sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Resoluções

Tenho um conjunto de resoluções que repito todo final de ano: ficar milionário fazendo o que gosto, comer pelo menos duas supermodelos (pode ser ao mesmo tempo) e mandar o chefe tomar no cu na frente de todo mundo. Mas, invariavelmente, alguma coisa sempre atrapalha meus planos: a falta de mercado para escritores de nível mediano, minha esposa e um chefe gente boa, por exemplo.
Tudo isso ilustra o ponto no qual quero chegar, que é a fragilidade das resoluções de fim de ano. Não por causa da nossa força de vontade (ou da ausência dela), mas porque o resto do mundo não ajuda. De que adianta decidir qualquer coisa se o universo não colabora?
Peguemos um exemplo popular: “Neste ano vou emagrecer”. Mas o Porcão, por acaso, vai fechar as portas? Vão parar de vender chocolate e sorvete? Sua avó vai parar de fazer aquele lombinho do domingão com pavê de nozes de sobremesa? O mundo não pára pra você passar, meu amigo.
Você pode até optar pelo caminho mais difícil e fazer exercícios e dieta, em detrimento do que se passa ao seu redor, mas aí não é mais resolução, é penitência.
Tem gente que, sabendo que é difícil ver uma resolução concretizada, trapaceia. “Vou ficar seis meses sem beber”! Grande coisa! É só, como na piada, beber dia sim, dia não. Ou então é vago. “Serei feliz”! E como é que se mede isso? Ninguém é feliz todos os dias do ano, a não ser que seja meio bobão. Basta estar feliz no último dia do ano que vem? Não, não. Esse objetivo é vago, questionável e pode te trazer conflitos internos desnecessários. Mesmo sendo mais feliz que a média, como não existe parâmetro para medir a felicidade, você pode achar que ainda não é feliz o suficiente. Ou seja, essa resolução está mal formulada.
É um desafio e, por isso mesmo, é preciso levar nossas resoluções de fim de ano muito a sério. Temos que usar metas SMART para as resoluções. Meu objetivo está claro? É mensurável? No caso de realizações proporcionais, qual é a minha linha de base? Tenho um cronograma definido? Qual é o primeiro passo?
Como todo o planejamento, sua resolução (assim como as minhas lá em cima) podem estar sujeitas às flutuações do mercado, mas, se algo der errado, você tem certeza de que não foi culpa sua.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Retrospectiva 2006

Não falarei das minhas realizações pessoais, que não foram muitas, mas valeram a pena – e dariam até um bom registro. Só que isso aqui não é meu diário. Trata-se de um site sério e tão confiável e imparcial quanto a Istoé (talvez até mais confiável, já que a Istoé elegeu Lula o homem do ano). Portanto, essa é uma retrospectiva que fala do que é acessível a todos, apareceu na mídia e circulou pelos e-mails, praticamente igual às milhares de retrospectivas que os veículos de comunicação farão. A única diferença é que a comissão julgadora desta retrospectiva é composta apenas por mim e meu alter ego, o Alceu.

O Homem do Ano: Empate entre Maria Bethânia e Mick Jagger, dois dinossauros que conseguiram se destacar no cenário musical, desbancando muita gente mais nova. Jagger comandou o show do ano no início de 2006 e, agora no final do ano, Bethânia lança um disco que é sucesso de crítica e de vendas. É a força da terceira idade.

A Mulher do Ano: Empate entre Daniela Cicarelli e Juliana Paes. As duas mostraram a perereca, o que é sempre um bônus em minha humilde opinião, mas, convenhamos, teve muito mais gente mostrando a perereca neste ano. Mas as duas, sem dúvida, foram as que mais propagaram o way of life da mulher gostosa, exibida e doida para dar, o que é sempre um bônus na minha humilde opinião.

O Gibi do Ano: Os Supremos só não leva o título porque desapareceu alguns meses das bancas. Crise de Identidade, da DC fica com as honras. Tá certo que a minissérie começou em 2005, mas sua conclusão apoteótica só rolou neste ano. Sensacional a cena do Batman tentando chegar a tempo de evitar a morte do pai do Robin, ouvindo pelo rádio tudo o que o assassino estava fazendo.

O Livro do Ano: Neste ano não li nenhum lançamento, preferindo revisitar os clássicos, como o Manual do Sexo Manual, do Casseta e Planeta.

O Fracassado do Ano: Carlos Alberto Parreira. Conseguiu montar um time que jogava mal até quando ganhava. Saiu com o rabo entre as pernas da Copa e ainda por cima pagou o mico de publicar o livro “Formando Equipes Vencedoras”.

O Pior Filme: Superman – O Retorno. Não deveria ter voltado.

O Melhor Filme: 007 Cassino Royale. Só a cena da tortura já vale o ingresso – e o resto do filme também não é nada mal. Um James Bond meio troglodita, diálogos espirituosos e cenas de ação bem dirigidas resultaram em uma combinação interessante. Em segundo lugar, próximo: Tudo Dentro 4, com destaque para a cena de sexo grupal em gravidade zero - você não pode morrer sem antes ver isso, é genial!

O Melhor Desenho Animado: Os Supremos 2. Mas precisa ver o primeiro para entender a história.

A Melhor Música: As melhores músicas deste ano foram todas regravações, como provaram os Homens do Ano lá em cima e todo o clima revival dos anos 80, que seguiu com força total em 2006 e não parece que vai parar tão cedo.

O Melhor Ator de Novelas da Globo: qualquer coadjuvante. Nesse caso, o melhor é quem fala menos e aparece menos.

O Programa de Ficção do Ano: Jornal Nacional.

O Game do Ano: Oblivion. É praticamente uma overdose de tecnologia e diversão. Um jogo no qual você pode colher flores, apreciar o pôr-do-sol e jogar mortos-vivos morro abaixo é digno de minha admiração.

A Revista de Mulher Pelada do Ano: a Playboy se redimiu no fim do ano, com a Karina Bacchi e a edição de verão, mas vou ficar com a opção virtual Morango, do IG, que é bastante variada, sensual e dá para ver em qualquer lugar, inclusive no trabalho. Basta minimizar quando o chefe estiver por perto.

A Mania do Ano: YouTube. Tão interessante quanto deprimente, o YouTube dominou os monitores da galera. Quem não acessou que atire a primeira pedra.

O Homem de Negócios do Ano: os coreanos que controlam a pirataria mundial. Só no Brasil, a indústria alternativa movimentou mais de um bilhão de reais – e tem gente que tem coragem de dizer que a economia nacional não anda aquecida. No ano que vem, analistas prevêem ainda mais oportunidades para quem utiliza mão-de-obra sem carteira assinada e notas fiscais frias.

O Seriado Americano do Ano: Para mim, o maior mistério do Lost é o sucesso do seriado. Achei a série viajandona pelo prazer de ser viajandona. O prêmio vai para 24 Horas. Descobri o seriado neste ano e consegui assistir a todas as cinco temporadas (120 horas) em cerca de seis meses. Destaque para o Jack Bauer atirando na Nina, o Jack Bauer interrogando a Nina, o Jack Bauer torturando a Nina e o Jack Bauer matando a Nina. Fora essas cenas, achei interessante também as vezes em que a Nina sacaneou o Jack Bauer.

A Imagem do Ano: Páreo duro. Tivemos os dólares do PT, a trepada da Daniela Cicarelli, o acidente da Gol e um sem-número de tragédias e mazelas diversas. Nada me marcou tanto quanto o olhar de fascinação da minha filha no dia de seu aniversário de três anos. Sei muito bem que prometi não incluir nada pessoal nessa retrospectiva, mas quem presenciou o fato concorda que ele tem todo o direito de ser mencionado aqui.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Sexo classificado

Já fazia tempo que queria escrever sobre esse assunto, não me pergunte porquê. Agora apareceu a oportunidade, não me pergunte como. vamos lá, então.
Os anúncios de sexo pago no jornal revelam que existe um universo paralelo do erotismo, com siglas e vocabulário próprio, além de uma imensa criatividade para fisgar o cliente pelo fetiche certo.
Alguns truques são clássicos. Inventar um nome com a letra a, para aparecer primeiro nos classificados – o meu preferido é Aaron, para homens e, para mulheres, a gaguinha Aalana. Ou colocar cinco estrelinhas, como se o serviço fosse aferido por algum sistema de controle de qualidade que não o da própria acompanhante. Já pensou? Fica como idéia para uma edição adulta do guia 4 rodas (seria o guia de 4 rodas, rá, rá). E as taras tradicionais: iniciante, japonesinha, pedolatria, etc. Mas alguns argumentos de venda vão além do tradicional.
Demorei para descobrir o que significa uma mulher completa. Um amigo, mais experiente, ajudou: completa é que faz sexo anal. Esclarecido. Nas minhas elucubrações cheguei a imaginar que, se levasse um cesto de roupas sujas, a profissional completa as lavaria. Eu sei, eu sei: preconceito, machismo, me processe.
Mas que tal o “abro a porta peladinha”? Isso é que é desespero. BBG (bumbum grande), gata malhada (branca com manchas pretas?), extremamente linda!!!!!! (assim mesmo, com vários pontos de exclamação), “18 anos comprovados no RG” (ai,ai), pompoarista (legal!), ambiente de luxo (sinônimo de quitinete dividida com mais três amigas em cima da barbearia) e por aí vai.
Tudo isso prova minha tese de que a indústria do sexo caminha sempre sobre uma linha tênue entre o bom-humor e o deprimente, entre a satisfação e a solidão. Ao mesmo tempo em que o sexo pago é uma alternativa importante para saciar os desejos da humanidade, é também um dos melhores exemplos da falta de alternativa para alguns humanos, dos dois lados da negociação.
Mas, enfim, não sou contra o sexo. Sou contra o mau uso dele, pago ou não.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Jingle Bells

Jingle bells, jingle bells e aquela coisa toda. É Natal de novo. Todo ano tem e todo ano sou pego de surpresa, parando para pensar no significado da data aos quarenta e cinco do segundo tempo, esquecendo de desejar boas festas a alguns amigos e deixando para comprar presentes no dia 24 pela manhã. Nem sempre foi assim, claro.
Quando criança, começava a pensar no Natal em novembro, junto com os shoping centers. Na adolescência, questionador e interessado em teologia, ficava atento ao significado religioso da data, tinha até uma circunspeção imprópria para a idade, uma espécie de reverência pelo, enfim, nascimento do responsável por tudo isso aqui. O cara primeiro criou o mundo e depois nasceu nele! Metafísica, metafísica. Ou teologia, teologia. Mas tudo isso passou.
Hoje, é duro confessar, o que mais me empolga na data é o recesso de fim-de-ano e o chester com farofa molhada da minha avó, empatados.
Mas a verdade é que estou feliz por chegar ao fim de mais um ano com saúde e disposição para apreciar a paisagem e convicção de que ainda posso fazer diferença, se não para o mundo, ao menos para mim mesmo. Nada mal.
Desejo a todos um Feliz natal e um ótimo Ano-novo. São boas datas, com um simbolismo que temos que aproveitar, já que nem sempre esse espírito festivo e solidário sobrevive em outras épocas do ano.
Um grande abraço,
Zinho

Moderninhos

Estamos vivendo mais. O tempo passa, as descobertas científicas vão aumentando e nossa capacidade de adiar a morte com qualidade de vida também aumenta. Seria muito bom, se não fôssemos seres humanos, criaturas capazes de transformar qualquer coisa em má notícia.
É que em vez de distribuirmos a vida extra em partes iguais, mais infância, mais juventude, mais vida adulta e, porque não?, mais velhice, queremos concentrar tudo na juventude. Os resultados são variados.
Pessoas na casa dos oitenta anos sendo pegas pela polícia federal com contrabando de êxtasi e viagra. Gente por volta dos setenta se endividando para comprar carros esporte e conhecer o mundo. A turma dos sessenta fugindo do cardiologista pra encarar mais um rodízio de carne. O pessoal dos cinqüenta dando jeito nas costas, nas pernas e nos braços por causa da ioga e do jiu-jitsu. Os de quarenta anos sorrindo e sofrendo com o primeiro filho e os de trinta usando roupinhas adolescentes e falando gírias pseudo-moderninhas: beleiza, véio e outras. Estes últimos são, de longe, os piores.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Americanismos

Recebi um e-mail pedindo para que eu boicotasse o filme Turistas, que trata sobre um grupo de americanos que vêm passar férias no Brasil e se dão muito mal. O e-mail afirma que o filme é preconceituoso e mentiroso, não passa uma visão realista do país e só prejudica a nossa imagem lá fora. Seguem, então, algumas considerações:
1. Se você quiser que eu boicote alguma coisa não me mande um e-mail atiçando minha curiosidade sobre o assunto.
2. É bem provável que Hollywood nunca tenha passado uma visão precisa sobre nada, especialmente em filmes de terror de orçamento barato e sensacionalistas. Ou você acha que a Casa de Cera, com a Paris Hilton, passa uma visão acurada do meio-oeste americano?
3. Outras coisas mais importantes andam manchando nossa imagem lá fora. A primeira dama ter requerido nacionalidade italiana é uma delas, a corrupção rompante e impune é outra. Não vou negar que o filme dá uma forcinha, mas somos bastante capazes de denegrir, nós mesmos, nossa imagem.
4. Fosse eu um estrangeiro e assistisse Cidade de Deus, teria muito mais medo de vir ao Brasil. Cidade de Deus parece ser bastante real e é muito mais violento e angustiante que uma ficção barata. Falar mal do próprio filho pode, né?
5. Como bem lembrou um amigo, nossa discussão sobre cinema e nacionalismo tem que estar, ao menos, um nível acima de Turistas. Glauber no Cinemark!
6. Vale lembrar que Hollywood nunca foi tão crítica dela mesma e que a própria indústria cinematográfica americana anda valorizando esse espírito crítico, premiando filmes como Syryana, Boa Noite Boa Sorte, O Senhor das Armas, Crash, etc. Ultimamente não tá dando para atacar Hollywood de forma generalizada.
Olha, não me chame para nenhuma passeata, mas até que não sou totalmente antipático a essa indignação, não. A chamada para o filme é bem forçada mesmo, algo como “Em um país onde vale tudo, tudo pode acontecer”. Mas aqui, cá entre nós, só entre os brasileiros. Lembre dos dólares na cueca e responda com toda sinceridade: vai dizer que essa frase nunca passou pela sua cabeça?

