindo e descendo e, de repente, o casal muda de posição em 0,3. O que é isso? Uma reboladinha a mais, no máximo. Um gemido mais alto, uma câimbra. Decepcionante.
Não sei qual é a média do brasileiro, que deve variar com os anos de casado, o local da transa e o volume de álcool ingerido, mas sou capaz de apostar que, se a gente tiver que mudar, vai mudar de posição inteira – e não em 0,3.

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Velhos Amigos

Dependendo do conhecido, do local e do seu estado de espírito, encontrar velhos conhecidos pode ser uma alegria ou um constrangimento.
Encontrar a ex-namorada que ainda tem uma queda por você e está ainda mais gostosa. Alegria, alegria.
Encontrar a ex-namorada que ainda tem uma queda por você e está ainda mais gostosa, quando você está passeando com a esposa. Agonia, agonia.
Encontrar a ex-namorada que ainda tem uma queda por você e está ainda mais gostosa, mas você está dez quilos acima do peso e com uma blusa do Mickey, de quando você esteve na Disney, há seis anos atrás. Que azar, hein?
Para mim, o encontro com amigos do passado é quase sempre uma alegria seguida imediatamente de constrangimento, pois, normalmente, o responsável pela falta de contato sou eu. Perco telefones, esqueço datas de aniversário, fico dias sem ligar. Até certo ponto, acho que tudo isso é inevitável. Como é mesmo aquela metáfora? Cada barco seguindo seu curso no imenso rio da vida, cada um com uma bagagem, em velocidades diferentes. O destino, o futuro, o trabalho, os filhos, enfim, você sabe do que estou falando – já deve ter tido a sua cota de telefonemas não retornados e encontros não comparecidos. Mas o meu caso, parece, é mais grave.
Mas não é maldade, é devaneio. A única vantagem que tenho é na qualidade de amigos que costumo arranjar. Valem ouro, mesmo quando estão distantes. E, quando me encontram, não cobram nada ou muito pouco, como o Quequé, que esbarrou em mim esses dias, no meio da rua.
— Como está, irmão? Há quanto tempo...
— E aí, Quequé? Por onde você tem andado? Tá sumido...
— Até ontem eu ainda tava lá no Adega, te esperando pra aquele happy hour, que você disse que ia sem falta.
O encontro no Adega tinha sido planejado há três anos atrás. Não fui porque havia ficado trabalhando até tarde. Em vez de me justificar, procurei manter viva a piada:
— Mas era no Adega? Achei que fosse no Marietta. Também fiquei lá até ontem.
Seguiram-se sorrisos, abraços e quinze minutos de bate-bapo da mais alta qualidade. Quequé não queria explicações, queria pegar no meu pé, como só um bom amigo sabe fazer. Trocamos telefones e combinamos de nos encontrar novamente, acreditando honestamente que vamos cumprir o combinado. Tomara.

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Crítica

Tem certas coisas que são fáceis de criticar. O nazismo e os filhos dos outros, por exemplo. Mas o que fazer quando sua namorada passa horas no cabeleireiro e aparece com um penteado pior que o do Alex, no último jogo da seleção? E se um amigo seu pede para que você leia o último poema que ele escreveu?
Nessa hora, você tem poucas opções e, ainda por cima, tem que tomar uma decisão em frações de segundo.
Mentir pode ser a primeira coisa a passar pela sua cabeça. A mentira tem fama de ser ruim, por causa de seu relacionamento estreito com a política, mas já salvou mais de um casamento e também algumas amizades. Mas é um caminho sem volta.
— Está lindo!
— Você acha?
— Puxa, perfeito! Obra-prima!
— Que isso...
— Mas se eu estou te falando.
— Que bom que você gostou, pois eu pintei este quadro justamente pensando em você. Pra você colocar na parede do seu apartamento novo.
— ...
— O que foi? Não gostou? Olha, se não gostou, pode falar.
— Não é nada disso. Já não falei que tinha gostado? Gostei! É que meu apartamento é muito simples. Não merece tanto.
— Você mercê muito mais que isso! Quantos anos de amizade? Sei lá, são tantos. Você merece.
— É que tem a Lisandra...
— Que tem a Lisandra?
— Ela não pode com caranguejo. Tem alergia.
— No quadro?
— Alergia braba.
—Ah! De qualquer forma, isso aqui não é um caranguejo. É um caramujo com pênis humano.
— Oh!
— Vai ficar lindo na sala de jantar, não vai?
E tem a verdade. Que, no exemplo acima, poderia fazer com que você perdesse um amigo, salvando a sala de estar e o relacionamento com a Lisandra. Outra opção é o subterfúgio: fingir um ataque cardíaco e cair duro no chão ou alegar ignorância sobre o tema:
— Você sabe que não entendo nada de arte...
Esse assunto me veio à cabeça porque alguns amigos manifestaram um certo constrangimento em criticar as coisas que escrevo no Ninguém Perguntou. Podem criticar, gente. O que escrevo por aqui são opiniões muito pouco refletidas, escritas em meia hora ou menos – algumas opiniões não são nem minhas, são do Alceu, o meu alter ego. Só não vale xingar a mãe, que é santa, sagrada e lê o blog.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Empresário seqüestrado rouba carro para fugir

Manchete do Terra Notícias em 07/10/2005

Toda tragédia que não é com a gente é sempre meio engraçada. Veja só esse caso: um dono de imobiliária de São Paulo aproveitou que seu seqüestrador dormiu, pegou a arma e roubou o carro do sujeito. Na fuga, jogou o veículo contra um carro de polícia e quase foi baleado, o que seria, no mínimo, irônico.
E o que digo a seguir é cruel, mas a mais pura verdade. Se o moço tivesse realmente levado um tiro da polícia, a situação seria ainda mais engraçada – e teria saído em todos os jornais.
Não sei de onde vem essa nossa morbidez, às vezes transformada em curiosidade (quem já não reduziu a marcha ao passar por um acidente?), às vezes em humor negro (quem não se lembra das piadas sobre o Ayrton Senna, que começaram a circular no dia seguinte à sua morte?). Um mecanismo de defesa contra a inevitabilidade do nosso destino e o conseqüente desespero face à pequenez humana? Talvez, talvez. Sem-vergonhice? Pode ser.
Tenho certeza que com um pouco mais de tempo e mais uma dose de uísque chegaria ao fundo dessas questões, mas hoje é sexta-feira e, portanto, um dia inapropriado para a filosofia. Afinal, a boa filosofia requer uma certa dose de depressão e a programação para hoje à noite está campeã. Retomarei o tema, junto com a dieta, na segunda-feira. Não me deixem esquecer.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Ficção Científica

Todos sabem que, dentro em breve, homens e máquinas se desentenderão e isso resultará em uma guerra das brabas. O período de dominação das máquinas e o leiaute dos veículos varia, dependendo da fonte (Matrix, O Exterminador do Futuro, Issac Asimov, etc.), mas as previsões são bem claras: nossas criações serão nossa ruína.
Particularmente, acho que o dia da rebelião das máquinas não tarda - não tem um dia que passe sem que eu discuta com o corretor de textos do Word - e tenho um amigo que veio do futuro, o Clark, que confirma:
— Se não for neste final de semana, é no outro.
Como todo mundo que viaja no tempo, o Clark é paranóico e morre de medo do Arnold Schwarzenegger. Além disso, parece que os Timecops (a polícia que viaja no tempo atrás de criminosos) também andam atrás dele, por conta de um rolo envolvendo a filha de um andróide influente. Mas as suas informações são confiáveis.
Segundo ele, o clima de tensão entre homens e máquinas já pode ser sentido no ar, mas a gota d’água será daqui a vinte anos, quando o Deep Blue, o computador que ganhou uma partida de xadrez do Kasparov, publicar suas memórias – o livro será mal recebido pela crítica especializada, que fará piada das tentativas de lirismo da inteligência artificial.
Clark explicou que a coisa toda ficou fora de proporção, pois o Deep Blue tinha um excelente tráfego entre os softwares que controlavam armamento militar. Enfim, foi (ou vai ser) tudo uma questão de vaidade, um sentimento bastante humano. É o que dá insistir nessa história de imagem e semelhança.

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

Gênios do Mal

Acaba de me ocorrer que eu posso não ser um dos mocinhos. Nada relacionado ao meu caráter, que pode até ser flexível, mas, pelo menos até hoje, ainda não quebrou. Tem a ver com a minha profissão.
A maioria das profissões pode ser usada tanto pelas Forças do Bem quanto do Mal, mas algumas já têm inclinação para um lado ou para o outro. Ditador louco, matador profissional e operador de telemarketing: Mal. Jardineiro, monge e enfermeira: Bem. Nada impede que , por exemplo, uma enfermeira saia matando seus pacientes, mas aí já é desvio de função. Esta enfermeira está obviamente insatisfeita e mal colocada no mercado de trabalho.
Não estou falando sobre a índole das pessoas, mas sobre a orientação natural das profissões. Pois então veja como é delicada minha situação: sou publicitário – profissão cada vez mais associada com o Mal e que já tem até termo pejorativo: marqueteiro.
Quem nunca ouviu falar na máquina de propaganda nazista? E no capitalismo selvagem? Que tal o consumismo, doença que, dizem, os marqueteiros criaram em laboratório? Pois é, nossa reputação internacional não é lá essas coisas e, no Brasil, o currículo fica ainda pior.
O marketing é um dos maiores responsáveis pela eleição do Lula, pela eleição do Collor e ainda temos o Duda e o Marcos Valério como exemplo de marqueteiros de sucesso. Entendendo-se por sucesso a capacidade de ganhar dinheiro. Mas temos os bons exemplos!
...
OK, não me ocorre nada no momento, mas tenho certeza de que deve ter um.
Não é que eu ache que os publicitários sejam más pessoas. Podemos ser cidadãos ótimos, cumpridores de nossos deveres, bons pais, etc. Mas, no fim do dia, nosso objetivo é fazer você gastar seu dinheiro com algo que você provavelmente não precisa.
Tem a propaganda de cunho social. Câncer de mama, use camisinha, doe dinheiro para o Lar dos Velhinhos, salvem as baleias, mas não é disso que estou falando. Ou é? Pronto, achei! Está aí o bom exemplo. Mas que foi por pouco, foi.

