quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Opinião

Dizem por aí, não falo quem disse porque não sou fofoqueiro, que o cidadão normal tem direito a três opiniões não fundamentadas. Mais que isso já é avacalhação e agride o tecido social. Menos, é repressão.
De acordo com essa teoria, a gente não pode simplesmente ter opiniões sem dar satisfações para o vizinho, pois, afinal de contas, estamos todos no mesmo barco e, sem a harmonia que vem do consenso e da deliberação, só nos resta o destino da Torre de Babel. Ou seja, o desespero, o caos, a falta de comunicação entre os povos e os custos altíssimos da construção civil.
Mas também não somos robôs e todos precisam de uma válvula de escape. Por isso temos direito a ter três opiniões que não precisam de nenhuma justificativa.
Uma pessoa sensata poderia argumentar que isso tudo nunca vai sequer passar pela cabeça de um cidadão normal, mas aí eu ficaria sem assunto para a crônica. Então, vamos supor, por alguns instantes, que essa conjectura lá do começo seja verdade.
O mais seguro seria desperdiçar essas três opiniões sem fundamento com futebol, religião e política, mas quem precisa de segurança?
No caso do futebol, torço para o Flamengo porque vi o Zico (e toda a turma do time campeão mundial) jogar na minha adolescência. Ou seja, quando eu era impressionável, o Flamengo era impressionante, quer justificativa melhor?
Em relação à religião, também tenho meus argumentos, que não discuto aqui pra não mudar demais de assunto e, em relação à política, entrei para o partido dos incrédulos – aquele grupo que fica olhando para a televisão e, notícia após notícia, apenas repete:
— Não acredito.
Pronto. Limpei a área e agora tenho direito a três opiniões completamente injustificadas e socialmente aceitáveis – já que são apenas três. Estas opiniões não podem ser contestadas por mais absurdas que pareçam, a não ser que você faça questão de desrespeitar minha condição de cidadão e de contribuir para o desgaste das relações humanas.
A primeira: Luana Piovani é morena. Ela só pintou o cabelo de loiro. Acho a Luana Piovani uma morenaça.
A segunda: adoçante não deixa gosto estranho nas coisas. Chocolate diet e Coca Light são tão ou mais gostosos que suas contrapartes açucaradas.
E a terceira... A terceira... Vou guardar a terceira para uma outra ocasião. Depois da reação de alguns amigos mais radicais às minhas crônicas, acho que vou precisar.

terça-feira, 18 de outubro de 2005

Posições

Pensei em abrir a crônica com aquela piada infame que alerta para os riscos de confundir “posição” com “posicionamento”. Você conhece. Um executivo fala para o outro:
— Preciso de uma posição sua, porque o negócio está de pé.
Ao que o outro responde:
— Não vai dar, pois aquela parada que você estava agitando para mim já melou.
Pensei em abrir e acabei abrindo, o que mostra minha falta de compromisso com a criatividade – talvez você queira rever seu posicionamento em relação a esta crônica e parar de ler. Ou ajeitar sua posição na cadeira para continuar lendo, pois o nível do texto vai continuar indo ladeira abaixo, o que deixa tudo mais interessante.
Saiu uma pesquisa na Inglaterra que diz que o inglês médio muda de posição 1,3 vezes durante uma transa. A pesquisa saiu no ano passado e eu vi a matéria em uma Superinteressante que alguém esqueceu na gaveta, portanto, isso já pode ter mudado. O que não muda é o meu espanto pela estatística.
Mas que sexozinho vagabundo, hein? Imagine a cena. O inglês lá no father-mother, aquela bunda branca subindo e descendo e, de repente, o casal muda de posição em 0,3. O que é isso? Uma reboladinha a mais, no máximo. Um gemido mais alto, uma câimbra. Decepcionante.
Não sei qual é a média do brasileiro, que deve variar com os anos de casado, o local da transa e o volume de álcool ingerido, mas sou capaz de apostar que, se a gente tiver que mudar, vai mudar de posição inteira – e não em 0,3.

