quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Valdirene e Berenice

As palavras, as palavras. Algumas têm mais de um significado, veja o exemplo da mundana “cabo”, que pode ser uma patente do exército, a parte onde seguramos da vassoura (dentre outros objetos) ou um fio. E ainda tem “levar a cabo”, que significa “levar a termo” e possivelmente outros significados. Ou seja, trata-se de uma palavra claramente explorada que deveria entrar com um processo contra alguém. É uma palavra sobrecarregada, enquanto outras, como, sei lá, “cárabo”, que é até parecida, ficam sem uso.
Há palavras, ainda, que eram para significar uma coisa e acabam significando outra. “Deputado” é um bom exemplo. Foi de “representante popular” a “ladrão de galinhas” praticamente sem escalas.
Outras, mais abusadas, assumem significados muito maiores que uma simples definição de dicionário. Será que “morte” pode ser definida simplesmente como o fim da vida? Alguns acham que a vida não acaba, falam de transcendência, de ascendência e de outros bichos. E, para não pular etapas, que tal “vida”? Defina “vida”.
Conheci um velho em um beco, certa vez, que me contou o significado exato da vida e da morte. Eu poderia revelar para você, mas aí teria que te matar.
De qualquer forma, com a recente discussão que tivemos aqui no blog sobre a definição de “arte”, resolvi consultar o velho, que me contou a seguinte história.
Há muito, muito tempo atrás, quando ainda não existia o Cid Moreira, também não existia a arte. Então, Deus percebeu que alguns homens estavam criando alguns objetos que não eram ferramentas, que não tinham finalidade prática alguma. Curioso, disfarçou-se de Grouxo Marx e caminhou entre os povos, perguntando para que serviam aqueles badulaques. As respostas eram as mais diversas: para embelezar, para surpreender, para criticar, para contestar, para homenagear, para enternecer, para faturar um trocado com os turistas, etc.
Deus percebeu que uma tendência estava surgindo. Um subproduto importante e inesperado da liberdade foi a criatividade e, com a criatividade, a arte. Só que a arte ainda não tinha nome. Deus sabia que a responsabilidade de criar as palavras era do homem, mas queria apressar o processo, pois estava curioso com aquela mais nova surpresa do processo evolutivo (naquela época, o homem ainda evoluía), então chamou um camponês e o encarregou da tarefa.
O nome do camponês era Edmundo Arte.
Deus solicitou a Arte a criação de duas palavras. Uma para definir todo o conjunto das “obras sem funcionalidade que podiam ter muitas funções, dependendo do observador e dos valores culturais acumulados pela sociedade no contexto histórico”. Essa primeira palavra seria usada por todos. Nas ruas, nos cabarés sórdidos, nas agências de publicidade. Toda tentativa de expressão poderia ser qualificada por aquela palavra, porque todo homem era criativo e todos tinham o direito de dar nome àquilo que criavam para seu deleite ou dos outros – mesmo que não fosse lá essas coisas.
A outra palavra seria mais exclusiva e estaria reservada para qualificar aquilo que fosse único, a união praticamente perfeita entre habilidade técnica e inventividade. Aquilo que seria a inspiração transubstanciada em objeto. Esta palavra seria reservada para qualificar o que ficaria exposto em museus, galerias e coleções particulares, freqüentaria apenas os ambientes mais restritos.
O próprio Edmundo, contudo, não era lá muito criativo e batizou a primeira palavra de Berenice Arte e a segunda de Valdirene Arte.
Com o tempo, as duas passaram a ser conhecidas apenas pelo sobrenome e foi instalada a confusão. Que só aumentou nos anos seguintes, já que as duas, gêmeas idênticas, tem a mania de trocar de lugar uma com a outra, e a gente nem percebe.