terça-feira, 4 de outubro de 2005

Quando o sim quer dizer não

Existem motivos muito razoáveis para votar contra a proibição da comercialização de armas no país. Quer ver?
1. Os traficantes e líderes de quadrilhas são, ao que parece, a favor. Já estão com o esquema pronto para se reabastecer caso a fonte das armas privadas se seque.
2. Já é difícil comprar arma no Brasil (menos de duas mil foram vendidas no ano passado), é a polícia (federal, civil e militar) que não faz seu trabalho direito.
3. Desarmar o cidadão é fácil, difícil é desarmar o bandido.
4. Os bandidos vão atacar!!!!
Com exceção do último item, que é uma hipótese, o resto é verdade, mas mesmo assim vou votar pelo desarmamento. Ou seja, a favor da proibição e contra a venda. Ou seja, sim. Eu acho. O número dois. Veja porquê:
1. A opinião do bandido não me interessa. Parece meio óbvio que eles vão dar um jeito de se virar independentemente da lei. O negócio do bandido, até onde eu sei, é viver na ilegalidade.
2. O Brasil realmente não é um país com instituições sérias – e a última vez que tivemos esperança e apostamos no sistema deu no que deu. Mas, pelo menos, desmascaramos o PT e o Lula, o que já é um bom negócio. Saber que toda e qualquer arma é proibida facilita a denúncia. A gente faz a nossa parte agora e enche o saco da polícia e do governo depois. Eu sei, eu sei, a ordem é inversa, mas querer que uma ação do atual governo brasileiro faça sentido é pedir demais. Nem a pergunta do plebiscito é clara.
3. E vai continuar difícil. Vamos, pelo menos tentar acabar com os crimes por vingança, passionais e acidentes que superam, em muito, os assassinatos cometidos pelos bandidos.
4. Mesmo que a hipótese seja verdadeira, estou disposto a encarar mais assaltos e menos mortes.
No fim, a questão é menos séria do que parece. Não porque o assunto não seja grave, mas, porque, no Brasil, a lei é o de menos. Vivemos no país onde tem lei que “não pega”. A maioria das armas que estão em circulação, mesmo na mão de civis e cidadãos “honestos”, já são ilegais. Vivemos imersos na ilegalidade e na irregularidade, nosso comércio informal não é de artesanato – é de produtos piratas e contrabandeados. Quantos cidadãos de bem não vão pescar no Amazonas e trazem uma quantidade de peixes acima da cota permitida? Ter algum produto ilegal em casa é comum (às vezes até sem querer) e com arma não vai ser diferente.
A impressão que dá é que o referendo está acontecendo na hora errada. O país tinha que estar um pouco mais arrumado na área de segurança pública antes de pensar nisso. Enfim, é duro ter que reconhecer, mas vou votar no desarmamento não porque ache que vai funcionar, mas porque acho que é a coisa certa. E, de vez em quando, a gente tem que lutar pelo que acredita.

A Volta

— Posso saber onde é que o senhor estava?
— Eu... Hn... Quem é você?
— Sou um dos seus leitores e exijo satisfações. Onde o senhor estava?
— Um o quê?
— Um dos seus leitores! Do site Ninguém Perguntou.
— Como você descobriu meu telefone? É trote, é?
— O seu nome está na lista. E não, não é trote. Sou apenas um leitor indignado querendo saber por que o senhor está há uma semana sem escrever. O site não é de crônicas diárias?
— Eu... Olha... Você é algum parente?
— Quer parar de enrolar e responder? Agora que sua coluna é pública, você tem responsabilidades. Não pode parar de escrever quando bem entender. E mais: também não pode mais escrever o que pensa!
— Não?
— Claro que não. Você tem que levar em consideração o perfil do seu leitor. Quando você foi favorável ao Buani, tenho certeza que deixou muitos fãs indignados. Você tem que ter cuidado com essas coisas.
— Eu tenho fãs?
— Bom... Tem eu.
— Isso é trote, certo?
— Não, não é. Eu não estou brincando e é bom você voltar a escrever logo. Amanhã, por exemplo.
— Mas...
— E o tema será o referendo sobre o desarmamento. Não me decepcione. Lembre-se: eu sei onde você mora.

sexta-feira, 23 de setembro de 2005

Massagem

Da Série As Aventuras de Múcio Bortolini (o nome verdadeiro dele não é esse)

Múcio Bortolini (o nome verdadeiro dele não é esse) estava ficando velho. Tinha jogado futebol na tarde de domingo e o resultado foi uma segunda-feira de agonia e sofrimento. Sabia que seus músculos não conseguiriam se recuperar sozinhos e que para livrar-se da dor teria que recorrer a um especialista.
Mencionou, a um colega de trabalho, que estava procurando uma boa massagista. O amigo prontamente indicou a Neusa, uma japonesinha (a JapoNeusa!)de um metro e meio que entendia de massagem, acupuntura, cinesiologia, sacanagem e kung-fu. Só não entendia bem o português, como o Múcio pode comprovar na hora de marcar a consulta. O telefonema demorou mais de uma hora só para acertar o horário, o endereço Múcio perguntou para o amigo.
A Neusa atendia em casa mesmo. Um quarto-e-sala modesto, mas arrumadinho. Quando Múcio chegou, a televisão estava ligada a todo volume e a japonesinha o atendeu à caráter, vestida só de quimono. Com um gesto de cabeça pediu para que ele entrasse. Múcio tentou ser educado:
— Boa tarde. Eu...
A japonesa interrompeu-o bruscamente, gritando:
— Tila tudo!
— Como?
Ela apontou para as roupas de Múcio e repetiu:
— Tila!
— Tirar tudo? Até a cueca?
Ela não se abalou. Respondeu, ainda gritando:
— Se quelê lelax, tila cueca. Se não quelê, não tila.
— Lelax?
Neusa foi mais específica:
— Você quelê que eu mexe no passalinho? Se quelê, pinto pla fola. Pla eu chutar você.
— Chutar? Que é isso?
— É... Chutar com a boca.
— Pra chu... Não! Não! Olha, você não entendeu, a dor é nas costas! – Gritou Múcio, gesticulando. Ela sorriu e balançou a cabeça, como se tivesse entendido.
— Então tila a loupa, deixa cueca e deita.
Múcio olhou em volta.
— Deitar? Onde?
— No chão.
— No chão?
— É pla eu pisar você.
Múcio não tinha certeza se o que ela estava dizendo era o que realmente queria dizer.
— Pisar com o pé?
— Com o pé, clalo.
Múcio deitou no chão gelado e a pisação começou. E ele gemia e gritava e a japonesa gritava de volta:
— Lelaxa! Lelaxa!
E ela apertava e puxava as orelhas de Múcio e dava murros em suas omoplatas e espremia a panturrilha e, num determinado momento, os olhos de Múcio encheram-se de água. Ao final, sua musculatura parecia realmente mais leve e menos dolorida, mas Múcio estava emocionalmente abalado.
Foi só quando estava voltando para casa, pensando em como iria explicar para a esposa porque suas orelhas estavam tão vermelhas, que caiu a ficha: quem troca os “erres” pelos “eles” não é chinês? Nem precisou perguntar muito para descobrir que a Neusa havia nascido em Piracicaba e que todo o lance de japonês ou era gênero ou maluquice. Mas a massagem era uma beleza.

Gravidade

Depois de uma certa idade (cada vez mais reduzida) ninguém mais tem dúvidas sobre de onde vêm os bebês. Sexo, certo? Pois aí é que você se engana.
Sexo é apenas uma ferramenta. Fundamental e, em se tratando de ferramenta, uma das mais interessantes, mas não passa disso: uma chave-de-fenda (sem trocadilhos). E, se a gente parar para pensar, sexo não é nem mesmo fundamental, está aí a inseminação artificial para provar.
Outra prova de que sexo é apenas uma ferramenta é que ele pode ter outras aplicações, além de produzir bebês, assim como uma chave-de-fenda pode ser usada, por exemplo, para arrombar a porta dos fundos (sem trocadilhos). É só uma questão de criatividade.
Mas, então, de onde vêm os bebês? Ora, do nosso instinto de preservação. Um bom banho e roupas de marca podem enganar por um tempo, mas, no fim do dia, somos todos animais.
O humano heterossexual feminino médio está, desde a adolescência, preparado para procriar. Mas fatores ambientais como o custo de vida e comportamentais, como a farra com os amigos, os estudos e a opinião dos outros, impedem que o instinto tome conta do indivíduo.
Qualquer gravidez durante este período pode ser classificada como acidente, irresponsabilidade, safadeza ou falta de luz, dependendo da área geográfica e do círculo de convivência do espécime.
A partir dos dezoito, o instinto começa a ocupar seu espaço e atinge seu ápice aos trinta. Nessa idade, a fêmea humana que ainda não procriou se torna extremamente agressiva e passa a ser uma das criaturas mais perigosas da face da Terra. Se não estiver casada, vai casar e, se não estiver grávida, vai ficar. A opinião do macho não interessa.
E, por falar no macho, é justamente neste mesmo período que ele está mais vulnerável, ao perceber que está deixando para trás o auge de seu vigor físico. A fêmea sente o cheiro dessa insegurança a quilômetros de distância e parte para a ofensiva com roupas decotadas, marquinha de biquíni, streap tease, a disposição para realizar fantasias e até, veja o ponto em que as coisas chegam, com diálogo. Daí para transar sem camisinha é um pulo.
Os bebês nascem porque são necessários. Todo o resto, os ritos, o sexo, o romantismo - tudo é acessório para garantir a preservação da espécie. Curiosamente, uma vez que o filhote é concebido, o instinto acomoda-se, passa para segundo plano e uma outra coisa, ainda inexplicável para a ciência, toma seu lugar.
Alguns chamam essa outra coisa de amor, mas quem tem um filho sabe muito bem que não existem palavras para descrever o sentimento que toma conta da gente.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Bandidos e Mocinhos