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Os Supremos

Se a sua locadora for decente, já deve ter nas prateleiras o desenho animado dos Supremos. Faça um favor a você mesmo e alugue a fita. Mas para você – mantenha as crianças afastadas, a não ser que não se importe que a meninada veja o Capitão América com crises de insegurança, o Thor enchendo a cara ou o Homem de Ferro passando a mão na bunda da Viúva Negra.
Os Supremos é a versão moderna dos Vingadores. Começou com uma história em quadrinhos realista e ousada escrita por Mark Millar e indecentemente bem ilustrada por Brian Hitch e chegou neste desenho animado, uma versão bem mais leve que o gibi, mas que tenta não comprometer demais o espírito do original.
É, muito provavelmente, bem diferente dos desenhos animados que você já deve ter assistido (a não ser que já tenha visto Ghost in the Shell ou Apple Seed) e experiências novas sempre deixam a vida mais interessante.
De nada.

Carreiras

Toshi Ito era uma pessoa sensível, poeta, amante das artes. Por força das circunstâncias, acabou parando na carreira errada: piloto kamikaze. O mundo estava destinado a jamais conhecer a poesia de Ito, pois ele morreria dentro de uma semana, sem nunca ter publicado nada.
Meio a contragosto, Ito aceitou seu destino e preparou-se para a morte. Era seu trabalho. O dinheiro garantia comida para a família e era uma maneira honrada de viver, mesmo que tivesse de morrer por isso. No fim, concluiu, não era tão ruim saber a data da própria morte. Pôde organizar tudo, botar as contas em dia e manter a correspondência atualizada. Estava pronto, podia morrer em paz.
Mas aconteceu o seguinte: os Estados Unidos soltaram as bombas e a guerra acabou e, com ela, a demanda para a especialidade de Ito. O pobre japonês viu-se, de uma hora para outra, sem mercado de trabalho.
Não era um bom piloto tradicional – suas aterrissagens eram péssimas, os trancos incomodavam os passageiros e danificavam o equipamento. Tinha treinado para trombar com as coisas e não para pousar delicadamente. Mas o pior não era isso. O pior era estar preparado para a morte e não morrer.
Ito não tinha planos para o final de semana. Não só para o próximo final de semana, mas para nenhum final de semana seguinte. Não tinha namorada e havia perdido o contato com seus amigos. Não tinha nem ânimo e nem disposição para freqüentar bares e festas. A vida, subitamente, parecia insossa e inapropriada. Passava por dificuldades financeiras, pois seu soldo havia sido reduzido e não tinha economias.
Chegou a pensar em se matar, mas era uma saída pouco honrada e Ito valorizava a honra. Foi por causa da honra que decidiu seguir a carreira improvável na aeronáutica. Se em vez de honra tivesse bom senso ou ambição pessoal, quem sabe um pouco de sorte... Mas, não. Tinha era honra, muita honra. E mais nada.
Voltou a escrever. Pouca coisa alimenta tanto a alma do poeta quanto a depressão. Obrigou-se a sair de casa e conhecer pessoas. Bebeu, drogou-se e experimentou um pouco de tudo no sexo. Acalmou-se, entrou para a Yoga, batalhou para ver seus poemas publicados e, um dia, distraído, voltou a sorrir. Morreu neste mesmo dia, à noite, em um acidente automobilístico, sem nem mesmo saber porque havia sorrido pela manhã.
Durante toda a sua vida, Ito teve dificuldades em conciliar o que se passava dentro de si mesmo com o que se passava no mudo à sua volta. Morreu de forma anônima e incômoda, como só os verdadeiros heróis morrem. Foi um exemplo de como o destino pode ser cruel ou aleatório e a prova de que qualquer uma das duas coisas é deveras perturbadora.
Existe um Toshi Ito dentro de cada um de nós. Um pedaço da gente que não está satisfeito com as coisas como estão, mas que também não vê alternativa para a mudança. Uma parte que aceita a morte, mas não a compreende e não sabe lidar com ela na prática. Fica, portanto, a lição, que deve ser interpretada de forma ampla e livre: mesmo para um piloto kamikaze é importante aprender a pousar suavemente.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Páginas da Vida 2

Já falei aqui no blog sobre o absurdo que foi o depoimento da senhora negra sobre o orgasmo nas cenas finais da novela Páginas da Vida. Se você é alienado ou mora na França (digaí, Fred), explico rapidamente: a novela encerra cada um de seus capítulos com um depoimento real, sobre os mais variados assuntos: traição, sexo, vida a dois, tesão, diferença de idades entre casais... Hm... Na verdade, os assuntos não são tão variados assim, a maioria dos depoimentos é sobre relacionamento mesmo. Mas tem outras coisas: vida profissional, manias, por aí vai.
Pois bem, fiquei irritado com aquele depoimento em particular e, de lá para cá, já vi mais alguns. Teve um que achei bacana, outro que ameaçou me emocionar, mas a grande maioria me deixou constrangido por aquelas pessoas ali expondo sua vida e seus sentimentos. As declarações são muito cruas e têm um certo tom bizarro, um ar meio tragicômico. Lembram-me muito as intervenções dos candidatos por partidos inexpressivos no horário político – uma coisa feita com intenção de ser séria, mas que sai pela culatra.
Comecei a achar que o problema era comigo, já que não via ninguém comentar muito sobre o assunto, mas, ontem, vendo uma mulher de olhos arregalados e dentes cerrados dizendo que, por paixão, ela faria qualquer coisa, resolvi consultar minha psicóloga. Posso consultar minha psicóloga sempre que quiser, a qualquer hora do dia ou da noite, uma vez que ela mora lá em casa e é casada comigo.
— Esses depoimentos mostram como o povo anda descompensado e louco – ela disse, tristemente.
É verdade. Os testemunhos são reais demais, mostram as pessoas sob um microscópio potente demais e, como já dizia o poeta, de perto, ninguém é mesmo normal.
E vamos todos tomando antidepressivos que é para acompanhar o ritmo.

Comer e Comer

Fiquei meio confuso. Devo comer ou não? No mesmo domingo no qual o Dráusio Varela foi ao Fantástico para nos aconselhar a comer menos, as três principais revistas do país (note que não usei a palavra “melhores”) tinham na capa uma matéria alertando sobre os perigos de se comer pouco.
Uma pessoa equilibrada deduziria que o importante não é comer muito ou pouco, mas comer bem. Mas quem é que anda equilibrado neste país? Eu é que não. Fiquei foi assustado com os dois episódios e não cheguei a conclusão alguma.
Primeiro, o Dráusio, vem me falar assim, sem rodeios e em cadeia nacional que quanto mais se come, mais rápido se morre. Surtei. Pelo tanto que já comi na vida, especialmente na adolescência, posso cair duro a qualquer momento. Ataquei de tal forma uma panela de vatapá em certa ocasião que, só ali, devo ter perdido uns três meses.
Pois é: nada de medicina ortomolecular, nada de chá rejuvenescedor e nada de plástica. O que garante mesmo a vida longa é fechar a boca.
Quem não deve concordar com isso são os pais da modelo Ana Carolina Reston, que morreu de anorexia na semana passada. E, de repente, toda a imprensa só fala sobre anorexia.
É claro que isso tem um lado bom e espero que a morte da menina sirva de alerta para as tantas outras modelos que se encontram na mesma paranóia com o corpo, mas essa cretinice do jornalismo me irrita. Não só esperaram alguém mais ou menos famoso morrer para tocar no assunto como, quando o fizeram, foi de forma sensacionalista e exagerada. A chamada de capa da revista época, se não é criminosa é imensamente desrespeitosa à memória de Ana Carolina. Isso só reforça minha tese de que jornalista desumano é pleonasmo.
Ok, existem exceções. Mas por onde andam essas exceções, meu Deus? Por onde andam? É claro que a anorexia não é o único mal que mata de forma trágica (faça uma pesquisa breve sobre as condições de um paciente que sofre de insuficiência renal), mas essa era uma morte que tinha foto, que tinha anotação do diário, que tinha mãe chorando, que tinha cenas de impacto... Ai, ai, imprensa. Se não é crime, deveria ser.
Coitada da Ana Carolina. Alcançou a fama sem querer, conquistando ao mesmo tempo a capa das três principais revistas semanais do país (note que não usei a palavra “melhores”).

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Filme ao mar!

Mar Aberto é um daqueles filmes ruins muito bem feitos. Favor não confundir com aqueles filmes tão ruins que chegam a ser bons –são duas coisas diferentes.
Filmes de zumbi, por exemplo, pertencem à segunda categoria. História absurda e previsível, atores de terceira e efeitos especiais questionáveis. É impossível não se divertir assistindo a uma coisa dessas, mas, quando sobem os créditos, não resta dúvidas: você acabou de assistir a uma porcaria. Uma boa porcaria, mas porcaria.
Já o filme ruim bem feito te deixa na dúvida. Você sai do cinema e não sabe se não entendeu a proposta do diretor ou se cochilou em algum pedaço sem perceber. Você sai de um filme desses com a sensação de que deveria vê-lo novamente para formar uma opinião mais balizada, mas, paradoxalmente, você não quer assisti-lo mais uma vez. Se perguntarem, você dirá que é um filme fraco, com boas qualidades ou então que é um filme interessante. Ou ainda: é ótimo, mas não é para qualquer um. Apreciar um filme desses depende mais do seu bom-humor no dia do que de qualquer outra coisa.
Mas achei o filme diferente o suficiente para render uma crônica.
A primeira coisa que me incomodou foi a fotografia. O diretor optou por filmar tudo como se fosse um documentário do Discovery Channel. Iluminação lavada, muitos planos de detalhe e qualidade de câmera portátil. Dá uma cara diferente para a coisa toda, mas diferente nem sempre é bom. Funciona, mas se a intenção era ser genial... Bem, fica para a próxima.
A cara de documentário possivelmente deriva da premissa de que a coisa toda é baseada em fatos reais, mas isso é outro ponto que não soa muito bem. Um fato real pode ter inspirado a história, mas isso seria o mesmo que dizer que Apocalypse Now é baseado em fatos reais pelo fato de que realmente existiu uma guerra do Vietnã. Ou que o primeiro Tubarão é baseado em fatos reais pelo fato de que, em algum momento da história da humanidade, tubarões atacaram banhistas. O filme é bastante ancorado na realidade e usa alguns fatos como base para sua história, mas é uma ficção. O selo de história real está lá para criar um clima.
No final do filme, ápice da história, tentaram fazer uma coisa meio artística, que não combina muito com o clima caseirão da fotografia e isso quase leva tudo por água abaixo, mas a verdade é que os atores desconhecidos (e corajosos) vendem muito bem seus personagens e a porra do tubarão (em filmes ou fora deles) é um bicho verdadeiramente aterrorizante – e isso equilibra as escolhas estranhas do diretor.
Gostei muito de Mar Aberto – mas não é para qualquer um.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Contas