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Velhos Amigos

Dependendo do conhecido, do local e do seu estado de espírito, encontrar velhos conhecidos pode ser uma alegria ou um constrangimento.
Encontrar a ex-namorada que ainda tem uma queda por você e está ainda mais gostosa. Alegria, alegria.
Encontrar a ex-namorada que ainda tem uma queda por você e está ainda mais gostosa, quando você está passeando com a esposa. Agonia, agonia.
Encontrar a ex-namorada que ainda tem uma queda por você e está ainda mais gostosa, mas você está dez quilos acima do peso e com uma blusa do Mickey, de quando você esteve na Disney, há seis anos atrás. Que azar, hein?
Para mim, o encontro com amigos do passado é quase sempre uma alegria seguida imediatamente de constrangimento, pois, normalmente, o responsável pela falta de contato sou eu. Perco telefones, esqueço datas de aniversário, fico dias sem ligar. Até certo ponto, acho que tudo isso é inevitável. Como é mesmo aquela metáfora? Cada barco seguindo seu curso no imenso rio da vida, cada um com uma bagagem, em velocidades diferentes. O destino, o futuro, o trabalho, os filhos, enfim, você sabe do que estou falando – já deve ter tido a sua cota de telefonemas não retornados e encontros não comparecidos. Mas o meu caso, parece, é mais grave.
Mas não é maldade, é devaneio. A única vantagem que tenho é na qualidade de amigos que costumo arranjar. Valem ouro, mesmo quando estão distantes. E, quando me encontram, não cobram nada ou muito pouco, como o Quequé, que esbarrou em mim esses dias, no meio da rua.
— Como está, irmão? Há quanto tempo...
— E aí, Quequé? Por onde você tem andado? Tá sumido...
— Até ontem eu ainda tava lá no Adega, te esperando pra aquele happy hour, que você disse que ia sem falta.
O encontro no Adega tinha sido planejado há três anos atrás. Não fui porque havia ficado trabalhando até tarde. Em vez de me justificar, procurei manter viva a piada:
— Mas era no Adega? Achei que fosse no Marietta. Também fiquei lá até ontem.
Seguiram-se sorrisos, abraços e quinze minutos de bate-bapo da mais alta qualidade. Quequé não queria explicações, queria pegar no meu pé, como só um bom amigo sabe fazer. Trocamos telefones e combinamos de nos encontrar novamente, acreditando honestamente que vamos cumprir o combinado. Tomara.

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Crítica

Tem certas coisas que são fáceis de criticar. O nazismo e os filhos dos outros, por exemplo. Mas o que fazer quando sua namorada passa horas no cabeleireiro e aparece com um penteado pior que o do Alex, no último jogo da seleção? E se um amigo seu pede para que você leia o último poema que ele escreveu?
Nessa hora, você tem poucas opções e, ainda por cima, tem que tomar uma decisão em frações de segundo.
Mentir pode ser a primeira coisa a passar pela sua cabeça. A mentira tem fama de ser ruim, por causa de seu relacionamento estreito com a política, mas já salvou mais de um casamento e também algumas amizades. Mas é um caminho sem volta.
— Está lindo!
— Você acha?
— Puxa, perfeito! Obra-prima!
— Que isso...
— Mas se eu estou te falando.
— Que bom que você gostou, pois eu pintei este quadro justamente pensando em você. Pra você colocar na parede do seu apartamento novo.
— ...
— O que foi? Não gostou? Olha, se não gostou, pode falar.
— Não é nada disso. Já não falei que tinha gostado? Gostei! É que meu apartamento é muito simples. Não merece tanto.
— Você mercê muito mais que isso! Quantos anos de amizade? Sei lá, são tantos. Você merece.
— É que tem a Lisandra...
— Que tem a Lisandra?
— Ela não pode com caranguejo. Tem alergia.
— No quadro?
— Alergia braba.
—Ah! De qualquer forma, isso aqui não é um caranguejo. É um caramujo com pênis humano.
— Oh!
— Vai ficar lindo na sala de jantar, não vai?
E tem a verdade. Que, no exemplo acima, poderia fazer com que você perdesse um amigo, salvando a sala de estar e o relacionamento com a Lisandra. Outra opção é o subterfúgio: fingir um ataque cardíaco e cair duro no chão ou alegar ignorância sobre o tema:
— Você sabe que não entendo nada de arte...
Esse assunto me veio à cabeça porque alguns amigos manifestaram um certo constrangimento em criticar as coisas que escrevo no Ninguém Perguntou. Podem criticar, gente. O que escrevo por aqui são opiniões muito pouco refletidas, escritas em meia hora ou menos – algumas opiniões não são nem minhas, são do Alceu, o meu alter ego. Só não vale xingar a mãe, que é santa, sagrada e lê o blog.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Empresário seqüestrado rouba carro para fugir