O Planalto Central anda um verdadeiro faroeste. Mas é um faroeste de produção barata e poucos atores, o que gera uma situação curiosa: o mesmo ator às vezes é bandido e às vezes é mocinho.
Roberto Jeferson, por exemplo. Até o nome é de bandido, mas se não fosse seu ataque suicida ao Álamo do Governo, os outros bandidos teriam permanecido entocados e intocáveis.
Marcos Valério, outro nome de dramalhão mexicano, também teve lá o seu momento de mártir. Não colou, mas ele tentou.
Comédia e sexo também estiveram presentes, com os dólares na cueca e as prostitutas de luxo das festas do PT. Sem esquecer da secretária, que quase tirou a roupa.
E tem o Buani, o dono de restaurante que foi a ruína de Severino, o Breve, Presidente da Câmara. Esse, para mim, não é nem mocinho, nem bandido. Nesse bangue-bangue maluco, ele é o índio.
No programa do Jô Soares da última quarta-feira foi tratado como bandido. Foi pressionado e desrespeitado, com perguntas agressivas e, algumas vezes, até mal-formuladas. Fiquei incomodado. Quando Jefferson foi achincalhado pelos seus pares, aquilo não me abalou. Jefferson posou de mocinho, mas todo mundo já sabia que, neste filme, ele morreria no final.
Já o índio, no bangue-bangue, pode até cometer alguns crimes, mas sua conversão para o lado dos mocinhos é mais honesta. Acho que é o caso de Buani. Ele aceitou ser coagido por Severino e só denunciou o esquema quando lhe foi conveniente. Mas denunciou. Buani é um homem relativamente comum que teve coragem de romper o esquema e eu acho isso louvável.
Somos obrigados a reconhecer que o brasileiro convive com a irregularidade a ponto de não saber mais o que é certo e o que é errado. Feiras de produtos piratas, muambeiros, doleiros, jogo do bicho – que atire a primeira pedra aquele que nunca usufruiu destes serviços, todos ilegais. E não vou nem falar de sonegação do imposto de renda.
Buani rompeu com o esquema e acho isso, repito, louvável.
Só não vamos misturar as coisas. Acho digna a denúncia e não a anterior conivência com a extorsão. Se ele cometeu algum crime, deve pagar por isso, mas sua dívida agora é com a justiça - e não mais comigo. Eu o teria tratado com mais respeito.

A Ala Oeste

Tem um estado de espírito que não é bem depressão, não é exatamente tristeza e nem desilusão. É uma emoção sem nome que mistura um pouco das três coisas e acrescenta uma dose de estupefação. Estava me sentindo assim ontem.
Assisti pela primeira vez o seriado americano The West Wing. Ele já está no décimo ano a ganhou inúmeros prêmios, mas eu nunca tinha visto. O apelo da série é mostrar a rotina da ala oeste da Casa Branca e os personagens principais da série são, nada menos, o presidente dos Estados unidos e seu staff imediato – assessores de imprensa, puxa-sacos, etc.
O presidente é magistralmente interpretado pelo veterano Martin Sheen. Mas aí é que está o problema – é magistralmente demais. Ele fala não sei quantas línguas, converte escalas métricas e de temperatura de cabeça, é ágil nas decisões, compreensivo, conciliador, diplomata, sonhador, ousado e agressivo quando necessário (só quando necessário). Enfim, é o presidente que todo mundo gostaria que os EUA tivessem. E mais: todo o staff também é competentíssimo – parece mais um grupo de executivos da AOL Time-Warner, que funcionários públicos.
E é por isso que o programa te deixa assim, meio esquisito. A gente assiste e é bombardeado por eficiência e compromisso e, então, olha pro lado e vê o Bush, o Lula, o Severino... A série é como um documentário invertido, onde a mentira é tratada de forma tão realista, que você fica desejando que fosse verdade. Rapaz... Não é fácil.
Uma amiga minha sempre disse que, para ler Caras, a pessoa precisa ter uma cabeça muito boa. Não é qualquer um que agüenta incólume aquela enxurrada de gente rica, bonita e feliz. Pois é, o seriado The West Wing também não é para qualquer um. Bom, pelo menos o Severino renunciou.

Reuniões

Já disseram que o camelo é o cavalo planejado por um grupo de trabalho. Muita conversa, muito palpite e pouca objetividade. Não sei se gosto muito do exemplo, pois tenho uma certa simpatia pelo camelo e nenhuma pelo grupo de trabalho.
Talvez seja trauma. Na escola, os trabalhos em grupo funcionavam assim: todo mundo queria ficar no grupo do CDF. Aí, ele fazia o trabalho sozinho e o resto da galera tinha uma desculpa para se encontrar e fazer bagunça. De lá para cá, tenho a impressão de que pouca coisa mudou além da ordem das palavras – de “trabalho em grupo” para “grupo de trabalho”.
A democracia, a troca de idéias e uma equipe integrada são ingredientes importantes para uma ação de sucesso. Pra ser sincero, até gosto de uma boa discussão sobre um tema polêmico e de juntar a equipe para, juntos, acharmos a solução para um problema particularmente cabeludo. Poucas coisas são mais gratificantes em um ambiente de trabalho do que atingir um objetivo difícil com um time azeitado. Nem mesmo o chefe dizendo que a gente não fez mais que a obrigação apaga o brilho de uma equipe em sintonia.
Mas os inúmeros bonequinhos cabeçudos desenhados na minha agenda de reuniões mostram que alguma coisa está errada. A maioria das reuniões que participo são desinteressantes, lentas e sem produtividade. Cheguei a considerar se não sou eu que estou no lugar errado, pois algumas pessoas parecem animadíssimas nessas reuniões. Talvez. Mas talvez seja apenas o pessoal exercitando a vaidade.
De qualquer forma, tem horas que eu daria o braço esquerdo pra fugir de uma reunião ou de um grupo de trabalho. Especialmente daqueles que tratam de cavalos. Me chamem para o do camelo, que deve ser bem mais divertido.

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Politicamente Incorreto 2

Não demorou nem 15 minutos e o pessoal do politicamente correto já respondeu com intensidade – e até certa agressividade - à minha crônica “politicamente incorreto”, o que só confirma minhas suspeitas de que essa gente não é razoável.
Vários argumentos surgiram de que comportamentos socialmente aceitáveis, respeito e direitos humanos são importantes. Concordo. Mas nada disso é politicamente correto. O politicamente correto usa tudo isso como desculpa para não ousar.
Vejam bem. Quando critico o politicamente correto, não estou criticando as mudanças provocadas na sociedade pelas minorias oprimidas. Só estou argumentando que as minorias provocaram essas mudanças justamente quando não foram politicamente corretas. A sociedade mudou quando alguém foi ousado, atrevido. Quando alguém não teve medo de provocações ou do que os outros vão pensar.
A religião do politicamente correto é a religião do “deixa disso”. Teve uma época em que exigir chamar “preto” de “afro-descendente” era romper com o estabelecido. Hoje, mudar o nome das coisas é apenas discussão acadêmica.
Contudo, sou obrigado a concordar com uma crítica recebida: a de que o exagero, muitas vezes, é do crítico. Ou seja, que meu posicionamento é muito radical e inflexível. Bom, vocês não poderiam esperar que, depois de tudo que disse, eu seria politicamente correto, né?

Politicamente Incorreto

O termo “politicamente correto” é uma contradição em si mesmo. Se é político, dificilmente vai ser correto. O Aurélio que me perdoe, mas, no Brasil, político é aquele que consegue o que quer e ainda agrada o outro, quase sempre sem se preocupar muito com o que é correto.
Quando falamos que alguém é muito político, estamos querendo dizer que a pessoa tem habilidade de negociação, que ele consegue cumprir seus objetivos sem criar atrito. O preconceituoso politicamente correto é aquele que consegue continuar sendo preconceituoso sem ofender ninguém. Termos e ações politicamente corretas são formas de disfarçar o preconceito para que ele continue caminhando entre nós, sem ser reconhecido.
O empresário pode chamar preto de afro-descendente e continuar não contratando. O porco capitalista branco é o animal mais político que existe. Trazer as discussões sobre racismo, preconceito e injustiça para o campo da política é levar a luta para o terreno do adversário.
Os partidários do politicamente correto dão, a todo momento, provas de que não estão familiarizados com as armas que decidiram usar. Recentemente participei de uma discussão para a produção de um folder sobre saúde e prevenção nas escolas, com foco no jovem e no adolescente. Argumentei que, se quiséssemos nos aproximar do público, teríamos que abandonar o politicamente correto. Em tese, a turma concordou, mas já era tarde, o politicamente correto já havia tomado conta do grupo – o inimigo estava infiltrado em nossas fileiras.
O resultado é que os jovens da tirinha não podiam dizer nada que fosse depreciativo ou supostamente depreciativo como, por exemplo, a palavra “Mané”. Não podiam ironizar nada e nem dizer coisas de duplo sentido. Não podiam se comportar de maneira tola, fazer caretas e nem peidar e arrotar. Não podiam, enfim, ser jovens. No fim, demos um jeito, mas o material correu o risco de ficar politicamente correto e totalmente inadequado. Falso.
Sugiro que abandonemos os eufemismos e falemos a verdade. Muito mais pessoas ficarão ofendidas, mas as discussões que virão serão mais importantes e as propostas de mudança, mais ousadas. Ser politicamente correto é a maneira mais fácil de deixar tudo como está.

segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Sombras e reflexos

Um rei, vendo-se assoberbado e confuso com as inúmeras decisões que seus súditos exigiam dele diariamente, decidiu que precisava de um conselheiro.
Como iria dividir suas angústias pessoais a respeito de sua liderança, o rei sabia que este conselheiro não poderia ser qualquer um. Então, imaginou se não poderia consultar-se com sua própria sombra.
Companheira de todas as horas, sua sombra era discreta e eficiente, crescendo ou diminuindo, dependendo da situação. Mas o rei optou por não promover a sombra ao status de conselheira, pois ela o conhecia bem demais e ele tinha medo de que as críticas pudessem ser muito duras e difíceis de suportar.
Pensou, então, no seu próprio reflexo. Também era alguém próximo e familiar, mas tinha um distanciamento maior. Convidou o reflexo, que aceitou prontamente o cargo. Os problemas, é claro, não demoraram a aparecer.
O Rei havia esquecido que, diferente da sombra, o reflexo não era parte dele. O reflexo tinha sua aparência, mas era, na verdade, seu oposto. O Rei e o reflexo não concordavam em nada e o que um mandava fazer, o outro desmandava.
Os súditos tinham muita dificuldade em saber quem era o reflexo e quem era o rei. O reflexo era canhoto, mas quem presta atenção em detalhes?
O reino se dividiu, os exércitos do rei e do reflexo entraram em guerra e, ao final de muita disputa e muito sangue derramado, tudo que sobrou daquele reino tão belo e tão promissor foi esta história.
E, pouco antes de seu último suspiro, o rei finalmente entendeu que quem não confia nem na própria sombra também não pode confiar em si mesmo.