Se você parar para fazer as contas, pode chegar à conclusão de que a vida não é tudo isso que andam anunciando por aí. Vamos supor, por exemplo, que você chegue aos sessenta nos de idade, e, se o Mick Jagger chegou lá, é de se imaginar que, hoje em dia, qualquer um possa chegar. Enfim, sessenta anos. Não é uma meta, trata-se apenas de um exemplo.
Aos 60 anos, você terá dormido cerca de 20 anos, trabalhado e estudado 15, passado de quatro a seis anos no trânsito e é seguro dizer que perdeu pelo menos três anos em filas, cadeiras de consultório, doenças e outras mazelas sortidas.
Isso te deixa, na melhor das hipóteses, com um saldo líquido de vinte anos que, além de tudo, provavelmente não foram só de diversão. Nesse meio tempo você ficou deprimido, rompeu relacionamentos, ficou mal-humorado, foi a funerais, leu livros ruins e deve ter assistido ao Domingão do Faustão várias vezes. Ou seja, não foram exatamente vinte anos de êxtase.
O tempo de vida médio do ser humano é uma estatística inútil. Queria que tivessem me dito muito claramente e há algum tempo atrás qual era a minha expectativa de vida líquida. O máximo que ouvi foi um genérico “a vida é muito curta”, uma frase até meio falsa. A vida não é curta – mas é mal distribuída e pouco aproveitada.
A alternativa (sempre existe uma) é trapacear. Trabalhar com o que gosta e divertir-se no trânsito ouvindo uma boa música são formas de aumentar a, enfim, longevidade da vida. Dormir tranqüilo e ao lado de uma pessoa querida também ajuda. Evite combinações improváveis como, por exemplo, fazer sexo com o carro em movimento. Se estiver em um congestionamento, você pode ser preso. Se o carro estiver em movimento, você pode sofrer ou causar um acidente. As duas coisas vão contra o princípio do que estamos discutindo aqui que é, justamente, fazer a vida render.
Pois é, com uma boa dose de improviso e bom-humor é possível viver bem, mas isso não afasta a sensação de que me passaram um produto incompleto, como uma lanterna sem pilhas. E, volta e meia, também me bate a sensação de que estou montando um quebra-cabeça sem ter uma imagem de referência. Fico horas com um pedacinho da vida na mão, sem saber onde encaixá-lo, perdendo mais tempo ainda.
Por enquanto – e apesar de certa insatisfação – não penso em devolver. Já lido com minha vida há trinta e poucos anos e acabei me afeiçoando a ela, aceitando-a apesar de seus defeitos. Mas que deveria vir com manual de instruções, deveria.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Selva de pedra

Somos mesmo uns animais. Pude testemunhar isso durante a recente operação-padrão dos controladores de vôo, que causou tumulto em diversos aeroportos do país, incidente que contou comigo como uma de suas vítimas.
Veja só: como qualquer animal de circo, somos perfeitamente condicionados para operar em bando. Entramos nas filas, apresentamos documentos, marcamos nossos bilhetes, entramos em mais filas, sentamos nos lugares marcados e, como prêmio pelo nosso bom comportamento, comemos a refeição de caixinha que a aeromoça nos empurra. Uma refeição muito aquém do que seria ideal, mas são as agruras da vida em cativeiro.
Gostando ou não, cumprimos o nosso papel conforme o esperado, acreditando que nossos domadores também cumpririam de forma razoável sua parte, mas as coisas começam a dar errado. Os aviões vão atrasando e o bando de animais começa a se acumular nas salas de espera dos aeroportos. As jaulas vão ficando superlotadas e as condições vão se deteriorando rapidamente. Falta acomodação e informação. O cheiro do suor do vizinho começa a invadir as nossas narinas, o condicionamento começa a falhar e o instinto toma conta.
Primeiro, a formação de bando. Sentindo-nos fragilizados e vulneráveis com a situação começamos a buscar, inconscientemente, apoio e conforto no companheiro ao lado. Em condições normais, não daríamos nem boa tarde uns aos outros, mas, acuados, trocamos sorrisos, fazemos comentários aleatórios sobre o tempo e toda essa situação e, quando menos se espera, já estamos animadamente conversando umas com as outras, montando alianças e trocando cartões de advogados.
Em seguida, marcamos nosso espaço. Não chegamos a fazer xixi no chão (eu espero), mas exigimos satisfação dos funcionários das companhias aéreas com gritos, ameaças e, em alguns casos, até agressões. Nós somos os clientes. Vocês, nossos provedores. Resolvam o problema agora! É irracional, o atendente não pode resolver o problema agora, mas o instinto já tomou conta e não queremos nem saber. Somos mamíferos com o desejo irrefreável de chegar ao nosso destino e vamos gritar, bater no próprio peito e morder até que isso aconteça.
Por último, cedemos às necessidades do corpo, não importando mais as convenções sociais. Almofadinhas engravatados sentam-se no chão ao lado da lixeira, alguns choram sobre o ombro de desconhecidos, outros dormem sentados, como se fossem pombos desconjuntados.
Felizmente, a situação acaba se resolvendo antes do instinto tomar conta completamente. No último domingo, fiquei seis horas no aeroporto e tinha gente que já estava lá há oito. Saí antes que as pessoas começassem a gritar pelos corredores e a arrancar as roupas. Próximo feriado dou um pulo no aeroporto lá pelas dez horas do noite, pra pegar só a parte do povo arrancando a roupa.

sábado, 11 de novembro de 2006

Críticas?

Por algum motivo que desconheço, poucos leitores se adaptaram a esse formato do blog. Vários ainda não se cadastraram (é só digitar o e-mail no espacinho aí ao lado) e muitos outros não fazem comentários no espaço do blog (recebo alguns e-mails isolados, no entanto).
Não é falta de habilidade ou estranheza tecnológica, pois acredito que a maioria tenha orkut ou algo parecido. Pode até ser preguiça ou força do hábito, mas percebo que, em alguns casos, existe um certo receio de criticar a crônica publicamente – e uma vergonha de expor a própria opinião.
Bobagem. Se não for desacato pessoal, nenhuma crítica vai me ofender – a probabilidade de que eu escreva alguma besteira digna de ser criticada é altíssima! Primeiro, porque sou eu mesmo que escrevo e, segundo, porque esse é um pouco o espírito do site: textos leves e rápidos, mais com a intenção de serem divertidos e polêmicos do que densamente refletidos. Além disso, acho que a crítica compartilhada enriquece e acrescenta à leitura do texto e, não raro, a crítica é mais interessante que a própria postagem inicial.
Por outro lado, entendo e respeito aqueles que preferem dar sua opinião mais reservadamente ou, na maioria dos casos, nem dar opinião nenhuma, só não esqueçam que a casa é de vocês e que, quando der vontade, suas considerações serão sempre bem-vindas.
De qualquer maneira, gostaria de agradecer a todos que têm acompanhado o site até aqui, críticos ocultos ou declarados. Tenho tido um prazer imenso em trocar idéias com vocês.

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Preconceituoso até o fim

Estereótipo é uma palavra que ganhou conotação negativa muito mais por causa da turma que ela anda do que pelo seu significado propriamente dito. Como é sempre vista ao lado de palavras como preconceito e discriminação, fica fácil para o observador casual tirar conclusões apressadas e, por que não dizer? Preconceituosas.
Na minha linha de trabalho (publicidade, se lhe faltava essa informação), o estereótipo é uma necessidade e uma benção. Um atalho que me possibilita estar concentrado apenas na mensagem que quero passar, sabendo que o resto da informação pode ser facilmente captada pelo espectador, por meio do uso judicioso de estereótipos.
Rapaz jovem e descolado? Barba por fazer e camisa fora da calça. Mulher independente e bem-resolvida? Terninho e óculos de aro fino. Como disse, atalhos.
Mas o estereótipo não tem sua utilidade restrita à publicidade, que é outra palavra de má fama (nada a declarar). Ele também pode... Ah... O quê? Quem? Aurélio? Que Aurélio? Ah, o dicionário. Que tem ele? Mandou o quê? Mandou parar a crônica? Como assim?
(intervalo)
Bom, ao que parece, a única outra função do estereótipo, além da publicidade, é para contar piadas, pois o estereótipo nada mais é do que o clichê, um modelo pronto, sem glamour e, sim, bastante preconceituoso. Aparentemente, a palavra que eu estava procurando defender chama-se “arquétipo”, que lembra muito o estereótipo (especialmente o nariz), mas freqüenta outros círculos. Ao que tudo indica o ditado “diga-me com quem andas que te direi quem és” serve também para as palavras.

E agora, Everaldo?

A saúde do Everaldo não anda bem. Foi na semana passada mesmo que ele teve dois trecos e um piripaque. Os trecos a gente até releva porque treco é coisa que dá de vez em quando depois de uma certa idade. Mas com piripaque não se brinca.
Foi fazer uns exames, o Everaldo. Tirou uns vidrinhos de sangue, suou na esteira e fez xixi e cocô no potinho. Levou até dedo no cu e tudo, coisa que nunca tinha levado. Primeiro por nunca ter ido ao proctologista e, segundo, por ser muito religioso e sistemático, o Everaldo.
Vai ter que largar o cigarro e o café. E fritura agora só pode comer escondido, que comida escondida faz menos mal. As veias entopem do mesmo jeito, mas a cabeça fica mais tranqüila, já que ninguém enche o saco e nem faz aquela cara de censura – como se o filho da puta nunca tivesse ido num McDonald’s.
O médico alertou que um perigo para o Everaldo é o estresse. Um perigo. O Everaldo agora vive estressado pensando em como evitar o estresse que ele não pode ter.
É... A coisa anda feia para o lado do Everaldo. Te cuida, malandro.

Ponto de Vista

No dia da vitória, vi muito lulista comentando que, em seu discurso, o Lula foi de uma humildade renovada. Onde viram humildade, vi alívio. Vi um discurso parecido com o que fazemos ao guarda que nos libera na blitz, prometendo que, na próxima, estaremos com todos os documentos em dia. Para mim, todo aliviado soa como humilde, mas basta virar a esquina para rir da cara do guarda.
Posso, claro, estar enganado e isso talvez mostre que a verdade está realmente nos olhos do observador. Pena que não mostre a verdade propriamente dita.
Também fiquei incomodado com o povo dançando e buzinando na rua, comemorando a permanência do nosso atual presidente. Em tese, não sou contra a festa, mas devo confessar que a primeira imagem que me veio à cabeça foi a da dancinha da deputada Ângela Guadagnin. A festa me pareceu inapropriada, como se estivéssemos dividindo a herança ainda sobre o caixão do morto. Quantas pessoas foram punidas mesmo nos escândalos envolvendo o PT?
Enfim, torço para que dê tudo certo, para que o Brasil siga em frente e para que eu esteja muito, muito errado em minha opiniões sobre isso tudo.