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Provas

De vez em quando nos pegamos falando, até para nós mesmos, que não precisamos provar nada para ninguém. Bem, isso é o que a gente gostaria, mas não é a verdade. A não ser que você seja milionário, bonito, cheio de amigos sinceros e assexuado. Caso contrário, bem-vindo à humanidade e às nossas provações diárias.
Seja no trabalho, em casa ou na sociedade, estamos sempre sendo desafiados a provar alguma coisa. Na maioria das vezes, o desafio é silencioso. Um olhar desconfiado, um sorriso maroto, uma interjeição vaga.
— Já comi uma capa da Playboy.
— Sei...
— Um tempo atrás, tive a oportunidade de conversar com o Jimmy Cliff.
— Hm...
— Entrego o relatório hoje, sem falta.
— Se você está dizendo...
Não são mentiras, até prova em contrário, mas certas afirmações demandam uma enorme dose de credibilidade antes de serem aceitas sem restrições. E, com o passar do tempo, vão ficando ainda mais improváveis. O garotão de vinte e dois anos com o corpo em cima que tocava violão como ninguém até poderia ter ido para a cama com aquela artista famosa de Hollywood em sua breve passagem pelo Brasil, mas, meu pai? Esse senhor de meia idade, barrigudo e meio surdo? Você só pode estar brincando!
Aos trinta e dois anos, tenho muitas histórias para contar, algumas inventadas, outras bastante reais, apesar de incríveis. Mas poucas evidências. Perdi contato com as testemunhas oculares e, as fotos, não sei onde as guardei. Revivo algumas memórias nos meus escritos, pois o papel não me exige nada.
Lembrei, subitamente, de uma figura que conheci há algum tempo atrás, em uma festa suspeita que contava milhões de histórias. Não havia nada que ele não tivesse feito ou experimentado. De ser espião para uma potência estrangeira a participar das olimpíadas. As pessoas tinham certeza que ele estava mentindo, mas ouviam extasiadas suas histórias. Em um determinado momento, chamei-o para o canto e perguntei, sem rodeios:
— Nada disso que você falou é verdade, não é?
E ele respondeu, placidamente, com um sorriso:
— Essa sua pergunta prova apenas que vocês não estão acreditando em mim. Mas, até o momento, não existe prova de que estou mentindo.
— Mas você ter lutado com um tigre na Malásia me parece uma mentira óbvia.
Ele arregaçou as mangas e me mostrou, com um ar de mistério e cumplicidade, uma cicatriz no antebraço que, até onde sei, poderia ter sido feita com um tombo de bicicleta. Mas não posso provar

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Analogia

O fato de que gosto de jogar bola não me torna um jogador de futebol. Da mesma forma, ninguém pode acusar a Bruna Surfistinha de escritora só porque ela escreveu um livro, mesmo que o livro seja interessante. Afinal, existem peladeiros, jogadores de final de semana, muito bons, daqueles que a gente sempre escolhe primeiro depois do par ou ímpar. Mas, por maior que seja o sucesso deles nas redondezas, não são profissionais.
Alguém pode argumentar que o sucesso da Surfistinha foi muito maior que as redondezas, mas não é isso. É que a Internet transforma o mundo todo em uma grande superquadra (sou de Brasília, não tenho familiaridade com o termo “bairro”). Mas não há nada de mal em ser o rei da pelada, em ser conhecido na vizinhança (conhecido – falado, não). É também o meu caso, guardadas todas as proporções. O fato de que gosto de escrever não me torna um escritor. Se um dia ficar famoso, será equívoco. É mais provável que seja culpa dos outros que mérito meu.
Escritor é Saramago, Machado de Assis, Pelé e Zico (sei que ao chamar Pelé de escritor, desrespeitei a coerência do texto – mas respeitei a analogia).
Apesar de ter gostado, não considero o livro da Surfistinha uma obra de arte, assim como não é qualquer jogador que me faz levantar do sofá e fazer uma reverência. Mas, em minha miopia, ainda enxergo arte em filmes como O Senhor dos Anéis.
De vez em quando, brigo com um amigo sobre a definição de arte. Certa vez ele encerrou a discussão dizendo que a arte não tem objetivo. Desta forma, os filmes comerciais e, bom, os próprios comerciais de TV ou revista, por mais bonitos ou emocionantes que sejam não poderiam ser considerados obras de arte. Pensei também naquele gol que o Pelé não fez, driblando o goleiro sem a bola. O objetivo do futebol é o gol, Pelé ignorou o objetivo pra ir fazer lá sua arte.
Ainda não decidi se concordo com a definição ou não, mas gostei do tipo de reflexão que ela traz. Acho que a arte pode ter objetivo, sim. Mas precisar, não precisa.
Só não dá para confundir falta de objetivo com falta de técnica. Para mim, artista é o que sabe o que está fazendo, mesmo quando os outros ainda não saibam, ou nunca venham a saber. Senão, qualquer desenho de uma criança de dois anos vira obra de arte e, na minha opinião, arte não se produz ao acaso. Pra desconstruir, tem que saber construir primeiro.
Quando era mais novo, gostava de desenhar, talvez inspirado pelos quadrinhos, paixão antiga. Meu tio, artista de verdade, avaliou um dos meus desenhos e disse que o resultado final até que não estava mal, mas que eu precisaria trabalhar melhor a firmeza dos traços. Respondi, de nariz em pé:
— É o meu estilo.
E ele:
— Todo estilo precisa ser desenvolvido a partir de uma técnica. Primeiro, domine a técnica.
E ele tinha razão. Aquilo não era o meu estilo, era o melhor que eu podia fazer. Por outro lado, já vi muitos peladeiros fazerem uns golaços que profissional não faz. É que às vezes o profissional fica muito preocupado com o objetivo. Fazer gol, ganhar a partida – e esquece da arte. O peladeiro, descompromissado, vai lá, faz o chapéu e põe na gaveta, uma pintura de gol. Ainda não é arte, mas é parecido, é a fotocópia do quadro, a banda cover. Ou será que não? Vai ver é ainda mais arte, por ser uma superação, um momento único.
Uma coisa que depende tanto da interpretação do observador, como a arte, está destinada a nunca ter definição. Para o Barbosa, por exemplo, arte é quando o Coringão ganha – e pode até ser com gol de barriga.