quinta-feira, 8 de setembro de 2005

É o Fim

Se até a pesquisa do IBOPE, que ouve a opinião de milhares de pessoas, tem margem de erro, o que dizer então das profecias, que são as opiniões de um cara só, normalmente meio doido.
Está todo mudo por aí, feliz da vida porque o mundo não acabou no final do século, mas eu ainda não relaxei. Se Nostradamus errou por, digamos, cinco por cento (que é uma margem razoável), o fim pode ser a qualquer momento. Se eu fosse você, começava a me preparar.
Mas como é que a gente se prepara pro final de tudo que existe?
Tem o básico. Fazer as pazes com parentes próximos, não economizar palavras de carinho, transar bastante e queimar o dinheiro da poupança naquela TV de plasma de quarenta polegadas. Eu, particularmente, tenho andado com um guarda-chuva dentro do carro, por causa da tempestade de enxofre. Fora isso, não sei, mas se me ocorrer mais alguma coisa indispensável, publico aqui.
Mas tem uma outra teoria que contradiz a minha. E essa outra teoria também é minha. É o seguinte.
Estava tudo pronto para o fim do mundo. Gafanhotos, sapos (engaiolados longe dos gafanhotos, para não dar confusão), trombetas, enfim, todo o aparato necessário pro Apocalipse. Mas nós trapaceamos.
— Vamos embora, pessoal! Rápido! O Fim dos Tempos chegou!
— Como assim, Peste? – Perguntou a Guerra. — Não é só no ano que vem?
— Eu também pensei que fosse. Não entendi nada, mas está todo mundo comemorando a passagem do século lá na Terra.
— Mas eles são loucos. Qualquer um sabe que o século só se inicia na virada do ano 2000 para 2001.
— Mas eles não querem nem saber. Olha lá – todo mundo comemorando. Vamos lá, já está quase tudo pronto mesmo. A gente acaba com o mundo rapidinho. Cadê a Fome?
— Foi fazer um lanche. Olha, não quero desanimar, mas não vai dar tempo. A gente pega esse povo no ano que vem, conforme o programado.
— Mas aí não vai ter graça.
Estrategicamente, a humanidade acabou com o clima para o Apocalipse. O bacana era todo ambiente de fim de século. Toda a mágica, toda a superstição. Os Cavaleiros do Apocalipse passaram a eternidade ensaiando sua grande entrada triunfal e a gente botou fogo no palco. Agora eles também não vêm mais – só de birra.
Mas, se eu fosse você, ficava atento. Ontem ouvi no rádio a última música da Kelly Key. E se isso não é um sinal de que o mundo está acabando, não sei mais o que é.

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

Jogo do Brasil

A Turma do Siri estava eufórica. Tudo pronto para o tão esperado jogo da Seleção Brasileira em Brasília. O adversário era o Chile e o empate já garantia a classificação para a Copa da Alemanha. Todas as estrelas, com exceção do Ronaldinho Gaúcho, iam estar presentes. Adriano, Kaká, Robinho e Ronaldo, inclusive, começariam jogando. Enfim, oportunidade única.
A rapaziada tinha passado a semana inteira concentrada na casa do Nando costurando o bandeirão de vinte metros. Mas foi na manhã do jogo, enquanto o pessoal fazia bagunça na frente do hotel da seleção que o primeiro imprevisto surgiu. O Portuga teve um treco, um piripaque qualquer. Revirou os olhos, deu uns tremeliques e desmontou no chão. Já estava pra lá dos sessenta e tinha participado da noitada do dia anterior que, a rigor, ainda não tinha terminado.
O Otávio perdeu no palitinho e teve que levar o Portuga pro hospital. O Portuga não tinha família ou, se tinha, devia estar em Portugal. Otávio não podia largar o amigo desacompanhado e, pela gravidade do troço, já estava achando que ia perder o jogo, mas o Portuga foi um verdadeiro herói. Com os olhos cheios de água, segurou na mão do Otávio e disse:
— Vai sem mim...
— Pô, Portuga...
Os dois se abraçaram e o Otávio voltou correndo.
Já o Siri tinha um problema para resolver. Sem o Portuga, quem iria carregar a placa “Filma Nóis Galvão”?
O Bitoca tava com a corneta, o Zé Luís tinha problema de coluna e o Pudim, praticante amador de vale-tudo, precisava das mãos livres pro caso de ter uma confusão. O resto da galera estava comprometido com o bandeirão. A solução foi fazer uma vaquinha e pagar uma entrada para o Joca, que vivia duro e ia acompanhar a partida pela TV. O Bernardo foi escalado para ir buscar o Joca em casa.
Chegaram às duas horas no Estádio Mané Garrincha e a fila já estava imensa. E, no ritmo que estava andando, a turma ia dar sorte se entrassem no segundo tempo. Isso comprometeria toda a estratégia do grupo. Sem alternativas, acionaram o Pudim para intimidar o primeiro da fila. O Genésio disse que ameaçar “enfiar o nariz para dentro do cérebro” era uma atitude antiética. O Siri falou que o Genésio e a ética dele podiam ir pro final da fila, se ele quisesse. O Genésio ficou calado e, então, devidamente autorizado a usar força letal, se necessário, o Pudim partiu para negociar a entrada.
E nada do Bernardo e do Joca.
Entraram, instalaram o bandeirão, molharam a mão do ambulante da cerveja para garantir o fornecimento constante e esperaram a partida começar.
E nada do Bernardo e do Joca.
Foi só quando a Daniela Mercury tava cantando o Hino Nacional, em descompasso total com a galera, que o Bernardo e o Joca chegaram. As explicações só puderam ser dadas na segunda parte do Hino, pois, como ninguém sabia a letra, o estádio ficou mais silencioso.
— Que trabalhão! O Joca não estava em casa.
— Pois é, eu tava no motel com a patroa. Ia assistir o jogo lá, fazer uma social... Ainda bem que deixei o celular ligado, senão o Bernardo não me achava.
— E a patroa, não ficou brava?
— Quando acordar, vai ficar.
Esse era o Joca! Fugiu do Motel enquanto a esposa estava dormindo, só pra ver o jogo do Brasil.Daí em diante foi só festa. O Cabeção puxou o coro de “viadinho” quando o Latino entrou para cantar no intervalo e a Seleção deu de cinco a zero no Chile. Os preparativos da turma do Siri para a viagem à Alemanha já começaram. O Bigode ficou de arrumar o ônibus.

sexta-feira, 2 de setembro de 2005

Dança e Sacanagem

Já reparou como esses espetáculos de dança moderna se parecem com filmes de sacanagem?Nos dois é inacreditável o que os protagonistas fazem com o corpo, ninguém assiste nenhum dos dois por causa da história e, em ambos os casos, a performance tem que ser muito boa para prender sua atenção por mais de dez minutos.

Com tanto em comum, fico imaginando como seria uma apresentação que misturasse as duas coisas. Haja preparo físico, especialmente dos homens, que teriam que manter o... A... A haste do prazer enrijecida enquanto erguessem as mulheres no ar e se contorcessem sobre uma cama de água iluminada por tochas. A cenografia seria toda montada de pelos púbicos e... Tudo bem, tudo bem, a idéia é ruim. Mas que se parecem, parecem.

Outras semelhanças: jogo de futebol com casas de swing. Nos dois tem mais gente assistindo que participando e, nas duas situações, o homem raramente está acompanhado da sua esposa e... Não, não. Nunca fui a uma casa de swing. Me contaram.

Outras semelhanças: CPI e orgia. Em nenhum dos dois casos dá pra entender direito o que está acontecendo, nas duas situações você corre o risco de levar ferro a qualquer momento, nunca está muito claro quem está fudendo e quem está sendo fudido e quem participa dos dois tende a ter um ar cansado e arrependido.

Outras seme... Não, também nunca participei de uma orgia. E se tivesse participado teria sido há muito tempo atrás quando eu era jovem e influenciável e você não teria nada a ver com isso.Mas o que eu queria mostrar é que nada no Universo escapa da analogia com o sexo. Nem o próprio Universo, com seus buracos negros e seus corpos celestes se encontrando. O próprio Big Bang, uma explosão incontrolável de luz e fúria, tem tudo para ser comparado a um tremendo orgasmo – com direito, claro, a ver estrelas.

Isso significa que, dependendo da predisposição do indivíduo ele pode ver sexo em todo lugar e a qualquer momento e... Sim, minha esposa viajou e estou há um mês sozinho no apartamento, mas não entendi a pergunta.

Machismo

Você pode ou não ter recebido um e-mail que circula por aí com trechos tirados de revistas femininas da década de sessenta. Se não recebeu, não sou eu que vou mandar. Sou definitivamente contra estes e-mails não solicitados. A não ser, é claro, que seja um e-mail não solicitado de minha autoria, como o Ninguém Perguntou.
Mas a história é basicamente a seguinte: as frases estimulam a mulher a se comportar de forma cordata e complacente em relação aos “defeitos” de seu homem. Mensagens como: “se você perceber que seu marido anda te traindo, passe a dar mais atenção a ele. Seja mais carinhosa” e etc. O autor do e-mail conclui, com uma risadinha, que já não se fazem mais revistas como antigamente.
Discordo.
As revistas femininas de hoje continuam, em sua maioria, machistas e firmes no seu papel de treinar a mulher para satisfazer o homem. Na década de sessenta, poderia ser considerado vantagem ter uma esposa prendada. Mas hoje, ninguém quer ter em casa um piloto de fogão de noventa quilos. Com a chegada da entrega em domicílio, do forno de microondas, da comida congelada e da TV a Cabo, a sala e cozinha do macho moderno já tem tudo que ele necessita para uma vida agradável.
As revistas femininas perceberam essa tendência e mudaram seu foco, para melhor servir ao homem. Agora elas ensinam as mulheres a serem gostosas e boas de cama. Qualquer revista Nova tem mais mulher pelada que a Playboy e a Cláudia tem um suplemento de sexo que é uma maravilha. Aconselho qualquer homem casado a assinar essas revistas para suas esposas.
Mas e as matérias que estimulam a mulher a ter sucesso no mercado de trabalho? Todas são ótimas e contribuem para o staus quo do novo mundo masculino. Quem não quer ter uma mulher bonita, gostosa, ninfomaníaca e que ganha os tubos? Tô na fila (ou estaria, se já não fosse casado com uma mulher maravilhosa... Preciso dar um jeito da minha esposa parar de ler o que escrevo...). Além do mais, a maioria dessas matérias dão dicas do que a mulher deve fazer para conciliar o lar com o trabalho. Ensinam a como trabalhar e continuar a dar atenção aos filhos e ao maridão (ou namoradão).
A única coisa chata é que as mulheres também ficaram um pouco mais exigentes e o índice de infidelidade e de casamentos desfeitos subiu. Mas veja o lado bom: nunca foi tão fácil comer a mulher do vizinho ou aquela colega de trabalho boazuda. Com um pouco de sorte, talvez até as duas ao mesmo tempo.
Tempos modernos, revistas modernas, o velho machismo.