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Conseqüências

A última crônica, que relata meu embate com o coronel na banca de revistas (se você não leu, deve estar em algum lugar aqui no site), trouxe conseqüências tão interessantes que achei que rendia outra crônica.
Primeiro, elogios à minha atitude. Agradeço, mas é preciso ver nas entrelinhas. Não esqueçam de que afirmo que foi a primeira vez que tive esse posicionamento e, na minha adolescência, fui da turma que infernizava a vida de um menino gay que estudava na minha classe. Bom, quando adolescente eu também usava calça de nylon (aquelas que faziam barulhinho quando a gente andava) e achava que estava legal. De qualquer maneira, não sou tão bom samaritano assim.
Segundo, teve um leitor que, sabiamente, chamou a atenção para o fato de que usei o estereótipo do coronel de forma preconceituosa. É que, apesar de nenhum estereótipo ser capaz de definir uma pessoa, algumas pessoas são a própria definição do estereótipo. Era o caso.
Terceiro, teve um leitor que me mandou um e-mail dizendo que não achava bom eu falar essas coisas, porque as pessoas vão pensar mesmo que eu sou gay. Ora, mas qual o problema de pensarem que sou gay? Não vou ficar ofendido por causa disso. Afinal, o que pode me acontecer?
Receber uma cantada? Basta recusar polidamente. Eu ficaria, inclusive, envaidecido, pois a maioria dos gays que conheço são bem mais exigentes que as mulheres.
Ser convidado para festas com nomes criativos e música boa? Posso imaginar coisa bem pior para se fazer no sábado à noite.
Aumentar meu círculo de amizades? Levar um gelo de pessoas ignorantes? Conheço gente que pagaria por qualquer uma dessas coisas.
Tem até umas gatinhas bem interessantes que são doidas para “regenerar” gays...
Mas o item das gatinhas é hipotético já que minha esposa, até o momento, não apresenta sinais de que desconfia de minha heterossexualidade e tudo vai bem lá em casa.
Desencana, moçada. Vamos todos curtir nossa sexualidade sem muitas paranóias, que a vida já é difícil sem precisar da nossa ajuda.

domingo, 22 de outubro de 2006

O pulo

Existe uma história de humor negro sobre um homem que acredita ser a última pessoa na face da Terra. Desesperado e solitário, resolve se jogar da janela de um arranha-céu. No momento em que ele pula, se arrepende. Por quê? Porque o infeliz ouve o telefone tocar, a prova definitiva de que ele não estava sozinho no mundo.
Caso o telefone tocasse alguns segundos antes, o homem o atenderia, lógico, mas, dependendo de quem fosse, poderia voltar à janela com ânimo renovado, se é que podemos associar animação com suicídio.
Poderia ser um operador de telemarketing. Sempre achei que, na hipótese do holocausto, tanto as baratas quanto os operadores de telemarketing teriam grandes chances de sobreviver. As baratas, pela sua resistência natural e os operadores de telemarketing por viverem trancados em bunkers subterrâneos e mal-iluminados, eternamente tentando preencher sua cota de ligações.
Já me disseram que minha visão sobre os operadores de telemarketing não é muito acurada, mas, se eu fosse dar crédito ao que me dizem, estaria agora estudando para o concurso do TCU a fim de garantir um futuro razoável à minha filha, e não escrevendo isso aqui.
Poderia ser o Clodovil ao telefone. Por que não? Poderia ser qualquer um, já que nada afeta a credibilidade de uma história hipotética. Poderia ser um candidato à presidência pedindo o seu voto. Poderia ser seu chefe lembrando que, fim do mundo ou não, amanhã o expediente é normal, hein?
Mas o fato é que o homem não atende ao telefone. Melhor assim. Provavelmente era engano.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

O que falta

Descobri o ingrediente que falta para os outros me considerarem um escritor genial (pois eu já me considero): a arrogância. É só olhar para todos os colunistas e cronistas por aí, do Jabor ao Mainardi, passando pelo Jô Soares. Nariz empinado é pouco. Pergunto-me como o Veríssimo conseguiu sobreviver nesse ambiente. E me respondo, porque eu sou foda: ele é tímido – e timidez é muitas vezes confundida com arrogância.
Está decidido – só me falta a arrogância. E, se continuar escrevendo textos como esse, daqui a pouco não faltará mais nada.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Gays e Coronéis

A história que você vai ler a seguir é baseada em fatos reais.
Estava eu na banca de revistas quando, súbito, entra um senhor, com toda pinta de coronel aposentado. Talvez o homem não fosse coronel, talvez não fosse sequer militar, mas a imagem mental que você faz de um coronel aposentado irá possivelmente corresponder à realidade e me poupar o trabalho de uma descrição mais detalhada. Mais tarde, neste mesmo texto, falaremos sobre preconceitos e estereótipos e talvez você venha a criticar essa minha preferência pelo modelo pronto, mas o importante não era a aparência do homem e, sim, o que ele gritou no momento em que pôs os pés na banca:
— Clodovil para presidente do Brasil!
O brado foi, sem dúvida, inusitado. Tanto por sua natureza quanto por sua origem. Mas bastaram mais alguns segundos para entendermos (eu, o atendente e mais uma meia dúzia de clientes) que se tratava de uma ironia.
— Um país que vota no Clodovil – continuou o suposto coronel – só pode estar como está. Que ponham logo então esse sujeito na presidência... Vão ver o que é bom para a tosse...
Explicada a comoção, todo mundo deu-se por satisfeito, menos o homem que iniciou a barulheira, que ainda flava alto:
— E é bem capaz de ganhar... Essa classe do Clodovil é muito unida.
A frase me incomodou de tal forma que reagi, antes que pudesse pensar muito a respeito. Em tom claro, para que todos ouvissem, comentei:
— Senhor, qual classe?
— Hã?
— A qual classe o Clodovil pertence?
Ele sorriu:
— A das bichas, ora!
— Bom, caso o senhor não saiba, ser gay não é posicionamento político, é orientação sexual.
Anos e anos de trabalho com ONG haviam preparado meu discurso, mas aquela era a primeira vez que eu o usava à paisana, fora do ambiente de trabalho. Senti-me meio deslocado, como um policial que se vê obrigado a parar um assalto enquanto está passeando no parque com os filhos. Mas era tarde. O homem já me olhava de cima abaixo tentando determinar se eu era ou não homossexual. Parecendo não encontrar resposta, acusou-me, em tom ofensivo, mas um pouco tímido:
— Você é gay, não é?
— Não. Sou apenas melhor informado que o senhor.
Já visivelmente irritado, o homem ainda parecia perdido quanto às minhas verdadeiras intenções:
— Quer dizer então que achei alguém que vota no Clodovil?
— De jeito nenhum. Jamais votaria nele, mas não porque ele é gay. Não voto porque não concordo com as idéias dele. Mas também não concordo com as idéias do senhor – e o senhor não é gay... Ou é?
Foi a ofensa máxima. Nervoso e com o rosto rubro, presenteou-me com a resposta mais civilizada que lhe era possível naquele momento:
— Você vai tomar no meio do olho do seu cu, seu babaca escroto. Não respeita os mais velhos, não?
Eu ainda explicaria que o simples fato de ser ou não gay não é desrespeitoso, mas o homem já havia saído, enfurecido.
Fato surpreendente: a meia dúzia de pessoas presentes ficou do meu lado e elogiou minha postura. E, como acho pouco provável que todo mundo ali fosse gay, acredito que ainda há esperança para a humanidade.
E uma última palavra sobre estereótipos: se é verdade que existe a bicha louca, que se veste de rosa e toma chá fazendo biquinho, também é verdade que existe o estereótipo do coronelão branco. Sabe quais foram as revistas que ele comprou? Coleção Heróis da Segunda Guerra e a mensal Armas de Fogo.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Política

Normalmente não falo sobre política aqui no site por dois motivos. Primeiro, porque política é coisa séria, coisa que o site não é. E, segundo, porque trabalho para o governo. E aí não é medo de ser demitido ou nenhum conflito ético mais complicado. Estamos em uma democracia e, contanto que eu não revele aqui nenhuma informação privilegiada, me sinto bem à vontade para falar bem ou mal de qualquer um. O problema é ser trabalho – escrevo isso aqui para me divertir e, na medida do possível, divertir os outros. O Ninguém Perguntou não é uma extensão natural das minhas mesquinharias cotidianas.
Mas pensei em abrir uma exceção. Eleições presidenciais, segundo turno, sabe como é. Todo mundo só fala nisso, ninguém iria me acusar de nada se o assunto aparecesse por aqui também.
Cheguei a ensaiar uns discursos e mandei uns e-mails, dizendo que eleição não é comparação – é escolha responsável, dizendo que tem muita gente votando hoje com o que sobrou da ideologia da eleição passada, dizendo que não consigo comprar o argumento de que “todo mundo rouba”, dizendo que os ideais são mais frágeis que as ideologias, enfim, dizendo que a situação tá feia.
Mas esse é o tipo de coisa que dá trabalho escrever, pois sua argumentação tem que ser muito extensa e completa. Ninguém vai simplesmente ler e refletir sobre o que foi proposto. Nada disso! Vão querer contra-argumentar, exigir retratações, balançarão a cabeça em aprovação e em desaprovação, relerão o texto procurando incongruências e, no fim, ninguém vai mudar de idéia.
Não falarei, portanto, da minha preferência pessoal (que não é tão óbvia quanto o texto dá a entender), mas como já cheguei até aqui, vou concluir o raciocínio de uma forma mais geral.
O destino da eleição está nas mãos da imprensa – e do atual presidente. Se conseguirem provar o envolvimento direto do Lula em alguma coisa ou se o Lula escorregar em algum pronunciamento, os indecisos podem resolver tomar uma decisão. Ao concorrente, Alkmin, resta sair de perto, tapar os ouvidos e torcer para a bomba explodir.
Esta eleição (e muitas outras) poderia ser diferente se os jornais tivessem dado mais espaço para as realizações deste governo e os planos dos candidatos para o próximo, mas, como sempre, ficamos acompanhando pela televisão a corrida de cavalos, vendo pelas pesquisas quem está na frente, quem ganhou o debate, quem tem, finalmente, a proverbial cabeça de vantagem, com muito barulho e pouca argumentação. Do jeito que é, em vez de conversarmos calmamente sobre o assunto, ficamos gritando das arquibancadas. Uns torcendo para o seu cavalo preferido e outros só querendo que a corrida acabe, seja lá qual for o resultado.
Se bem que eu acho que uma reflexão inteligente e ponderada sobre tudo o que está aí podia era dar o maior índice de votos em branco da história.

O Homem da Parede

Por onde anda o Homem da Parede? Talvez eu esteja perguntando para a pessoa errada, pois, como eu acabei de inventar esse personagem, é provável que você não tenha a menor idéia do paradeiro deste indivíduo.
Mas, na verdade, inventei apenas o nome – o Homem da Parede, ou alguma instituição que o representa, realmente existe.
E este é o momento do texto em que começo a me explicar, antes que todo mundo pare de ler e me mandem para aquele lugar.
Todos os dias, no meu caminho para o trabalho, passo por uma caixa de luz, em frente ao autódromo Nelson Piquet. A cada semana uma mensagem religiosa diferente é pintada na parede dessa caixa. Ás vezes um versículo de uma passagem famosa da Bíblia, ou trechos de algum salmo particularmente interessante. Não sei o porquê disso. Não conheço o mistério por trás dessas mensagens de otimismo que aparecem no meu caminho, trocadas com mais freqüência que qualquer outdoor ou front-light.
Talvez a caixa de luz seja de propriedade de alguma igreja, talvez seja um pregador solitário patrocinado por uma loja de tintas. Nada indica, inclusive, que seja um homem, pode ser a Mulher da Parede. Mas seja o que for, faz mais de três semanas que o texto não muda.
Alguma coisa aconteceu com o Homem da Parede.
Se na semana que vem a citação ainda estiver lá, compro eu umas latas de tinta e assumo o legado da parede da caixa de luz. Só não garanto manter os textos bíblicos, andei pensando nuns poemas concretistas... Ou quem sabe, o Hino do Flamengo.
Não é heresia, não, gente. É que eu acredito que a parede é neutra, laica, um espaço democrático que aceita o discurso que ninguém mais quer ouvir. Tomara que tenha sido por isso que o Homem da Parede abandonou sua tela – tomara que ele tenha encontrado alguém disposto a ouvir seu discurso. Tomara que ele não precise mais falar para as paredes.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Coisa de cientista

Descobri que o preço do macaco está pela hora da morte. O macaco (ou, no caso, a macaca) tem poucos filhos e demora para chegar à idade adulta. Por outro lado, o rato é baratinho, pois se prolifera de forma praticamente desenfreada e, em poucos meses, já está bem desenvolvido, pronto para levar injeções, tomar eletrochoques e ser enfiado em labirintos.
O problema é que o macaco é uma cobaia mais eficiente, por se parecer mais com o ser humano (e especialmente comigo, que sou cabeludo). Pense neste problema e, se chegar à alguma conclusão, não me informe.

Interessante

Confesse que de vez em quando você gostaria de ser uma pessoa mais interessante. Conhecer um pouco mais sobre vinhos e sobre história antiga, ter fotos suas no Egito e na Ilha de Páscoa e, sem dúvida, ter mais telefones de supermodelos em sua agenda. Ou, pelo menos, um telefone de supermodelo.
Na verdade, vemos filmes e comerciais demais ao longo de nossa vida e acabamos tendo uma visão meio capitalista sobre o que é interessante. E, sem dúvida, comparada à do 007, nossa vidinha é bem mais ou menos. Mas carros exclusivos e paisagens exóticas à parte, me parece que ao sonhar com a megasena e o dia em que finalmente mandaremos tudo à merda (ou, pelo menos, o chefe), ás vezes perdemos a perspectiva de que o mais interessante da vida já foi, possivelmente, conquistado.
Ontem mesmo passou pela minha cabeça o seguinte pensamento: “Não vejo a hora de ficar multimilionário para deitar no sofá, ler um bom livro e comer camarão no jantar”. E eu estava no sofá, lendo um bom livro, me recuperando do camarão ao alho e óleo e bacalhau que tinha acabado de comer. Comprei o prato na promoção do Visa, o livro era emprestado e o sofá estava sujo de biscoito (sobra de campanha do lanche da minha filha), mas, mesmo assim...
É claro que ainda quero ganhar toneladas de dinheiro sem fazer esforço, mas não vou esperar isso acontecer para declarar minha vida interessante.