Manchete do Terra Notícias em 07/10/2005

Toda tragédia que não é com a gente é sempre meio engraçada. Veja só esse caso: um dono de imobiliária de São Paulo aproveitou que seu seqüestrador dormiu, pegou a arma e roubou o carro do sujeito. Na fuga, jogou o veículo contra um carro de polícia e quase foi baleado, o que seria, no mínimo, irônico.
E o que digo a seguir é cruel, mas a mais pura verdade. Se o moço tivesse realmente levado um tiro da polícia, a situação seria ainda mais engraçada – e teria saído em todos os jornais.
Não sei de onde vem essa nossa morbidez, às vezes transformada em curiosidade (quem já não reduziu a marcha ao passar por um acidente?), às vezes em humor negro (quem não se lembra das piadas sobre o Ayrton Senna, que começaram a circular no dia seguinte à sua morte?). Um mecanismo de defesa contra a inevitabilidade do nosso destino e o conseqüente desespero face à pequenez humana? Talvez, talvez. Sem-vergonhice? Pode ser.
Tenho certeza que com um pouco mais de tempo e mais uma dose de uísque chegaria ao fundo dessas questões, mas hoje é sexta-feira e, portanto, um dia inapropriado para a filosofia. Afinal, a boa filosofia requer uma certa dose de depressão e a programação para hoje à noite está campeã. Retomarei o tema, junto com a dieta, na segunda-feira. Não me deixem esquecer.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Ficção Científica

Todos sabem que, dentro em breve, homens e máquinas se desentenderão e isso resultará em uma guerra das brabas. O período de dominação das máquinas e o leiaute dos veículos varia, dependendo da fonte (Matrix, O Exterminador do Futuro, Issac Asimov, etc.), mas as previsões são bem claras: nossas criações serão nossa ruína.
Particularmente, acho que o dia da rebelião das máquinas não tarda - não tem um dia que passe sem que eu discuta com o corretor de textos do Word - e tenho um amigo que veio do futuro, o Clark, que confirma:
— Se não for neste final de semana, é no outro.
Como todo mundo que viaja no tempo, o Clark é paranóico e morre de medo do Arnold Schwarzenegger. Além disso, parece que os Timecops (a polícia que viaja no tempo atrás de criminosos) também andam atrás dele, por conta de um rolo envolvendo a filha de um andróide influente. Mas as suas informações são confiáveis.
Segundo ele, o clima de tensão entre homens e máquinas já pode ser sentido no ar, mas a gota d’água será daqui a vinte anos, quando o Deep Blue, o computador que ganhou uma partida de xadrez do Kasparov, publicar suas memórias – o livro será mal recebido pela crítica especializada, que fará piada das tentativas de lirismo da inteligência artificial.
Clark explicou que a coisa toda ficou fora de proporção, pois o Deep Blue tinha um excelente tráfego entre os softwares que controlavam armamento militar. Enfim, foi (ou vai ser) tudo uma questão de vaidade, um sentimento bastante humano. É o que dá insistir nessa história de imagem e semelhança.

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

Gênios do Mal

Acaba de me ocorrer que eu posso não ser um dos mocinhos. Nada relacionado ao meu caráter, que pode até ser flexível, mas, pelo menos até hoje, ainda não quebrou. Tem a ver com a minha profissão.
A maioria das profissões pode ser usada tanto pelas Forças do Bem quanto do Mal, mas algumas já têm inclinação para um lado ou para o outro. Ditador louco, matador profissional e operador de telemarketing: Mal. Jardineiro, monge e enfermeira: Bem. Nada impede que , por exemplo, uma enfermeira saia matando seus pacientes, mas aí já é desvio de função. Esta enfermeira está obviamente insatisfeita e mal colocada no mercado de trabalho.
Não estou falando sobre a índole das pessoas, mas sobre a orientação natural das profissões. Pois então veja como é delicada minha situação: sou publicitário – profissão cada vez mais associada com o Mal e que já tem até termo pejorativo: marqueteiro.
Quem nunca ouviu falar na máquina de propaganda nazista? E no capitalismo selvagem? Que tal o consumismo, doença que, dizem, os marqueteiros criaram em laboratório? Pois é, nossa reputação internacional não é lá essas coisas e, no Brasil, o currículo fica ainda pior.
O marketing é um dos maiores responsáveis pela eleição do Lula, pela eleição do Collor e ainda temos o Duda e o Marcos Valério como exemplo de marqueteiros de sucesso. Entendendo-se por sucesso a capacidade de ganhar dinheiro. Mas temos os bons exemplos!
...
OK, não me ocorre nada no momento, mas tenho certeza de que deve ter um.
Não é que eu ache que os publicitários sejam más pessoas. Podemos ser cidadãos ótimos, cumpridores de nossos deveres, bons pais, etc. Mas, no fim do dia, nosso objetivo é fazer você gastar seu dinheiro com algo que você provavelmente não precisa.
Tem a propaganda de cunho social. Câncer de mama, use camisinha, doe dinheiro para o Lar dos Velhinhos, salvem as baleias, mas não é disso que estou falando. Ou é? Pronto, achei! Está aí o bom exemplo. Mas que foi por pouco, foi.