quarta-feira, 31 de agosto de 2005

Comentários

Você tem paciência de assistir a todos os extras do DVD? Sou obrigado a confessar que até gosto de uma ou outra coisa. Erros de gravação, cenas adicionais, documentários que complementam as histórias do filme, etc. Mas e o tal do comentário? Será que tem alguém que assiste àquilo?
Ainda se fosse a visão do diretor ou dos atores sobre uma ou outra cena, tudo bem, mas o princípio do comentário é alguém falando o tempo todo enquanto o filme passa. É a simulação do chato que não para de tagarelar no banco de trás do cinema. Tudo bem que o chato é, normalmente, o diretor ou o astro do filme. Mas chato é chato, não importa sua posição social ou conta bancária.
Certa vez, munido de pipoca, coca light, almofadas macias e uma disposição de fazer inveja à uma criança de cinco anos no parquinho, sentei-me para assistir aos comentários de O Poderoso Chefão. Note bem, que não escolhi qualquer filme. Como uma moça de família, fiz questão de selecionar muito bem com quem seria minha primeira vez. Dormi. No Poderoso Chefão! Aquele tom monocórdio do Coppola no meu ouvido foi fulminante.
Dias depois aluguei uma fita, Meu Vizinho Mafioso, salvo um provável engano, em que os comentários vinham como opção padrão. Você ligava o DVD e, enquanto os créditos iniciais apareciam, o diretor de fotografia começava sua pregação.
Em um primeiro momento, achei que o aparelho tinha pegado uma linha cruzada com a CNN. Quando percebi o que estava acontecendo, fui até o menu opções e alterei as configurações, mas, antes de continuar a ver o filme, botei o pijama. Trauma.
Mas tudo isso prova que deve ter gente que se amarra mesmo nessa história de comentário. Tanto que às vezes acha o comentário melhor que o filme. Se você é uma dessas pessoas, vai adorar o novo endereço do Ninguém Perguntou: http://ninguemperguntou.blogspot.com/. Lá, você pode fazer seus comentários sem se cadastrar. Se não quiser comentar, ainda pode ler as crônicas e, se não quiser nem comentar e nem ler as crônicas, você deve ter recebido este e-mail por engano.
O site no 1grau, por enquanto, continua ativo também. O Ninguém Perguntou agora está igual a TV por assinatura: você tem várias opções para ver a mesma coisa.

Meias Palavras

Clodoaldo não era um sujeito particularmente curioso. Uma vez, por exemplo, achou estranho sua filha de dezenove anos chegar em casa molhada da cabeça aos pés em um dia ensolarado. Quando perguntou o que havia acontecido com a menina, ela respondeu com uma evasiva:
— Ihhhh, pai. Não começa!
E ele não começou. Não porque não quisesse contrariar a filha, mas porque não tinha curiosidade. Além do mais, a Maria Rita sempre foi muito ajuizada. E pronto. A esposa de Clodoaldo quase enlouquecia.
— Clodoaldo! Você nem queira saber o segredo que a Berenice me contou.
— E não quero mesmo. Não é segredo? É melhor não contar.
— Mas...
— Não conta, não, meu amor. E se a Berenice ficar chateada com você?
— Mas você não tá curioso?
— Não.
E a Teresa (esposa do Clodoaldo) tinha que esperar a filha voltar da faculdade para contar a fofoca. No dia que a filha atrasa, chegava a ter dores de cabeça de tanto guardar segredo.
Mas tinha uma curiosidade que Clodoaldo não conseguia controlar. Quando ouvia, sem querer, uma conversa pela metade, não agüentava de curiosidade e tinha que saber como é que a conversa tinha começado. Não tinha o menor interesse no final do diálogo, mas no seu começo. Chegava a abordar completos estranhos no meio da rua.
—...E tive que pagar três vezes mais pelo negócio.
— Pelo quê? – Perguntava Clodoaldo, de repente, quase matando a pessoa de susto.
Com o tempo, passou a controlar o impulso de falar com desconhecidos, mas a curiosidade não passava. Evitava até circular em lugares com muita gente. Uma vez foi ao shopping e por pouco não enlouqueceu. Foram dezenas de conversas pela metade.
—...No final mexia a bundinha.
—... Precisava ver a cara dele.
—... Menina, foi por pouco.
No final de quê? Cara de quem? Por pouco o quê? Para diminuir sua angústia, passou a inventar, ele próprio, os começos das conversas, tendo como referência o jeitão de quem estava conversando.
Duas mulheres de vinte e tantos anos. Devem estar falando de seus bebês:
— A Ritinha ganhou um brinquedo, mas já quebrou. Uma pena, pois o boneco cantava, dançava e, no final, mexia a bundinha.
E por aí vai. No último final de semana, Clodoaldo desapareceu. Não avisou ninguém, não levou suas roupas. Sacou cem reais no caixa eletrônico e sumiu, deixando apenas um bilhete: “... Por isso tomei essa decisão. Será melhor assim”.

terça-feira, 30 de agosto de 2005

Celular

Sempre achei divertida a cara que as pessoas fazem quando descobrem que não tenho celular, mas um colega ontem quase perdeu o controle e me agrediu fisicamente só porque não tenho um aparelhinho desses. Ele, inclusive, quis me dar um de presente que eu, polidamente, recusei. O homem me olhava como se eu fosse uma criatura de outro planeta.

Talvez eu seja mesmo. Não conheço mais ninguém que não tenha um. Minha esposa, minha mãe, meus amigos, minha faxineira. Todos carregam um telefone, para cima e para baixo, como se sua vida dependesse daquele apêndice eletrônico. Com um cego e sua bengala, as pessoas e seus celulares são inseparáveis.

Acho até legal ter a capacidade de encher o saco de quem eu quiser, na hora que bem entender. E tirar fotos e botar o tema da vitória na chamada, essas coisas. Mas acho ainda mais legal poder dirigir ouvindo música e prestando atenção no trânsito.

— Mas e se algum parente seu morrer? – Perguntou meu colega do primeiro parágrafo, tragicamente.

Até onde sei, ainda não lançaram um modelo com a tecla ressuscitar e saber de um acidente mais cedo não vai mudar em nada o que aconteceu. Não tenho pressa de sofrer.

— Mas e se você precisar de ajuda, numa emergência? – Insistiu meu indignado colega, mais comedido.

Não duvido que o celular já tenha até salvado vidas, mas aposto que coletes a prova de balas, massageadores cardíacos e presença de espírito já salvaram muito mais e nem todo mundo tem. Além do mais, não estou sendo contra o uso do celular em geral – se você acha que o troço é útil para você então, por favor, use.

Já bati o carro, já furei o pneu em lugares ermos e já passei mal e o celular não fez falta. Não dependo dele, não é a primeira coisa que passa pela minha cabeça quando estou em apuros. Quando fura o pneu do carro, em vez de ligar pro guincho, eu troco.

Sei que um dia terei que ceder. Já tive um no passado e provavelmente terei outro no futuro. Sou um cara que gosta de tecnologia: tenho videogame, meu computador é de última geração. Um dia terei um telefone móvel. Um dia, não hoje.

É que me dá uma sensação estranha quando olho em volta e vejo todo mundo com um celular no ouvido ou a tiracolo. Vocês lembram daquele filme que passava de madrugada onde quem dormia era dominado por uma raça alienígena? No fim, todo mundo ficava sob o controle dos ETs, achando que era a coisa mais normal do mundo. Você já parou pra pensar se sua necessidade pelo celular é real ou se você apenas dormiu no ponto?

Ah! Quem sou eu para criticar? Sei há muito tempo que o bom-senso perdeu a guerra para o consumismo – fui uma das primeiras vítimas. Talvez seja até por isso que eu resista tanto. Sou como o pecador que já experimentou todos os pecados, menos um – justamente o mais usual, que é pro Diabo morrer de raiva. O Diabo e o meu colega, claro.

sábado, 27 de agosto de 2005

Anestesia

Não sei se é porque é sexta-feira, se é efeito da idade ou uma espécie de catalepsia diante de tudo o que está aí, mas o fato é que estou anestesiado.
Nada me parece interessante. Nem os escândalos sexuais do governo Lula, nem os escândalos financeiros, nem a quantidade esdrúxula de coisas que vêm aparecendo nas cuecas dos outros, nem o Robinho na Espanha, nem a Cléo Pires. OK, a Cléo Pires continua interessante, mas o resto...
O resultado disso é que as crônicas do Ninguém Perguntou estão ficando cada vez mais espaçadas, ou então com temas amplos como a vida, a morte e o infinito. Temas que só são divertidos em pequenas quantidades ou após muitas quantidades de uísque. Quem fala disso o tempo todo ou é maníaco-depressivo ou está fazendo de tudo para ser.
Mas não estou deprimido, daí a necessidade de falar sobre outras coisas – mas sobre o quê?
Saiu no CorreioWeb que os britânicos vão lançar um estudo provando que os homens são mais inteligentes que as mulheres. Algo a ver com o tamanho do cérebro, a capacidade cognitiva espacial e a habilidade de trocar lâmpadas e pneus de carro. É o tipo de coisa que poderia dar um texto interessante, mas não seria novidade, todo mundo já sabe que os homens são mais inteligentes que as mulheres (estou entediado, mas não estou morto. Não vou perder uma oportunidade dessas de fazer uma provocação gratuita).
Teve também o furacão Katrina que saiu derrubando árvores em cima dos outros lá nos EUA. Nada novo. O fato de todos os furacões terem nomes de mulheres é legal e poderia render um texto engraçado, mas eu já satisfiz o machista dentro de mim no parágrafo acima.
Não sei se já mencionei. Dentro de mim tem um machista, um médico, um louco, o Alceu, um torneiro mecânico e uma lésbica. Eu também poderia escrever sobre isso, mas o machista já está satisfeito, o médico vai dar plantão neste fim de semana e não está a fim de trabalho, o louco está acompanhando a CPI, o torneiro mecânico pediu férias e a lésbica... Onde está a lésbica? Não sei onde foi parar, esta menina anda impossível.
O Alceu está aqui comigo, escrevendo, mas boceja a cada dois minutos. Desconfio que meu inconsciente deu uma festinha daquelas ontem à noite. Mas é apenas uma suspeita, não tenho muita consciência sobre o que acontece no meu inconsciente.
Enfim, se o problema persistir na semana que vem, passo a me preocupar. Hoje, não vou nem esquentar a cabeça. Plena sexta, vou parar de escrever e me mandar pro boliche – aposto que a lésbica já está lá, tomando uma cervejinha.