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Daniela

Não acho muito divertido falar dos outros, mas, em alguns casos, é inevitável, mesmo que continue não sendo divertido, especialmente para os outros sobre quem estamos falando.
Com relação ao mais novo vídeo da Daniela Cicarelli (é assim que se escreve? Também não sei escrever Ana Hickmann, nem Luize Altenhofen e nem Gisele Bundchen – qual o problema com essa mulherada gostosa?), minha declaração é a seguinte: quem faz sexo em público não pode reclamar de filminho, não pode reclamar de curioso e não pode reclamar se for parar na cadeia. Se o sexo entre quatro paredes já pode ter uma conseqüência séria, que é o filho, imagine o sexo no meio da rua, que pode envolver um sem-número de variáveis.
Eu, particularmente, não vejo nada de amoral no sexo, seja na praia, em casa ou no supermercado e gostei muito da versão espanhola do vídeo, com trilha sonora e frases de efeito dando o clima da putaria. Coisa fina.
Dizem que a Daniela falou em processar alguém pela história. Parece-me falsa indignação, para poder das as caras na próxima reunião da família. A Daniela que aparece no vídeo estava bem consciente de onde e como a sacanagem rolava. Relaxa Dani, revelar a intimidade deu certo para a Pamela Anderson e para a Paris Hilton.
E, nós aqui, vamos deixar a menina dar em paz e cuidar da nossa vida, certo?
Ah, se alguém ainda tiver o vídeo pode me passar? É que já tiraram do ar a versão do You Tube...

Aspas

Recentemente, um amigo me chamou a atenção para a versatilidade das aspas. A informação alojou-se em alguma parte do meu cérebro, mas não escrevi imediatamente sobre o assunto. É que descobri um site novo com várias fotos “artísticas” de algumas “modelos”, no qual me perdi alguns dias em aprofundada “pesquisa”. Mas estou de volta, cheio de “disposição” e mais animado do que nunca.
Ah, as aspas!
Elas são a licença para matar da literatura. Com elas, você pode dizer qualquer coisa e depois desmentir, dizendo que não era isso que você queria dizer. Ou escrever isso, querendo dizer aquilo. Ou fingir que se trata de uma citação de alguém real ou fictício. Você pode até disfarçar o fato de desconhecer a grafia correta de determinada palavra. Para que olhar no dicionário se existe as aspas?
Entre aspas, tudo é permitido, pois tudo é relativo: estive na exposição de fulano de tal e achei o quadro “razoável”. Opa! Como assim? Razoável em que contexto? Tanto faz! Não interessa. Que enlouqueçam tentando descobrir se gostei ou não do quadro. Poderia ser ainda pior. Eu poderia ter colocado a palavra quadro entre aspas, deixando a afirmação ainda mais enigmática.
Mas o perigo real aparece quando as aspas são usadas fora do papel, na linguagem falada. Invisível ao olho nu, as aspas atingem todo seu potencial para a destruição.
— Mas, meu amor, você disse que não tinha problema, que eu poderia fazer um happy hour com meus amigos...
— Jamais afirmei tal coisa!
— Eu disse que estávamos programando uma cervejinha e perguntei se estava tudo bem. Perguntei se tinha algum problema e você respondeu...
— Eu lembro muito bem do que eu disse!
— Você falou, abre aspas, problema? Nenhum, fecha aspas. Não foi isso?
— Quase. Você só errou nas aspas. O que estava entre aspas era só a palavra nenhum.
Conheço pessoas que falam tudo entre aspas. E, em algumas noites, tenho pesadelos com elas.

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Rotina

Determinadas pessoas são capazes de extrair tanto prazer da rotina que não possuem mais hábitos, possuem manias.
É claro que um certo nível de familiaridade é saudável para o cérebro e necessário para o corpo (dormir na mesma casa na maioria dos dias, por exemplo), mas alguns preferem o pacote completo. Almoçam sempre na mesma hora, no mesmo lugar, o mesmo prato. E compram roupas na mesma loja, tomam sorvete sempre do mesmo sabor e vêem sempre os mesmos programas na TV. E mais: dormem sempre no mesmo horário, fazem sexo sempre dentro de determinadas circunstâncias, divertem-se fazendo as mesmas coisas. E você pode estar se tornando uma dessas pessoas.
Como bichinhos assustados em torno da mãe protetora, o estresse e a correria do dia-a-dia nos empurram para os braços confortáveis da familiaridade e, quando percebemos, nossa vida está misteriosamente carente de momentos imprevisíveis e acabamos mesmo ficando despreparados para lidar com o inusitado – uma doença fora de hora ou um pneu furado são o bastante para iniciar acessos de fúria e de depressão.
Se eu fosse você, hoje voltava para casa por um caminho diferente.

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

E ainda mais drogas

É Fácil começar, mas muito difícil se livrar das drogas. Prova disso é que estou escrevendo sobre o assunto de novo.
Antes de ler isso aqui, dê uma olhada no comentário do Fred sobre minha última crônica, pois a crítica que ele escreve é bastante coerente e o posicionamento dele bem interessante.
Já aviso que a discussão vai ficar incompleta, pois não devo voltar a tocar no assunto e não vou conseguir escrever tudo o que penso sobre a história. E, se conseguisse, provavelmente perderia meus poucos leitores.
Fred está certo quando diz que a masturbação pública (você algum dia já imaginou que drogas e masturbação pública estariam algum dia na mesma discussão?) não é um bom exemplo. Ele está certo, mas o que eu quis dizer com esse exemplo esdrúxulo é simples: não podemos fazer tudo o que desejamos. De qualquer maneira, segue alguns outros exemplos de coisas que a sociedade não nos permite fazer, mesmo na privacidade do nosso lar: navegar em sites de pedofilia, guardar armas sem porte e, oras, usar e cultivar certas drogas.
Outro ponto que acho legal ressaltar é o de que é possível, sim, diferenciar uma droga da outra. Umas causam menos dependência que outras e, mais importante, com algumas drogas é praticamente impossível sofrer uma overdose fatal (maconha e tabaco, por exemplo). O grande problema é que o álcool, uma droga legal, é muito parecido com uma série de substâncias ilegais, pelo seu potencial de vício e destruição do organismo. Mas como discutir sobre a legalidade ou não do álcool é provavelmente uma das coisas mais improdutivas que podemos fazer, sigamos em frente.
Basicamente, o direito de usar drogas se resume ao direito de obter mais prazer da vida em troca de um preço, nem sempre individual. No mínimo, é preciso ter consciência de que um eventual vício pode afetar as pessoas que se importam ou dependem de você.
No fim, autorização para o uso também significa autorização para distribuir o que, para mim, é uma espécie de passe livre para estragar a vida dos outros e ainda por cima ganhar dinheiro com isso.
Conheço várias pessoas que usam ou usaram drogas lícitas e/ou ilícitas e, de uma forma geral, isso não afeta o que sinto ou penso delas. Não os condeno – não tenho poder, mérito, capacidade ou intenção de fazer isso. Não os percebo como criminosos perigosos e, salvo algumas exceções, detestaria vê-los na cadeia. Fico feliz de ver a legislação caminhando para penas cada vez mais amenas para o uso e hm... Melhor parar antes que eu comece a soar contraditório.
É o que dá escrever doidão.

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Mais drogas

A discussão é longa e, obviamente, não tenho respostas, mas tenho algumas opiniões a respeito que agora divido com vocês atendendo a demandas. O tema é, claro, a legalização das drogas.
Estes são os argumentos mais comuns de quem defende a legalização:
1. O crime organizado ficaria desestruturado, pois não teria mais o dinheiro do tráfico. Bobagem. O crime organizado teria que, no máximo, se readaptar. Tênis, CDs e DVDs são objetos legalizados e a indústria de produtos piratas com estes itens é imensa. Ora, a indústria de produtos piratas é ainda maior que a do narcotráfico, movimentando cerca de 500 bilhões de dólares ao ano (contra mais ou menos 300 bi). Continuariam existindo drogas ilegais e rastreá-las seria ainda mais difícil. Pior – poderíamos estar oferecendo uma saída legal para quem já explora o tráfico por anos. Pior ainda: estaríamos abrindo uma janela de oportunidade para empresas que gostariam de explorar jovens e crianças, assim como faz a indústria de tabaco (veja o site http://www.thetruth.com/).
2. O corpo é meu e posso fazer o que quiser com ele, certo? Infelizmente, não. Apesar do corpo ser seu, você não pode masturbar-se em público e nem mesmo andar pelado por aí. Você não pode nem ouvir música alta depois das dez da noite. Por outro lado, você pode fazer greve de fome e furar os próprios olhos se quiser. Você pode fazer umas coisas e outras não. O limite é determinado pelo grupo ao qual você pertence – a sociedade. Na minha opinião, comprar drogas altamente viciantes seria favorecer o crime. E não apenas o crime organizado. Se alguém te vende um apartamento que não existe, isso é crime, vender uma ilusão é crime – se você conseguir provar que foi iludido. Existe uma linha ética tênue sobre quais seriam os reais motivos para alguém oferecer ou comprar drogas. São produtos que não trazem benefício algum ao usuário e contribuem para o processo auto-destrutivo do ser humano que, convenhamos, não precisa de mais ajuda. As drogas atualmente legalizadas já fazem um bom estrago. Não sou inocente a ponto de achar que tenhamos que banir o álcool e o cigarro. São produtos já institucionalizados e o homem, não sei porquê, parece precisar de vícios. Ninguém – salvo algum monge budista exemplar – vive a vida sem comprometer, por opção própria, sua saúde (seja pulando de pára-quedas ou transando sem camisinha ou comendo bacon ou cheirando cocaína), mas acho importante que tenhamos, em algum ponto, um limite.
3. As pessoas vão continuar usando drogas da mesma forma, só que hoje correm risco de morte para consegui-las. Se tivessem acesso a uma farmácia... Bem, é verdade que ter que subir o morro para conseguir a droga é perturbador, mas é muito mais uma questão psicológica. O morro é um lugar relativamente seguro para o usuário (ninguém quer perder um cliente). Além disso, com drogas como heroína e cocaína, o risco de morte existe de qualquer forma. Além disso, já fiz algumas entrevistas em colégios e, embora o número de adolescentes que têm acesso a drogas seja alto, ainda é expressivo o número de pessoas que nunca tiveram contato por falta de oportunidade ou medo de se envolver em algo ilegal. Legalizar as drogas só aumenta a distribuição.
4. As doses obtidas em uma farmácia seriam controladas. Certo... Assim como conseguimos controlar as doses de cigarro, álcool, pílulas para dormir e antianciolíticos que as pessoas tomam. Além do mais, a droga pirata vai estar aí justamente para preencher essa lacuna.
Sinceramente, não prego a existência de uma sociedade virtuosa que seria, convenhamos, bastante chata, mas defendo a existência de limites, que podem parecer chatos, mas a verdade é que nos ajudam a viver mais e melhor. Os limites que definimos para nós mesmos tendem a ser egoístas e pouco objetivos (assista Dogville). A maioria das pessoas que conheço a favor da liberação são ou foram usuários (ou usam eventualmente), assim como a maioria das pessoas que conheço que são contra são caretas (ou tiveram experiências traumatizantes).
Defendo um meio-termo. Deixem as que já estão aí, melhorando o controle e as informações sobre o uso, acrescente a maconha e alguma outra coisa menos viciante (não sei se existe), mas deixe as com potencial de destruir vidas de forma fulminante de fora. Já basta o álcool.