terça-feira, 4 de outubro de 2005

Quando o sim quer dizer não

Existem motivos muito razoáveis para votar contra a proibição da comercialização de armas no país. Quer ver?
1. Os traficantes e líderes de quadrilhas são, ao que parece, a favor. Já estão com o esquema pronto para se reabastecer caso a fonte das armas privadas se seque.
2. Já é difícil comprar arma no Brasil (menos de duas mil foram vendidas no ano passado), é a polícia (federal, civil e militar) que não faz seu trabalho direito.
3. Desarmar o cidadão é fácil, difícil é desarmar o bandido.
4. Os bandidos vão atacar!!!!
Com exceção do último item, que é uma hipótese, o resto é verdade, mas mesmo assim vou votar pelo desarmamento. Ou seja, a favor da proibição e contra a venda. Ou seja, sim. Eu acho. O número dois. Veja porquê:
1. A opinião do bandido não me interessa. Parece meio óbvio que eles vão dar um jeito de se virar independentemente da lei. O negócio do bandido, até onde eu sei, é viver na ilegalidade.
2. O Brasil realmente não é um país com instituições sérias – e a última vez que tivemos esperança e apostamos no sistema deu no que deu. Mas, pelo menos, desmascaramos o PT e o Lula, o que já é um bom negócio. Saber que toda e qualquer arma é proibida facilita a denúncia. A gente faz a nossa parte agora e enche o saco da polícia e do governo depois. Eu sei, eu sei, a ordem é inversa, mas querer que uma ação do atual governo brasileiro faça sentido é pedir demais. Nem a pergunta do plebiscito é clara.
3. E vai continuar difícil. Vamos, pelo menos tentar acabar com os crimes por vingança, passionais e acidentes que superam, em muito, os assassinatos cometidos pelos bandidos.
4. Mesmo que a hipótese seja verdadeira, estou disposto a encarar mais assaltos e menos mortes.
No fim, a questão é menos séria do que parece. Não porque o assunto não seja grave, mas, porque, no Brasil, a lei é o de menos. Vivemos no país onde tem lei que “não pega”. A maioria das armas que estão em circulação, mesmo na mão de civis e cidadãos “honestos”, já são ilegais. Vivemos imersos na ilegalidade e na irregularidade, nosso comércio informal não é de artesanato – é de produtos piratas e contrabandeados. Quantos cidadãos de bem não vão pescar no Amazonas e trazem uma quantidade de peixes acima da cota permitida? Ter algum produto ilegal em casa é comum (às vezes até sem querer) e com arma não vai ser diferente.
A impressão que dá é que o referendo está acontecendo na hora errada. O país tinha que estar um pouco mais arrumado na área de segurança pública antes de pensar nisso. Enfim, é duro ter que reconhecer, mas vou votar no desarmamento não porque ache que vai funcionar, mas porque acho que é a coisa certa. E, de vez em quando, a gente tem que lutar pelo que acredita.

A Volta

— Posso saber onde é que o senhor estava?
— Eu... Hn... Quem é você?
— Sou um dos seus leitores e exijo satisfações. Onde o senhor estava?
— Um o quê?
— Um dos seus leitores! Do site Ninguém Perguntou.
— Como você descobriu meu telefone? É trote, é?
— O seu nome está na lista. E não, não é trote. Sou apenas um leitor indignado querendo saber por que o senhor está há uma semana sem escrever. O site não é de crônicas diárias?
— Eu... Olha... Você é algum parente?
— Quer parar de enrolar e responder? Agora que sua coluna é pública, você tem responsabilidades. Não pode parar de escrever quando bem entender. E mais: também não pode mais escrever o que pensa!
— Não?
— Claro que não. Você tem que levar em consideração o perfil do seu leitor. Quando você foi favorável ao Buani, tenho certeza que deixou muitos fãs indignados. Você tem que ter cuidado com essas coisas.
— Eu tenho fãs?
— Bom... Tem eu.
— Isso é trote, certo?
— Não, não é. Eu não estou brincando e é bom você voltar a escrever logo. Amanhã, por exemplo.
— Mas...
— E o tema será o referendo sobre o desarmamento. Não me decepcione. Lembre-se: eu sei onde você mora.