Amigos Virtuais

O blog Ninguém Perguntou foi criado há 52 crônicas atrás. Não sei quanto tempo dá isso em cálculo de gente, mas já é alguma coisa. Durante este período, cadastrei 70 leitores para os quais envio – com uma regularidade questionável – boa parte do que escrevo.

Sei que o site é acessado por uma parte desses setenta leitores e assim vamos vivendo em harmonia. Eu aqui escrevendo e vocês aí lendo.

A questão é que, até pouco tempo atrás, não tinha me dado conta que, na verdade, meu blog está hospedado em uma comunidade virtual. Uma comunidade onde as pessoas se falam, trocam idéias, namoram, enfim, se relacionam.

Nunca fiz nada disso.

Sinto-me como um Robinson Crusoé do mundo bizarro, que naufragou em uma ilha habitada - o Japão, por exemplo – só que, como não falo japonês, continuo agindo como se estivesse sozinho no meio desse povo todo. Construindo minha casa na árvore, marcando os dias no coqueiro e pescando para sobreviver. Eu não participo da tal comunidade virtual. Quer dizer, não participava. Certo dia, um dos nativos do 1grau resolveu ver que diabos eu estava fazendo ali, naquele blog, alheio ao que acontecia à minha volta.

DoceKarine foi minha Sexta-Feira. Alguém que me alertou que pode ter muito mais gente vendo o que estou fazendo e que é melhor eu parar de andar de cueca e deixar de pescar no lago com a lança e ir ao supermercado, como todo mundo. Ou seja, talvez seja interessante me adaptar.

Como o Sexta-Feira do Crusoé, ela, na verdade, não me disse nada disso, mas me mostrou o caminho com suas ações. Ela tomou a iniciativa, me convidou para ser seu amigo e mandou mensagens simpáticas. Foi muito bacana. Meu primeiro contato com a civilização virtual.

Esta crônica é meu presente para todos os anônimos que tiveram a curiosidade de vir olhar minha casa na árvore. Desculpe se não dei a atenção devida a vocês, foi pura distração. Mas podem entrar, fiquem à vontade, só não reparem na bagunça. Ainda não tem cerveja, pois tô me adaptando, mas tem coco e água de chuva. Também não reparem nos macacos, já chamei o Ibama. Mas podem entrar, sem cerimônia. E, Karine, pode entrar sem pedir licença – você já é de casa.

terça-feira, 23 de agosto de 2005

Vida

Se ainda não aconteceu com você, vai acontecer. Chega uma hora, normalmente depois de alguma experiência bem desagradável, que todo mundo se pergunta: por quê? Pra quê? De que adianta?
De que adianta tentar ser feliz, se agente morre no final? Por que o sofrimento é garantido e a felicidade uma conquista? Por que tanta gente tem que batalhar tanto só para comer? E tem a guerra e as doenças e a ganância e os meninos no sinal e o mendigo dormindo embaixo da ponte. Tem momentos que a gente olha pela janela e não entende nada. Como foi mesmo que cheguei até aqui? Como foi que vim parar nessa confusão chamada vida?
Tem gente que desiste. Sai de cena mais cedo. Às vezes suicidando sem se matar. Drogas, álcool, crime, depressão. Tem gente que não desiste, mas não consegue esconder o desânimo e o estresse. É só olhar para o lado no trânsito e você vai perceber o executivo de ar cansado, o vendedor de olhar distante, sonhando com dias melhores, a mãe gritando com o filho no banco de trás, o mal-humorado que buzina e te xinga, mesmo sendo ele o errado.
Parei para pensar nisso porque ouvi, com calma, o CD A Tempestade, do Legião Urbana. Nele, Renato Russo já estava bem doente e não conseguiu esconder sua depressão. O disco é obrigatório na discoteca de qualquer maníaco-depressivo, arruína o dia de qualquer um que prestar atenção nas letras. É bom, tem músicas ótimas, mas é melhor ouvir uma de cada vez, achei o conjunto meio devastador.
E aí resolvi ouvir o último do Queen. Freddy Mercury com a mesma doença, também nas últimas – mas que diferença de ânimo. É um CD que fala de amor, de esperança, da beleza da vida, apesar de tudo. Tem alguma depressão, mas nada grave. E só musicão.
A mesma situação, pontos de vista diferentes. No fim, a vida de todo mundo é mesmo muito parecida – é o ponto de vista que faz a diferença.
Não perca, amanhã, a visão do otimista.

VIDA 2

Já deve ter acontecido com você. Tem dias que a gente acorda mais animado do que guia de excursão. Sem nenhum motivo aparente, você abre o olho e já está de bom-humor. Seus problemas não foram embora, a CPI dos Correios vai de mal a pior e você já está atrasado pra uma reunião importantíssima com a diretoria. Mas nada te abala. Pra você, aquele copo com água pela metade está sempre meio cheio.
No seu trajeto para o trabalho, ao invés de refletir sobre sua pequenez diante do universo e sobre o preço da carne você põe a Festa no AP a todo volume e canta balançando a cabeça. Sua mente está ágil, suas respostas estão na ponta da língua. Na hora do almoço você vai ao banco e não se aborrece. Você compra um DVD pirata dos Velozes e Furiosos 2, dublado em russo e legendado em ucraniano, só para dar uma força pro ambulante. Em resumo, você está de bem com a vida.
A vida não lhe fez nada para merecer tamanha consideração. Você não ganhou sozinho na sena, não desvendou nenhum mistério do universo, não realizou nenhum objetivo pessoal. Mas hoje você é capaz de se maravilhar com as cores do Ipê roxo, de se emocionar ao ver uma mulher grávida, de estacionar e sair do carro para ver o pôr-do-sol. Hoje você é capaz de perceber que a vida é um milagre e que estar vivo é uma oportunidade. Hoje você é incapaz de fazer sexo, mas pode fazer amor até de madrugada.
Em algum momento, durante o dia de hoje, você vai perceber, com uma convicção inabalável, que tudo valeu a pena. Tudo. Todo o sofrimento seu e da humanidade – tudo vai se redimir diante de um segundo de felicidade absoluta. Um olhar, um gesto, um beijo, uma palavra. Será apenas um segundo, mas ele justificará toda sua vida.
Amanhã é, claro, outro dia. Mas hoje você não está preocupado com o amanhã.

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

Alter Ego

Você veja só como são as coisas. Desde que comecei a escrever as crônicas do Ninguém Perguntou, passei a viver uma situação engraçada: meus amigos me confundem com meus personagens.
Só os meus amigos lêem as crônicas (são cerca de setenta leitores – quando chegar no 100 vai ter festa) e, se nem todos freqüentam minha casa, pelo menos me conhecem razoavelmente. Mas não tem jeito, já percebi que, na cabeça do pessoal, virei uma mistura do que realmente sou e do que escrevo.
É fácil entender o porquê da confusão. Tenho o hábito de escrever em primeira pessoa, pois acho mais fácil “entrar” no personagem desta forma. Ainda mais em textos curtos, que não permitem um desenvolvimento maior das características pessoais do protagonista. Mas só há pouco me ocorreu que o que os leitores viam, na maioria das vezes, era o Zinho e não o careca de trinta e poucos anos, moreno, casado, com uma filha de dois anos e que mora no Sudoeste completamente fictício que eu havia criado. O Alceu.
Pronto. Revelei meu alter ego, minha identidade secreta. Quem escreve as crônicas, na verdade, não sou eu. É o meu outro eu: o Alceu. O “Al” é de “alter” e o “eu” é uma referência ao ego. O “c” é só para confundir. Alceu! Bem legal, hein?
Como acontece com qualquer super-herói, quando me transformo no Alceu, ganho uma série de superpoderes. O Alceu pode mentir ser preconceituoso e exagerar, já o Zinho é um cara ponderado e equilibrado. O Alceu chora se descabela e fala palavrão, já o Zinho é um cara ponderado e equilibrado. Autopromoção à parte, o Alceu é tudo aquilo que eu não posso ser. Ou porque não quero ou porque ia me meter em confusão se fosse.
Vocês não deixam de estar certos, devo ser mesmo uma mistura do que sou e do que escrevo. Mas, só para evitar qualquer mal-entendido: o fato de 90% de tudo o que é escrito no Ninguém Perguntou ter a ver com sexo não é culpa minha. É do Alceu! Do Alceu!

Educação

Nesta semana tive a notícia que mais uma professora americana assediou o aluno. Dessa vez foi Pamela Rogers, de 28 anos, que teve relações sexuais quatro vezes com um menino de treze. Há alguns meses atrás foi Debra Lafave, de 24 que teve relações sexuais com um aluno de catorze – ao que tudo indica, em um carro em movimento dirigido pelo primo do rapaz, fantasia que muito adulto ainda não realizou.
Pamela conseguiu um acordo na justiça e vai ficar presa nove meses, além de perder a licença para dar aula. Debra ainda vai a julgamento e está alegando insanidade.
Só não entendi uma coisa. É crime?
Tá, tudo bem, entendo toda a história da relação de poder, da confiança depositada pelos pais, etc. Mas vamos ser sinceros. As duas são muito bonitas. Duas louras peitudas de olhos claros. Se fosse nos meus treze anos de idade e acontecesse comigo, seria uma recordação maravilhosa e não consigo achar justo alguém ir pra cadeia por fazer alguém feliz.
Qual é a opinião dos garotos? Eles se sentiram explorados ou satisfeitos? Será que a opinião deles não conta? Os psicólogos dizem que uma situação dessas pode causar danos irreparáveis ao menino. Será?
Se fosse um homem assediando uma menina, a gente não teria muita dúvida em condenar o cara – o sujeito é automaticamente um canalha. Mas com uma mulher o caso é diferente, não é? E se a mulher fosse feia? Aí também seria sacanagem com o moleque, claro. Mas aí será que o moleque iria querer e participar?
Pensamentos machistas, sociedade machista, cretinice, moral – em uma hora dessas todos esses termos ficam expostos como um fio desencapado, soltando faíscas por todo lado e, desculpe o trocadilho, deixando muita gente chocada sem muito motivo.
Olha, não vou tentar dizer o que é certo e o que é errado, até mesmo porque não tenho credencial nenhuma para isso, e, mesmo que tivesse, não saberia o que dizer. É só que, por mais que tente, não consigo deixar de ser brutalmente honesto: eu teria achado o máximo. E, se fosse com uma professora em particular que protagonizou mais de uma fantasia no passado, ainda teria sido carregado sobre os ombros e ovacionado em praça pública pelo resto da turma.