Mundo cão

Hoje falarei sobre Dogville. Se você não assistiu ao filme, pare de ler e resolva o problema. O filme é ótimo e meu amigo Leonardo tem o DVD e empresta. Se você não conhece o Leozinho, acho que a produção já está disponível nas locadoras.
Longo, sem cenários, cheio de atores conhecidos que trabalharam por uma miséria, rodado em apenas uma locação e sem trilha sonora musical de espécie alguma - evidências de que o diretor estava fazendo o possível para ser considerado genial. Surpreendentemente, o filme é mesmo genial e todas as esquisitices acima realmente contribuem para o resultado final e não são apenas jogo de espelhos, como os filtros coloridos do Kieslowski (os filmes do polonês são espetaculares, mas o filtro é um capricho).
Dogville é o filme mais pessimista que já assisti e duvido que exista algum outro que o supere. Veja algumas conclusões mais alegres e “pra cima” que pude extrair do roteiro:
Poder absoluto corrompe absolutamente.
Amor é circunstância.
O homem é naturalmente mal.
A moral é relativa.
Nossa existência se resume ao sexo e suas conseqüências.
E, a minha preferida, a vingança é um prato que se come frio.
A única coisa que impede você de se matar imediatamente após assistir ao filme é, pensei, o fato de que se trata de uma história de ficção. Uma reflexão sobre a humanidade em geral, mas sobre ninguém em particular... Mas aí cai a ficha.
Todos nós estamos, em alguma medida, representados no filme. Cuidadosamente, o diretor distribui a trama entre dezessete arquétipos bastante ancorados na realidade. Acuado, vi que não tinha alternativa a não ser me matar. O filme retratava mesmo a natureza humana, sem máscaras – e somos todos uns canalhas.
Decidi que iria por fim a vida mergulhando uma torradeira ligada na banheira. Foi uma decisão inteligente que me ganhou um tempo, pois não tenho nem banheira e nem torradeira. E o tempo foi o suficiente para que refletisse um pouco mais sobre o filme – e percebesse um detalhe sutil, que fez toda a diferença.
Os seres humanos retratados no filme parecem reais, mas não são. Falta a eles uma coisa importantíssima: espiritualidade. A igreja de Dogville não tem padre, assim como os habitantes da cidade não tem religião. A eles faltam os sentimentos de arrependimento, de esperança, de compaixão e de humildade. Cá entre nós, os sentimentos mais difíceis de serem cultivados. É fácil amar, pois todos queremos ser amados e entendemos que, para isso, temos que amar um pouco em troca. Além disso, o amor é um sentimento muito próximo do desejo – e pode ser facilmente confundido. Mas perdoar verdadeiramente é muito difícil e verdadeiramente aceitar os próprios erros é quase impossível.
Quase.
A moral humana é relativa, mas existe uma moral maior que a nossa. Estuprar uma criança é errado, independentemente de qualquer contexto. Tortura física e psicológica é errado. Desviar verbas públicas para investir na campanha de reeleição é errado. Absolutamente errado.
A sociedade é uma obra humana e isso tá na cara. Qualquer um pode ver que não temos feito um trabalho muito bom – trata-se de uma estrutura falha e incoerente, que traz à tona tudo o que há de pior em todos nós.
Mas ainda existe esperança. Pode chamar de Deus, pode chamar de força superior, pode chamar de ingenuidade, mas ela existe. E a prova disso é o próprio filme, pois alguém percebeu o perigo de esquecermos de que há uma moral maior que nossas limitações. Alguém contou a história de Dogville, para que possamos refletir um pouco mais sobre nós mesmos.
Mas mandei instalar a banheira assim mesmo. Nunca se sabe o dia de amanhã...


O tom pessimista da crônica combina com o tom do filme, mas, apesar do final macabro, nunca considerei o suicídio uma alternativa viável e sinceramente acredito que o melhor da vida de todos nós ainda está por vir, junto com o pior, claro. Pois a vida, meus caros, é sempre o que está por vir, o resto é apenas memória – podemos viver com elas, mas nunca viver delas.

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Radicalismo

Fui acusado de ser radical. Era uma discussão complicada e, salvo engano, já escrevi sobre isso em algum lugar do blog: legalização das drogas. E se não escrevi, não vai ser agora que escreverei - o assunto aqui é outro, o radicalismo.
Basicamente, meu interlocutor era a favor da liberação geral do uso e da comercialização de todos os tipos de drogas possíveis de serem extraídas da natureza ou de serem obtidas por processos químicos. Eu já acho que algumas coisas deveriam ser liberadas, outras não.
Ele queria liberar tudo. Eu achava que o melhor era uma solução intermediária. E o radical sou eu?
Talvez eu tenha sido muito enfático em defender minha solução moderada, mas isso não faz de mim um radical. Para mim, radical é quem define um posicionamento extremo. Quem guarda a opinião no cofre forte e não empresta e não negocia é teimoso. E, sim, a discussão não teve desfecho, não foi produtiva e não chegou a lugar nenhum.

O celular do surdo-mudo

Hoje participei de uma campanha humanitária inusitada. Contribuí com cinco reais para a realização de um dos sonhos do surdo-mudo que trabalha na equipe de limpeza do meu edifício: comprar um celular.
A situação resvala no absurdo, mas não chega a ser um, visto que o rapaz pode, de fato, utilizar o parelho, por causa das funções de mensagem de texto e vibração, prova definitiva que o celular já não é mais apenas um telefone móvel, mas um aparelho muito mais sofisticado.
De qualquer maneira, ajudei a comprar um telefone para um surdo-mudo. E o fato é que ainda estou digerindo o conceito.
Sou a favor do supérfluo. Uma vítima do capitalismo que acredita no poder renovador de um presente absolutamente inútil. Pelo menos inútil do ponto de vista da simples sobrevivência. Mas, como todos sabemos, na selva social nada é completamente inútil. Tudo que pode ser ostentado ou ligado em uma tomada tem o seu valor. Mas, mesmo assim...
O celular sempre foi, para mim, um símbolo da vitória do consumismo desenfreado. E hoje descobri que ele é objeto de desejo até dos surdos-mudos. Não demora vamos encontrar por aí altares de adoração ao aparelhinho. Hoje o celular mostrou para mim quem é que manda.

Cabaré – uma visão sócio-antropológica da putaria (no bom sentido)

Somente depois de casado é que comecei a freqüentar cabarés com maior assiduidade. Explico. A primeira vez que entrei em um foi justamente na minha despedida de solteiro e, de lá para cá, muitos amigos também se casaram e, nada mais natural, fui à despedida de solteiro deles. Não posso, portanto, me considerar um especialista em boates exclusivas para homens, mas já deu para observar uma ou outra coisa que agora divido com vocês.
Em primeiro lugar, o cabaré é um dos poucos lugares onde a perspectiva de prostituição não me deprime. Pelo menos, não na maior parte do tempo. Lá tem música, bebida, shows e um clima muito mais festivo que de sedução. Um ambiente meio despudorado, no qual fumar, beber, falar palavrão e coçar o saco não choca e não incomoda ninguém. E ainda tem mulher pelada.
Acho graça das performances exageradas nos estriptísis (como escreveria o Millôr) e admiro a criatividade das meninas que tentam surpreender sempre, seja com o auxílio da platéia, microfones, fantasias ou animais de borracha (sim, animais de borracha – e não me pergunte detalhes). Acho mais graça ainda da empolgação primitiva que toma conta dos homens e que transforma todo o jogo de cena em uma grande festa, com direito a imagens inusitadas, como mulheres que tiram a roupa de cabeça para baixo e o zeloso garçom que, entre um show e outro, limpa o cano de metal no qual as moças esfregam suas partes íntimas com uma flanelinha e álcool.
É claro que também tem os programas a dinheiro, os velhos babões e os tarados de atitude suspeita encolhidos no canto. E também sei que nem todas as garotas de programa estão felizes por estar ali e, não podemos esquecer, tem todo o aspecto explorador do dono da boate. O mundo não muda só porque a gente está no cabaré. Todas as injustiças sociais, destemperos emocionais e defeitos de fabricação da humanidade estão lá no cabaré junto com a gente.
Mas, tendo como referência o cabaré, me pergunto se o mundo não seria um lugar bem melhor se tivesse mais gente pelada. E, se não melhor, pelo menos mais divertido.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Gamelife

Ao que parece, a Internet continua propiciando fama instantânea e novas maneiras de ganhar dinheiro para todo mundo - menos para mim, claro. Se bem que a foto da moça com roupinha de Mulher Maravilha deu um upgrade na audiência... Vou considerar a inclusão de mais fotos sensuais gratuitas e machistas no futuro. Mas eu queria falar mesmo era sobre outra coisa.
Está rolando na Internet o show Gamelife, no qual cinco adolescentes fazem comentários e críticas sobre videogames. O programa é o maior sucesso e a MTV americana já está apoiando a iniciativa, reservando um minuto de sua programação para os jovens em questão.
O diferencial do show? Os adolescentes não nerds de verdade, com apenas habilidades sociais básicas e nenhum senso de ridículo. Um magrelo tímido, um gordinho expansivo e um quatro-olhos hermético são os astros do show, auxiliados por uma menina bonitinha que se recusa a dar o sobrenome para que não seja reconhecida e um punk nervoso e anti-social. Eles não estão fingindo, não são personagens. São apenas jovens que pegaram a câmera digital (de baixa qualidade) do pai e montaram um programa sobre videogame, fizeram o upload para a Internet e agora estão na MTV e ganhando dinheiro com a brincadeira.
O programa é ostensivamente mal-feito e, em certos momentos, fiquei meio constrangido pelos meninos, que realmente parecem meio deslocados do mundo real. Mas quem precisa do mundo real quando o virtual pode muito bem suprir todas as nossas necessidades?

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

A caixa de chocolates

Gosto muito do filme Forest Gump, mas ele tem uma analogia que não me convence totalmente. Nem tanto pela analogia em si, mas pela explicação da mesma: a vida é como uma caixa de chocolates (até aí, tudo bem), você nunca sabe o que vai encontrar dentro dela... Melou. Afinal, até onde sei, dentro da caixa de chocolates tem chocolates e pronto, sem surpresa. Ele provavelmente estava se referindo a uma caixa de chocolates sortidos, ou ao kinderovo, vai saber, mas a explicação é fraca. A analogia, contudo, é boa.

A vida é como uma caixa de chocolates – foi feita para nos dar prazer, mas tem conseqüências. Colesterol, gordura e, no caso dos diabéticos, conseqüências mais graves. Assim também é a vida, se a consumimos despudoradamente as conseqüências serão fortes e rápidas, como a diarréia de quem come um quilo de chocolate de uma sentada só. Para vivermos bem e felizes, é importante aprender a retirar o máximo de prazer de pequenos bocados: um sorriso, um olhar, uma mordidinha no chocolate. Não adianta atacar a vida com gula e sofreguidão, pois o resultado disso só pode ser fastio, enjôo e frustração. Pois assim como não é possível comer todo o chocolate que existe no mundo, não é possível viver tudo o que há para ser vivido. Ninguém visitará todas as cidades do mundo, viverá todos os amores ou celebrará todas as comemorações. É, meu amigo, a vida é como uma caixa de chocolates – um presente que todos gostam, mas que, infelizmente, acaba rápido.

E só para esgotar o assunto, outra mensagem interessante do filme é que, para ser verdadeiramente feliz, o indivíduo tem que encarar tudo o que faz com pureza no coração e determinação absoluta. Ou seja, tem que ser meio bobo.

E tem mesmo, sabe? É claro que é perfeitamente possível ser feliz e inteligente, mas nunca ao mesmo tempo. Quando o racional está com força total, a pessoa calcula muito, pesa as conseqüências e acaba não fazendo. E, quando faz, se arrepende. E viver é fazer, é realizar, é construir alguma coisa. Não é fazer qualquer coisa de qualquer jeito, não dá para ser absolutamente inconsequente ou, pior, irresponsável – isso é só perder tempo, o equivalente a enfiar todos os bombons da caixa na boca de uma só vez.

E, para arrematar: quando falo bobo, quero dizer inocente, ingênuo e não crasso, imbecil. Estou falando do Peter Sellers em Muito Além do Jardim e não do Lula que, de bobo, não tem nada.

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

O Nerd

Acaba de me ocorrer que meu último post no Ninguém Perguntou foi muito nerd. Quem mais saberia o nome de todas as namoradas que o Superman teve ao longo dos seus setenta e poucos anos de existência? Tudo bem que eu colei, mas só o fato de saber onde conseguir uma informação como essa já me torna suspeito.
Eu poderia, claro, ir pelo caminho mais fácil e remover a crônica, mas isso seria contra o espírito do blog, por isso prefiro me explicar.
Existem nerds piores do que eu, evidentemente. Mas isso é mais ou menos como dizer que existem psicopatas melhores que outros psicopatas. Nerd é nerd e pronto. Meu advogado de defesa sugeriu que eu lembrasse aos leitores que tenho uma filha, o que significa que fiz sexo pelo menos uma vez na vida, e que mostrasse minha medalha de natação conquistada aos treze anos, prova de que já pratiquei esporte com um mínimo de interesse. Mas seria inútil. No fim, minha coleção de quase 5.000 revistas em quadrinhos seria prova suficiente para uma condenação.
Como todo vício, ser nerd me dá prazeres impossíveis de explicar para quem não sabe a identidade secreta do Besouro Azul. São prazeres que, infelizmente, só fazem sentido para o viciado. AAhhh, sentar no sofá com o encadernado do Watchmen em uma mão, um copo de coca light na outra e uma madrugada inteira pela frente...
Mas por mais que assuma minha condição perante os senhores, um observador mais atento perceberá que me diferencio do resto do bando. Não apenas por já ter feito sexo (e mais de uma vez), mas porque não levo isso tudo tão a sério. É apenas entretenimento, no final das contas – e é assim que eu encaro. Além do mais, tenho um certo senso de ridículo que me impede de vestir, por exemplo, uma fantasia do Batman (nada contra, porém, o uso de determinadas fantasias, como a da foto. Veja o site http://www.3wishes.com/ para mais exemplos).
E para provar que é até perigoso adotar a cultura pop como estilo de vida, veja no site http://www.superdickery.com/ as maluquices que já pintaram nas histórias em quadrinhos de super-heróis. É diversão garantida.