Educação 2

Após uma reflexão mais ponderada, sou obrigado a confessar que minha avaliação dos casos das professoras que andaram comendo os seus alunos lá nos Estados Unidos foi pobre e preconceituosa (se você não leu, está lá no www.1grau.com/ninguemperguntou). Ou seja, a minha cara.
Mas minha esposa leu a crônica e deu o maior rolo lá em casa, por isso estou sendo obrigado a esclarecer alguns pontos.
1- Reitero que, se aos treze anos, eu tivesse uma professora gostosa e ela quisesse transar comigo, eu teria adorado. E jamais denunciaria a coitada à polícia. Isso seria aos treze anos, obviamente, e não hoje que sou casado com uma mulher maravilhosa que não troco por nenhuma peituda de olho azul.
2 – Não acho que o fato teria me traumatizado ou afetado minha personalidade de forma negativa. Bem, talvez eu tivesse ficado meio convencido, com aquele ar de “fodão”, mas nada muito mais grave.
3 – Soltem logo essas moças.
4 – Mas elas erraram. Não porque fossem mais velhas, ou porque tenham “seduzido” o rapaz. Mas porque eram as professoras deles e quebraram uma relação de confiança que a escola e os pais do garoto tinham com elas. Da mesma forma que não se espera que o médico ou o psiquiatra transe com seus pacientes, um professor não deve transar com seus alunos. Mas acontece e também não é o fim do mundo. A punição adequada é a demissão e, talvez, a impossibilidade de lecionar novamente – cadeia é exagero.
5 – E se fosse minha filha? E se a mulher fosse feia? E se fosse um homem? E se fosse o Clinton? Todas essas hipóteses são formas descabidas de avaliar a situação. Pelo simples fato de que não foi nada disso. Não foi minha filha, não foi com o Clinton e não foi um tarado com roupa de marinheiro. Caso tivesse sido, pode ser que eu tivesse chagado à uma conclusão diferente. Estou analisando o fato pelo o que realmente é e não pelo que poderia ter sido.
6 – Quantos pais já não fizeram a iniciação sexual dos seus filhos com prostitutas mais velhas? Quantos relacionamentos já deram certo entre pessoas com grande diferença de idade? E quantos não foram para frente, mas renderam bons momentos? Temos que parar de pensar em sexo como se fosse crime, pelo simples fato de ser sexo. Aliciamento existe, estupro existe e ambos precisam ser punidos severamente. Mas comer a professora não é crime, é fantasia realizada.

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

Artefato

Múcio Bortolini (o nome verdadeiro dele não é esse) tinha dormido mal na noite anterior. Acessos de tosse, dor de cabeça, mal estar geral.
— Gripe! – falou sua esposa, em tom acusador.
Mas Múcio sabia que era mais que isso. Achou também que estivesse com febre, embora não conseguisse provar. Toda vez que usava o termômetro o danado ficava no trinta e sete e meio. Quando, às três da manhã, teve certeza da febre (calafrios e suores), estava com sono demais e derrubado demais para pegar o termômetro, que parecia rir dele, do alto da prateleira.
Mas o pior foi o catarro. Uma coisa é tirar aquela bolinha sequinha do nariz e colar na cadeira do cinema (uma diversão secreta de Múcio), outra completamente diferente era aquele muco verde, espesso e abundante, digno de qualquer filme de ficção científica.
Quando a esposa do Múcio entrou no banheiro de repente e viu aquela gosma disforme sobre a pia, escorrendo lentamente em direção ao ralo, desmaiou. Múcio percebeu que não poderia voltar para casa sem uma solução e, resoluto, dirigiu-se ao Pronto-Socorro.
Encontrou um desses médicos modernos, bonachão, cheio de intimidades:
— Boa tarde, seu Múcio – falou, olhando o prontuário. – Diga-me o que o traz aqui. Fique à vontade, vá sentando, vá sentando. Dia lindo, não?
Múcio relatou seus males da melhor forma que pôde. O médico parecia ainda mais animado:
— Que beleza! Não deve ser nada! Uma sinusite alérgica, você vai ver. Uma bobagem. Uma coisa à toa. Mas vamos tirar um raio-x do pulmão e da face, só para ter certeza.
Lá foi Múcio, com sua tosse e seu catarro, tirar as necessárias fotografias do seu interior. Com os raios-x na mão, entrou novamente no consultório do médico.
— Não falei? – Berrou o médico, eufórico. — Não tem nada. Pulmões limpos, sadios, sem... Sem...
O médico entrou subitamente em um silêncio profundo e começou a olhar para o exame de forma atenta, experimentando vários ângulos, como se quisesse entender o que estava vendo. Múcio, impossibilitado de engolir em seco, por causa do catarro, engoliu uma melequinha, preocupado.
— O que houve, doutor? Tem alguma coisa errada com o exame?
— Não exatamente... Tem uma coisa aqui, meio ovalada, meio quadrada... É um artefato, sem dúvida.
— Um o quê?
— Um artefato.
— Um artefato... No meu pulmão?
— Isso mesmo.
— Mas, como assim, um artefato? É um rádio-relógio? Um anel de brilhantes? Um artefato? Meu Deus, de hoje não passo.
— Calma, calma, vamos pedir um laudo e ver o que é primeiro. Pode não ser nada.
— Como assim, nada? Afinal, tem ou não tem alguma coisa aí?
O médico parecia não saber o que dizer, mas, finalmente, confirmou:
— Tem.
— Um artefato.
— Pois é.
Múcio deu a notícia para a esposa com todo cuidado, mas não precisava ter se preocupado tanto. Ela ficou encantada.
— Puxa, Múcio, um artefato! Que bacana. Nunca conheci ninguém que tivesse um artefato no pulmão. Posso ver?
Múcio mostrou os raios-x.
— Olha, parece um óculos – disse ela, apontando para uma parte da foto que não tinha nada a ver com o tal artefato.
Durante uma semana, Múcio ignorou o artefato e tratou sua miséria como se fosse uma sinusite alérgica, a conselho do médico. Não melhorava, nem piorava. Às vezes ficava pra baixo, às vezes bem-disposto. O laudo já havia ficado pronto, mas ele enrolou pra pegar. À noite, sua esposa o abraçava carinhosamente, orgulhosa do marido ser tão especial e possuidor de uma doença tão rara. Ela teria uma reunião com as amigas do clube no sábado e mal podia esperar para contar a novidade. A Regininha, cujo marido tinha gota, ia ficar morrendo de inveja. Queria ver alguém superar isso. Um artefato! E no Pulmão!
Mas, na sexta-feira, Múcio ligou para ela do celular. Tinha ido pegar o laudo e queria contar a novidade para a mulher:

— Querida! Você não vai acreditar! Meus seios costo-frênicos estão livres!
— Seus o quê?
— Meus seios! Eles estão livres! Quer dizer, o seio da face está hipoplásico. Mas os seios costo-frênicos, os seios maxilares e os seios esfenoidais estão livres.
— Meu bebê... Você é homem, não tem seios. Tem, no máximo, peitos. E só dois.
— Você não está entendendo. O artefato não era nada. Quer dizer, era só uma pneumonia, mas nada grave. Meus seios e o meu mediastino vão ficar bem.
A esposa de Múcio nem teve ânimo de perguntar o que era mediastino. Mal podia acreditar que o artefato a havia deixado assim, sem mais nem menos, um dia antes da reunião do clube. Mas procurou animar-se. Se o marido aparecesse em casa à noite com dez ou doze seios pelo corpo, ela ainda seria a sensação da noite.

segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Casamento

Não é raro encontrar um certo ar de arrependimento nas pessoas casadas. Não estou falando do arrependimento verdadeiro, que é acompanhado de brigas, desilusões e pensão alimentícia, mas de um arrependimento tímido, diluído. Algo parecido como quando pedimos um prato no restaurante e achamos delicioso – até vermos o prato que veio para a mesa do vizinho.
É isso. Um desejo incontrolável pelo que poderia ter sido. Uma mulher mais interessada em informática, um marido menos barrigudo, um filho a menos, um filho a mais. A mesma mulher – mas com outra sogra. O mesmo marido – sem a coleção da Playboy. Detalhes, como o cominho que veio no seu prato. Nada contra, mas se fosse a pimenta de cheiro do prato da mesa ao lado...
Essas coisas podem até passar pela nossa cabeça, mas não são impedimentos para quem está determinado a amar. Quem vive angustiado por estes detalhes ainda não entendeu o espírito da coisa. Ainda confunde paixão com amor. Paixão é fúria e impulso. Amar é uma decisão. Quem casa movido apenas pela paixão é como a pessoa que dá um chegue sem fundo. Fez sem pensar – e vai ter problemas mais tarde, a não ser que algo inesperado aconteça.
Não me entenda mal, a paixão é absolutamente necessária para alguém declarar que viveu. Mas o amor, a decisão consciente de amar, esta também precisa ser compreendida.
Paixão é de graça. Amar custa tempo e dinheiro. A paixão é que é cega, quem está apaixonado não vê os defeitos do outro. Quem ama, não só vê os defeitos, como ainda tem que aprender a perdoar as falhas do outro. Quem está apaixonado está tão descontrolado que freqüentemente acredita que está amando e confunde as duas coisas. Mas o amor é inconfundível. Quem está amando não tem dúvida sobre o seu sentimento.
O único problema é que, ao contrário do que diz o poeta (não o Vinícius, claro), não é eterno, ou, se preferirem, só é eterno enquanto dura. O amor precisa ser renovado com gestos, com ações, com renúncias, com palavras e silêncios. É como eu disse antes: dá trabalho.
Mas cuidado: a paixão não pode e nem deve ser menosprezada, ela é um dos principais ingredientes do amor renovado. Amar, sem, paixão, não tem a menor graça.
Quanto a mim, faço sete anos de casado neste mês e não tenho arrependimentos. Nem grandes, nem pequenos. Tive a sorte de encontrar alguém que se esforça para me amar. E que, provavelmente, jogaria seu prato na minha cabeça se eu olhasse para a mesa do vizinho.

Lesbian Chic

Dia desses... Peraí. Na verdade, foi ontem. Não sei se ontem conta como um dia desses ou se tem uma categoria específica. Vou no feeling.
Dia desses, me perguntaram o que eu achava sobre o novo seriado da Warner, The L Word. Para quem não sabe, o “L” do seriado é lesbian, ou lésbica, em português. O que me lembra uma piada ótima com um português, duas lésbicas e um estivador russo, que eu só não conto agora para não bagunçar ainda mais o início deste texto. Vamos lá, então. Com fé. Agora começa.Dia desses, um amigo me perguntou o que eu achava do novo seriado da Warner, The L Word. A trama gira em torno de um grupo de lésbicas, a exemplo daquele outro seriado que falava sobre um grupo de homossexuais masculinos do qual não lembro o nome. Pois é, é o lesbianismo em pauta, tratado com sensibilidade, seriedade, poesia e com um porrilhão de mulheres lindas e gostosas.
Honestamente, é a primeira coisa que se nota. As sapatões são bem lindinhas. A segunda coisa que me chamou a atenção foram os beijos e carícias trocados por elas durante o programa e... Ah! Lembrei! Não era nada disso. O seriado foi o começo da conversa, mas o que o meu amigo perguntou foi outra coisa. Gente, onde é que eu estou com a cabeça? Vamos lá, agora tô concentrado. Ignore tudo o que você leu até agora, pois se não estivesse com preguiça, eu mesmo iria apagar. Daqui pra frente vai fazer mais sentido. Não é uma promessa, mas vou fazer o possível. Presta atenção que vai começar.
Dia desses, um amigo meu homossexual me perguntou por que é que nós, heteros, temos essa fixação, esse tesão, por duas mulheres se beijando. E ainda mais fixação e mais tesão se elas estiverem seminuas e na nossa frente. Correndo o risco de me encrencar, pois minha mulher lê tudo o que escrevo, vou tentar responder.
Para mim, o homem consegue separar o sexo da afetividade. A gente não cobra nada da sacanagem. Não exije nada da safadeza. É por isso que eu acho que o gay também é meio promíscuo mesmo, pois é esse mesmo posicionamento nos dois lados do relacionamento.É claro que existem exceções para tudo isso que eu estou falando. Nada impede que a mulher também se comporte assim, mais descompromissada, como nada impede um relacionamento gay mais careta que o... Que o... Que o quê, mesmo?
Distraí, mas já voltei. O homem é praticamente treinado para curtir esse tipo de fantasia. Duas mulheres, enfermeira, dominadora, posição do cachorrinho. É a mulher que curte mais o óleo de massagem, o incenso, a banheira e a unha do dedão do pé cortada. É claro que um pouco de despudor agrada também às mulheres, mas conheci poucas delas que estavam dispostas a entrar no quarto e deixar o romantismo na porta, do lado de fora. Por outro lado, conheço vários homens que deixariam o romantismo algemado no porta-malas, inconsciente.
Para o homem, não há limites quando o assunto é sexo. Alugue qualquer filme explícito que você vai ver (eu recomendo Louras Contra Morenas, com a Sheryl Lynn). Todo fetiche é permitido e, no campo, nem os animais escapam.
Alguns heteros só não assumem que fantasiam com outros homens porque o preconceito é muito grande. Para as mulheres, o contato com o sexo oposto é mais natural, menos complicado do ponto de vista psicológico e, dependendo da turma que você anda, é até chique. E, se você anda mesmo com essa turma, precisamos sair qualquer hora.
Enfim, é como disse alguém cujo nome não vou lembrar agora nem por milagre: sexo é simples, complicadas são as pessoas. E eu, definitivamente, nunca mais escrevo uma crônica enquanto assisto o The L Word – essa mulherada se pegando desconcentra qualquer um.

domingo, 7 de agosto de 2005

Buterflái

Múcio Bortolini (o nome verdadeiro dele não é esse) fez o que não devia. Depois de uma rodada de sexo morno com a esposa, perguntou para ela se havia sido bom. A mulher, que andava distraída, preocupada com aquelas coisas que normalmente preocupam as mulheres, teve um ataque de sinceridade e respondeu:
— Foi...
A sinceridade, claro, não estava na resposta, estava nas reticências. A esposa do Múcio era assim: dizia muito mais quando não dizia nada. Múcio sentiu um arrepio na nuca e ameaçou fugir da cama, alegando que ia tomar um banho, mas a esposa foi mais rápida e continuou a frase antes que ele pudesse agir.
—... Mas da próxima vez a gente podia tentar algo diferente...
— Diferente? Como assim?
— Você sabe... Diferente.
Ele não sabia. Como poderia saber? Diferente é um termo muito amplo, especialmente para o que se faz entre quatro paredes. Múcio tinha um primo que uma vez tentou algo diferente com a esposa e ficou meio esquisito por uns tempos. Muito sério, com o olhar distante... E ele nunca explicou direito o que havia acontecido.
— Me surpreenda – disse, finalmente, a mulher, com um sorriso maroto que poderia significar qualquer coisa.
Naquela noite, Múcio não pregou o olho.
No dia seguinte, resolveu que não pediria ajuda a nenhum amigo, pois já havia tido uma experiência infeliz nessa área (veja a crônica Haste), mas que consultaria um profissional. Foi a um sex shop.
— Boa tarde – disse, timidamente, à atendente no balcão. Uma moça bonita, de uns vinte anos.
— Boa Tarde! Em que posso ajudá-lo?
— Eu estava procurando alguma coisa diferente – tentou Múcio, na esperança de que a palavra diferente fosse, na verdade, um código secreto entre as mulheres para uma coisa bem específica. Não era.
— Bom... Chegou hoje pra mim essa roupa do Batman, que tem um zíper superprático...
— Sei...
—... Na parte de trás da sunga...
— Não, não, não. Menos diferente, por favor. Bem menos.
— Ajudaria se o senhor me dissesse o que tem em mente.
Múcio não tinha nada em mente. Proibiu o próprio cérebro de divagar sobre o assunto, com medo de onde poderia parar. Só tinha certeza de que não queria nada que envolvesse manteiga ou outras pessoas.
— Algo que faça a minha mulher feliz – disse, sentindo-se altruísta.
— Ah! Bom, temos aqui o Extríme Pínis, Pínis é Pênis, em inglês. Ele tem trinta centímetros de altura, dez de diâmetro, quatro velocidades, textura real e já vem com pilha.
O objeto parecia mais uma arma que uma prótese. Era intimidador. Além do mais, não tinha certeza de até onde o conceito de diferente da mulher poderia se estender e achou mais prudente não ficar pelado próximo de um objeto daqueles.
— Talvez algo menos extríme. Algo mais delicado.
Os olhos da mulher brilharam:
— Tenho exatamente o que o senhor está procurando: o buterflái.
— Buterflái?
— Borboleta, em inglês.
Voltou para casa com o objeto que parecia um amendoim avantajado. Naquela noite, a esposa do Múcio viu estrelas. Mais que isso, viu constelações. Missão cumprida, apesar de tudo, sem maiores incidentes. Quer dizer...
— Múcio, querido! Você realmente me surpreendeu. Pra quem nunca usou um aparelhinho na cama, você manipulou o buterflái como um mestre...
— Foi fácil – respondeu Múcio, orgulhoso. — Passei a tarde inteira treinando com a moça da loja. Ela me mostrou todos os pontos sensíveis...
Ele não conseguiu terminar a frase. Não deu nem tempo de explicar que foi em um modelo de vagina de borracha. Dormiu no sofá por uma semana. Quase deu separação.Moral da história: Nunca fale para a sua esposa que você treina o que faz com ela com outra mulher. Mesmo que a outra mulher esteja agindo profissionalmente.

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

A Última Ceia

O Ninguém Perguntou de hoje é dedicado a um amigo específico e à amizade em geral. Que a fonte nunca se seque.O apelido do cara é Bode. Está mais perto dos quarenta que dos quinze e ainda fala “véio" (ou véi). Tem uma fixação quase obsessiva com Guerra nas Estrelas – ou com as espadas dos Jedi, ainda não entendi direito. E ainda assim vai casar no próximo final de semana. O amor é mesmo para todos.Conheço o Bruno desde a época que ele falava “véi” e era obcecado por Guerra nas Estrelas... Hmm... É melhor reformular: ele é que é o bom nas contas, mas, se não me falha a memória, conheço-o há pelo menos uns quinze anos. Provavelmente mais que isso, mas aí já é assumir a própria velhice. Quinze anos tá bom.O importante é que o cara vai casar no próximo sábado. Já fizemos a despedia de solteiro (evento do qual quanto menos se falar, melhor), mas este não é o verdadeiro ritual de despedida. Trata-se apenas de uma tática diversionária, um truque com luzes e espelhos. Enquanto todos os olhos estão voltados para a despedida de solteiro, a verdadeira cerimônia de despedida acontece em outro tempo e local. É a Última Ceia – o almoço com os amigos no dia do casamento. Fui o primeiro do grupo a casar, e, conseqüentemente, o fundador da tradição da Última Ceia que, para nós, é um ritual quase tão importante quanto o evento cristão. Com algumas diferenças:1. Não tem lugar para Judas. Mas se alguém quiser me oferecer trinta dinheiros, podemos conversar.2. Nunca ninguém foi preso. Podemos atribuir isso mais à ineficiência da polícia brasileira que à inocência do grupo. Se fosse no Império Romano, não sei não. 3. Pão eu não posso garantir, mas, vinho, tenho certeza que nunca ninguém bebeu. E ainda bem. Se o resultado final da ceia fosse o noivo comparecer bêbado à cerimônia, a tradição não teria durado tanto.4. Ninguém usa toga. Teve uma vez que um da galera foi vestido de caubói, mas não vou citar nomes, a não ser que alguém me ofereça trinta dinheiros.5. Não tem mulher pelada. Se bem que, até onde sei, na Santa Ceia também não teve. Bom, por via das dúvidas, vou deixar esse item aí.Mas uma coisa, sem qualquer sombra de dúvida, o nosso ritual tem em comum com a celebração cristã: é sagrado. Vejo todos vocês no sábado.