Ah, O Super-Homem

O Super que conheço era assim, traduzido: Super-Homem. Vinha de Krípton (e não de Kriptón), namorava a Míriam Lane, foi o Superboy quando adolescente (com direito a participação na Legião dos Super-Heróis), era primo da Supermoça (Kara Jor-El) e era interpretado pelo Christopher Reeve. O Lex Luthor da minha dolescência era o líder da Liga da Injustiça, vestia armadura verde e roxa e foi interpretado no filme pelo Gene hackman. Meu desejo secreto era pela loirinha Valerie Perrine, a senhorita Tachmaker, assistente do Luthor (que chegou a sair na Playboy).
O Super do meu pai apareceu pela primeira vez na revista Lobinho, era mais rápido que uma locomotiva (e não mais rápido que uma bala), capaz de saltar prédios altos com um só pulo (e não de voar) e já era à prova de balas, mas se uma bomba explodisse perto dele, era uma vez o herói. O Super do meu pai também não era tão bonzinho e jogou um ou dois bandidos do alto de edifícios. Ora, a identidade secreta do Super do meu pai era Edu (e não Clark Kent).
Com o passar do tempo, meu pai se adaptou à maioria das mudanças do Super-Homem e chegou a gostar de muitas coisas do meu Super, como o filme de 78, por exemplo.
O mesmo aconteceu comigo, claro. O filme de 78 revelou, para meu total espanto, que o nome da jornalista era Lois e, na década de oitenta, a série Crise nas Infinitas Terras acabou, de uma vez só, como Superboy, a Supermoça e todos os super-animais. O seriado Lois e Clark também oficializou a mudança de nome para Superman, para facilitar o merchandising com os novos produtos do kriptoniano. Vi, estupefato, a editora Abril mudar o nome do herói nas capas dos gibis.
Tive a vantagem adicional de viver na época do quadrinho adulto e, portanto, não precisei me adaptar totalmente às bobagens do seriado Lois e Clark e Smalville, já que tinha Alex Ross, Mark Millar, Grant Morrison, Kurt Busiek, Jeph loeb e John Byrne criando histórias do homem de aço especialmente para mim, do alto dos meus trinta anos.
Mas agora um novo Super-Homem, desculpe, Superman está sendo apresentado às gerações mais novas. E me sinto realmente um velho rabugento quando leio as críticas das revistas especializadas e converso com meus amigos e vejo que todo mundo pareceu gostar do filme, menos eu. Ai, ai. Pelo menos, sempre terei minha edição encadernada de Kingdom Come para me consolar.
E, só para provar que sou fã: você sabia que...
... a primeira versão do Superman não tinha nem capa?
... a foto tirada pelo garoto com o celular no filme O Retorno é uma réplica da capa da revista Action Comics, primeira parição do Superman nos quadrinhos?
... Os autores do Superman venderam os direitos autorias de sua obra por 130 dólares? E haja processo para recuperar o prejuízo. Depois de muita confusão, a DC concordou em dar uma pensão vitalícia para Siegel e Shuster.
... o Superman, assim como ator que o interpretou, Christopher Reeve, também já caiu do cavalo e ficou paralítico? A história é da década de setenta e mostra um Superman sem poderes e sem memória, depois de ter sido exposto à kriptonita vermelha (naquela época, a kriptonita tinha várias cores e a vermelha era porreta: eliminava para sempre os poderes do Super). Sem poderes, Clark Kent ficou paralítico até que caiu num rio e foi curado por uma sereia e, não, o roteirista dessa história não foi o mesmo de O Retorno.
... que o Super já beijou na boca de nove mulheres, mas que, pelo menos de acordo com as informações das revistinhas, só comeu duas? Uma é a Lois Lane, todo mundo sabe, mas e a outra? Alguém arrisca um chute? Para facilitar, segue a lista das beijadas:
Lois Lane
Lana Lang (amiga de infância)
Sally Sellwin (a que se apaixona pelo Clark sem superpoderes – o que caiu do cavalo)
Luma Lynai (uma super-heroína de um planeta com Sol azul)
Mulher-Maravilha (essa você conhece)
Lyla Lerrol (mais uma com dois Eles – uma kryptoniana)
Máxima (regente do planeta Almerac)
Lyrica Lloyd (uma atriz que morre de uma doença contraída na África)
Lori Lemaris (uma sereia e,sim, a mesma da história da paralisia).

sexta-feira, 28 de julho de 2006

Super o quê, mesmo?

Não dá para enrolar e nem dizer de outra maneira: Superman, O Retorno é um dos piores filmes que já tive a oportunidade de assistir em toda a minha vida. É tão extraordinariamente ruim que quase chega a ser bom, daquele jeito ridículo, como, por exemplo, O Ataque dos Tomates Assassinos ou um filme do Ed Wood. Mas nem isso ele consegue ser. Trata-se simplesmente de uma experiência desagradável e uma completa perda de tempo. Vamos aos fatos.
A história: completamente desconjuntada e absurda. Está certo que a trama gira em torno de um alienígena invulnerável e tudo o mais, mas não é deste tipo de absurdo que estou falando. Não existe coerência nenhuma, não há o menor respeito pela lógica do personagem e a trama não impressiona, não emociona e não empolga em momento algum.
A direção: pobre e decepcionante. Cenas previsíveis, ritmo lento e Brian Singer usou praticamente todos os clichês do manual.
Os atores: Para você ter uma idéia do tamanho da desgraça, o melhor deles é o cara que faz o Ciclope no filme do X-men. A Lois Lane é bonitinha, mas inexpressiva. O Superman tenta imitar o Cristopher Reeve com resultados constrangedores e Kevin Spacey até emula bem o Luthor do Gene Hackman, mas seus diálogos são imbecis demais. Em uma ou outra cena, se você estiver já de muito bom-humor, pode ser que ele te arranque um sorriso. Tímido. Nem o garotinho bonitinho se salva – o coitado era o próprio clichê ambulante.
Os efeitos: Alguns são bons, mas nenhum é verdadeiramente interessante ou impressionante. Os melhores momentos acontecem quando Singer imita o visual das ilustrações do Alex Ross. Alguns são mal-feitos mesmo.
Trata-se de um filme infantil, que é pior que todos os outros filmes infantis que circulam atualmente. Diverti-me assistindo a A Era do Gelo Dois, com seus personagens surreais, e a Os Sem-Floresta, com seu tom político-light. Ora, até o abobalhado Escola de Heróis, com o Kurt Russel, é mais interessante. De qualquer maneira, acredito que uma criança de até dez anos de idade possa achar o filme divertido – eles assistem Rebeldes, pelo amor de Deus! Não é preciso muita coisa para diverti-los.
O tom inocente do primeiro filme (com o Marlon Brando) condizia com a época e com a incrível novidade dos efeitos especiais que faziam um homem voar. Junte a isso uma história legalzinha e boas interpretações e você tem um clássico. O filme que assisti hoje é uma caricatura tão grande do outro, que, em alguns momentos, chega a parecer um besteirol, tipo Aperte os Cintos, o Piloto Sumiu. Duvida? Então preste atenção na cena em que a Lois Lane encontra as perucas do Luthor, com direito a musiqueta de terror ao fundo. Ou então a cena do capanga tocando piano com o seqüestrado... Mas, o que estou dizendo? É claro que você não vai prestar atenção em cena nenhuma, pois você vai considerar tudo o que estou dizendo aqui e nem vai assistir ao filme, certo?
Certo?

terça-feira, 25 de julho de 2006

A lógica do burocrata

Como sou um sujeito humilde e admito meus erros, reconheço que o título desta crônica está errado, pois o burocrata e a lógica não devem ser mencionados em uma mesma sentença. A lógica deu origem ao sujeito organizado e uma terrível mutação, provavelmente derivada do cruzamento entre o sujeito organizado e um funcionário público, deu origem ao burocrata.
O sujeito organizado criou o manual de procedimentos, acreditando que isso possibilitaria aos que viessem depois dele a possibilidade de dar continuidade ao seu trabalho. O burocrata olhou para o manual de procedimento e viu que aquilo era bom e adotou tudo aquilo que estava escrito nele como verdade absoluta.
Ora, nem mesmo o melhor dos manuais é capaz de prever todas as situações com cada uma das variáveis, das nuances e dos contextos possíveis. O manual precisava ser entendido como referência e não como verdade indiscutível, mas o burocrata é incapaz de entender isso.
Vejamos um exemplo simples, como o da fila. Diz o manual que idosos, gestantes e deficientes físicos devem ser atendidos primeiro, mas eis que chega ao estabelecimento um homem (eliminando a possibilidade de que seja uma gestante), de 30 anos (jovem, portanto) e com todos os membros posicionados onde se podia esperar e perfeitas funções motoras e cerebrais (não se tratando, portanto, de um deficiente), mas muito doente, encurvado de dor e febre e com uma tosse encatarrada.
Fosse o responsável pela fila uma pessoa que fizesse pleno uso da lógica, passaria o infeliz à frente, poupando-o de mais sofrimento e reduzindo a possibilidade de que os outros no recinto fossem também infectados com a moléstia. Mas, como se trata de um burocrata, ele assistirá, impassível, o calvário do indivíduo, tossindo sobre seus companheiros de fila e até sobre o próprio burocrata, eventualmente.
Até mesmo a lei é passível de interpretação, o que gerou uma outra criatura abominável conhecida como o advogado, que detesta a lógica e sofre de uma espécie de daltonismo grotesco, no qual não consegue diferenciar justiça de interesse.
Com tudo isto dito, fica fácil entender porque dormi muito mal esta noite. Meu salário, dinheiro que me possibilita seguir neste vale de lágrimas com um mínimo de hombridade e decência, não deve chegar às minhas mãos na data de sempre. Está preso no meio de um entrevero entre burocratas e advogados.

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Metal Gear Solid

Tive a oportunidade de ler hoje uma entrevista banal. O que obviamente não seria digno de menção se o entrevistado não fosse brilhante – Hideo Kojima, o criador e diretor de uma das séries de videogames mais aclamadas de todos os tempos, Metal Gear Solid, que mistura bom-humor, excelência técnica e roteiros existencialistas.
Digo que a entrevista foi banal porque o jornalista, ele próprio um fã declarado de Kojima, estremeceu diante do japonês e limitou-se a perguntar o óbvio. Kojima é que não desperdiçou a chance de transformar o óbvio em algo interessante.
Ao ser indagado se ele achava que videogames poderiam ser considerados arte, Kojima (considerado por muitos um artista) respondeu sem ficar em cima do muro: não.
Para ele, não importa a quantidade de elementos artísticos que um jogo possa utilizar, são apenas ferramentas. Um game não é arte porque não é perene, ele simplesmente reflete um momento cultural. Ninguém irá olhar para um jogo feito há vinte anos atrás e dizer “UAU”. Algumas qualidades poderão ainda estar em evidência, mas serão tratadas apenas como curiosidades e apreciadas somente pelo seu significado histórico. Videogame é um produto de consumo, como um carro ou uma cadeira – ele toma elementos emprestados da música e do cinema, mas não é nenhum dos dois.
Gostei. E gostei mais ainda porque me ajuda a defender aquela afirmação que lancei aqui há um tempo atrás – a de que futebol poderia ser considerado arte. Era impressionante ver o Pelé jogar em 70 e continua sendo até hoje – e acho que será sempre.
Kojima falou outras coisas interessantes na entrevista, mas nenhuma delas me beneficia tão diretamente quanto essa e, por isso, não as mencionei.

quarta-feira, 19 de julho de 2006

O Escolhido (Parte 2)

— Pai, tem dois dragões brigando no quintal! – Gritou o Luiz Marcelo, mais animado que com medo.
— E o dragão verde acaba de dar um pau no vermelho. – Completou Michele. E ainda acrescentou, em tom professoral: - Deve ter sido uma bola de fogo de um desses dragões que incinerou a vovó. Tadinha.
Mas não havia tempo para lamentações. Neste momento, a campainha tocava novamente. Tratava-se de Sir Ostvald, Cavaleiro da Cruz Dourada, dono do dragão verde.
— Vim buscar o escolhido – disse, sem cerimônia.
— Quem? – Perguntou o Almeidinha.
— O escolhido. O Almeida.
— Almeida sou eu, mas escolhido para quê?
— Gente, será o caminhão do Faustão? – Perguntou a Tereza, olhando lá fora e vendo apenas os dragões (o vermelho caído), a vizinhança que começava a se acumular e o que parecia ser um exército de zumbis dobrando a esquina.
Luiz Marcelo estava incontrolável:
— O escolhido, pai! Igual o Frodo, igual o Neo no Matrix. Pô, velho, da aí um chute em câmera lenta, vai...
Almeidinha, que media um e sessenta e oito e pesava noventa quilos tinha a impressão de que toda a sua vida havia sido em câmera lenta, mas não sentia disposição alguma para chutar. Era preciso, primeiro, botar alguma ordem nas coisas. Aquilo tudo estava ficando fora de controle.
— Olha, seu Cavaleiro, vamos entrando que o senhor vai me explicar isso direitinho. Mas antes o senhor não prefere estacionar o dragão na garagem? Essa vizinhança não anda fácil... Tereza, um cafezinho, por favor.
Tereza nem discutiu. Sabia que, mais tarde, teria que providenciar o enterro da mãe, mas, assim como o Almeidinha, era uma pessoa prática e entendia perfeitamente a prioridade das coisas. E são raras as situações onde o cafezinho não é prioritário. Na sala, o cavaleiro Ostvald tentava explicar a situação para o Almeidinha:
— Mas o senhor não teve nenhuma premonição sobre o dia de hoje?
— Não.
— Não notou nada de diferente nos últimos dias? Sonhos estranhos? Poderes se manifestando? Alterações no fluxo de energia do planeta?
— Não, nadinha.
— Mutações?
— Pai – interrompeu a Michele, que não desgrudava o olho do cavaleiro e lamentava o fato dele não ter vindo pelado, a exemplo do presente – e aquele caroço na sua bunda? Aquilo pode ser uma mutação.
— Michele, aquilo é um furúnculo. E furúnculo não é mutação e também não é na bunda, é na parte alta da coxa. Além do mais, isso é conversa de adulto. Por que você não vai ver onde está o seu irmão? Ele e o presente desapareceram.
Desconsolado, o cavaleiro Ostvald não sabia o que fazer. Parecia que as coisas não estavam saindo conforme sua expectativa. Pensou por alguns momentos e decidiu que precisava de orientação. Tirou de sua túnica um papel amassado e perguntou para o Almeidinha, humildemente:
— Posso usar seu telefone?
— É para celular? – Indagou abrubtamente a Tereza, que chegava com a bandeja de café.
— Tetê! – Repreendeu o Almeidinha, bravo. O escolhido tava que tava.
(continua)

terça-feira, 18 de julho de 2006

Páginas da Vida

O depoimento que a Rede Globo exibiu no último sábado, na novela Páginas da Vida é criminoso. Seduzida pela possibilidade de aparecer na TV, uma senhora humilde expôs detalhes de sua vida íntima, em uma declaração real. Nada contra o orgasmo na velhice ou que a novela trate de sexualidade de forma direta, mas Manoel Carlos e a Globo não precisam de uma senhora de sessenta anos para isso.
A cena já virou piada no site Kibeloko, mostrando que a falta de respeito da emissora só poderia resultar mesmo em ridicularização e mais falta de respeito.
É relativamente fácil para um homem de 30 anos seduzir uma menina de doze, fazendo-a acreditar que está indo para a cama com um homem mais velho por sua própria vontade. É o que a Globo faz. Usa seu poder de fascinação para convencer pessoas a se exporem em cadeia nacional. O Big Brother faz isso oferecendo dinheiro e, para mim, é um programa que se equilibra perigosamente na estreita linha da ética, mas o que aconteceu na novela é imperdoável.
Os responsáveis se justificarão dizendo que era uma coisa que precisava ser dita, para afastar o véu de hipocrisia que cobre a sociedade, etc. Discurso barato e fácil. Independentemente da necessidade da mensagem, a verdade é que a senhora foi usada.
Repito. Manoel Carlos e a Globo não precisam de uma senhora de sessenta anos para criar polêmica sobre a sexualidade na velhice, mas preferiram fazer isso porque é mais fácil. É chocante, agressivo e dá audiência e não há necessidade de se criar bons textos ou de colocar bons atores à frente da tela – tudo isso dá muito trabalho. Mais fácil explorar uma pessoa humilde, recurso que vem sendo utilizado pela TV brasileira com freqüência em vários tipos de programas.
O ser humano tem uma curiosidade mórbida. Reduz a velocidade do carro quando passa diante de um acidente e senta na frente da TV para ver o ridículo dos seus pares em exibições de calouros e reality shows. Mas é preciso lutar contra isso. Infelizmente, a ética não é um comportamento natural – se fosse, não seria algo que precisa de regulamentação. Para ter ética é preciso refletir, considerar e, muitas vezes, tomar decisões difíceis.
Mas o que mais me revolta é que, neste caso, a decisão era fácil. Trata-se simplesmente de aplicar um princípio ético repetido por nossos pais, avós e bisavós: respeitar os mais velhos.

O Escolhido

Almeidinha, contador, trinta e sete anos. Sua última surpresa na vida foi há doze anos atrás, quando o irmão mais velho revelou, na festa de Natal, que era gay e estava morando com um outro homem há mais de quatro anos. A surpresa não foi porque o irmão declarou-se homossexual, disso ele já sabia, ou pelo menos desconfiava. Mas quem diria que o inconstante do Arthur seria capaz de manter um relacionamento por tanto tempo?
De lá para cá, nenhuma surpresa. Um ou outro sustinho, um imprevisto aqui e ali, mas nada realmente surpreendente. Por isso não é difícil entender porquê ele ficou paralisado por alguns segundos ao abrir a porta de casa naquela manhã de sábado.
Parada em frente à soleira, com a mão ainda estendida próxima à campainha estava uma mulher alta, morena, de seios bem redondos e firmes e rosto angelical, completamente nua. Peladinha, peladinha.
Mas Almeidinha era um homem prático e a paralisia durou apenas alguns segundos:
— Pois não? – Disse ele, em tom cordial.
— Sou um presente do Psicopomp de Sv’ah Ah Akrabshah. Sou sua para atender a todos os seus desejos – e, dizendo isso, curvou-se, reverente.
— Meidinha, quem é... MEU DEUS! O que é isso, Meidinha? O que é isso? – Vociferou a Tereza, esposa do Almeidinha, que tinha acabado de chegar à porta.
A mulher pelada não se alterou e respondeu, ainda de forma doce e humilde:
— Sou um presente do Psicopomp de Sv’ah Ah Akrabshah. Sou do Meidinha para atender a todos os desejos dele.
A Teresa quase desmaiou, mas ficou só no quase. E era sempre assim. Desmaiar mesmo, não desmaiava. À sua maneira, Teresa também era bem prática. Ficou meio enciumada da intimidade da moça com o seu Meidinha, mas fazer o quê? Presente é presente. Ainda mais do Psicopomp de Sv’ah Ah Akrabshah, que ela não sabia quem era, mas, pelo tamanho do título, deveria ser importante.
— Então vamos entrando, vamos entrando – disse Tereza, ainda se abanando.
“Que coisa!”, pensou o Almeidinha enquanto olhava para a bunda da moça, referindo-se, obviamente, não apenas à bunda, mas à toda aquela situação.
As crianças ficaram em polvorosa, especialmente o Luiz Marcelo, de quinze anos, que perguntou ao pai se poderia guardar o presente no seu quarto. Michele, a mais velha, de dezessete, ficou interessada em saber o que o presente fazia para evitar a celulite. A Tereza foi ver se achava alguma roupa para o presente e o Almeidinha coçava a cabeça, tentando lembrar o que poderia ter feito para merecer um presente daqueles.
Só a sogra do Almeidinha, dona Severina, cogitou a hipótese de devolver o presente, pois isso de entregar o presente já aberto, não sei não, não era coisa de gente séria.
E foi quando uma bola de fogo arrebentou a janela e consumiu a dona Severina, transformando-a em cinzas no meio da sala.
— Mamãe! – gritou a Teresa, enquanto se perguntava, em silêncio, se aquilo mancharia o tapete.
(continua)

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Uma rapidinha

Um amigo veio criticar meu interesse pelo seriado 24 Horas, dizendo que o enredo da série é muito inverossímil. Mas, meu filho, eu gosto justamente porque é inverossímil. Se estivesse procurando veracidade (ou verossimilhança) assistiria ao Discovery.
E como essa foi muito rápida, não custa dar mais uma, com o perdão do trocadilho.
Participei da parada gay de Fortaleza. Uma participação não-intencional – eu estava sentado no calçadão e a parada passou por cima – mas não menos engajada. Viva a comunidade gay de Fortaleza e arredores! Mas discordo da estatística gritada pela travesti que comandava um dos carros de som:
— Obrigada! Obrigada pela presença de todos vocês! Um milhão de pessoas aqui na nossa parada.
Tinha, no máximo, umas quinze mil pessoas. Isso contando comigo, minha esposa e um casal de amigos que nos acompanhava, que estavam meio ressabiados, mas que, no fundo, apóiam a causa e concordaram em entrar para a estatística para dar uma força. Mas nem assim chegamos no milhão. Mas o importante é fazer como a amiga travesti e manter o pensamento positivo – quem sabe no ano que vem?

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Corvos

Pode ter sido outro, mas até onde sei tudo começou com Edgar Alan Poe. “Tudo o quê?”, perguntaria qualquer pessoa normal, visto que não expliquei absolutamente nada. Bem, o “tudo”, neste caso, são os corvos. Ou, mais especificamente, os corvos que falam.
O corvo do Poe, no poema homônimo, fala “Nunca mais”. Inclusive, “Nunca mais” é a única coisa que ele fala. Faz sentido que o precursor dos corvos falantes seja pouco versado na linguagem humana e que tenha um vocabulário limitado. Talvez seu último dono tenha sido alguém que votou no Lula na última eleição e, pela repetição da frase, o corvo acabou sendo capaz de imitar o som das palavras “nunca” e “mais”.
Mas o que estou dizendo? Não pode ser isso. O poema é, por incrível que pareça, mais antigo que o PT e, ao contrário de quem votou no Lula, o corvo de Poe parecia saber o que estava fazendo, tinha o firme propósito de atormentar o narrador com seu ar nobre e diabólico pousado sobre a estátua de Atena. O corvo de Poe não apenas falava, mas o fazia de forma consciente.
Fantástico, especialmente para um corvo. Como todos sabem, a gralha é capaz de imitar certos sons humanos, tendo assim uma vantagem biológica sobre o corvo, o que, ao que parece, pode ser muito interessante na vida real, mas não conta muito na literatura. O corvo é o primeiro pássaro sombrio a falar inglês. Nada mais natural, já que o inglês é uma das línguas mais fáceis da humanidade. Também não vamos querer que o pobre corvo fale servo-croata, não é mesmo? Note também que me refiro aos pássaros sombrios, por isso não fiz referência a papagaios e ao Pato Donald, bichos mais simpáticos e menos freqüentes em pesadelos.
Mas os corvos, não satisfeitos em simplesmente falar, ainda dão bons personagens. Já citei o do poema, mas que tal Mathew, o corvo do Sonhar, da série de quadrinhos Sandman? Curioso, simpático e apreciador de olhos de rato, Mathew é um dos personagens mais carismáticos de uma série onde o que não falta são personagens carismáticos.
E, ainda ontem, terminei de jogar no computador Dreamfall – The Longest Journey. Mais uma aventura interativa que um jogo propriamente dito, Dreamfall se destaca pela incrível direção de arte, pelos diálogos curiosos e, você adivinhou, pelo corvo, que atende pelo muito apropriado nome de... Corvo. Devido ao seu cérebro pequeno, ele foi obrigado a esquecer a linguagem das aves para aprender a humana e nunca é capaz de guardar muitas informações ao mesmo tempo, o que torna seus diálogos deliciosamente surreais.
Fiquei tão empolgado que hoje pela manhã minha primeira atitude foi providenciar um corvo para mim. Achei que daria um animal de estimação bem legal (além de gótico, sombrio e deprimente, claro). Mas meu corvo ainda não disse uma palavra. Fica só ali, me encarando com seus olhos vermelhos, parado em meus umbrais... Só isso e nada mais.