Manual do Usuário

Se você está recebendo um e-mail como este pela primeira vez é porque algum amigo ou inimigo incluiu o seu e-mail sem o seu prévio conhecimento. A culpa não é minha.
IMPORTANTE!
Pode não parecer, mas o Ninguém Perguntou passou por uma revisão geral neste começo de ano. Por fora, é mais ou menos a mesma coisa, mas graças à adesão cada vez maior de vocês, a coisa cresceu (inserir aqui sua piada de duplo sentido favorita).
Para facilitar sua transição para o novo formato, você está recebendo, em vez de uma crônica, o seu...

Manual do Usuário do Ninguém Perguntou

Este manual é impessoal e transferível. Você pode imprimir e distribuir para quem quiser e, se conseguir vender, me repasse vinte por cento.

O que mudou?
1. Mais Usuários: Estamos chegando no número duzentos. Não chega a ser uma gripe do frango, mas o Ninguém Perguntou está se espalhando...
2. Registro: Meu sistema de e-mail já não está mais dando conta de enviar as atualizações, por isso estou fazendo um upgrade para um banco de dados. Coisa fina. O chato é que vocês terão que cadastrar seus e-mails. É fácil, basta incluir o e-mail no canto superior do site e seguir as intruções. É fácil, mas é chato. No entanto, eu aconselharia a fazê-lo o mais rapidamente possível, pois enviei o seu e-mail, junto com seus dados pessoais, com cópia para o Pudim (veja crônica no site). Vocês têm uma semana.
3. As crônicas estão mais curtas: As atualizações estão mais freqüentes, mas os textos mais curtos. É uma medida comercial padrão para garantir o atendimento da demanda. A Gamela fez a mesma coisa com suas empadinhas. Para quem não sabe, a empadinha da Gamela é famosa em Brasília, mas, com o aumento da procura, seu tamanho foi reduzido. Trata-se da ordem natural do capitalismo – Se não se pode aumentar o preço, aumente o lucro. Como vocês não pagam nada... Tudo brincadeira, gente. Jamais faria uma coisa dessas com vocês. Se as crônicas estão mais curtas é pura coincidência (sei...).
4. Merchandising: Já estão disponíveis para a compra camisetas, chaveiros e chaves-inglesas do Ninguém Perguntou. Cada um dos produtos custa R$ 350,00 e o prazo de entrega é de três meses. Essa área é nova e estamos tentando melhorar o serviço.
5. Anúncios: É possível que dentro em breve você veja anúncios no blog. O Blogger já me chamou para conversar. Isso significa que vocês estão fazendo um ótimo trabalho – continuem acessando. Acho importante avisar que não terei o menor critério e, se me pagarem, colocarei anúncio de qualquer coisa. Aumente seu pinto, megahair, campanha eleitoral, o catzo.
6. Outras novidades: VEM AÍ! VEM AÍ!

Benefícios:
1. Não há benefícios.

Garantias:1. Não há garantias.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

O Pudim

Aos nove anos de idade o Pudim assistiu a um filme de caratê, gostou, mas interpretou mal a mensagem. O ideal do personagem era o domínio da mente sobre o corpo e o Pudim dedicou toda sua vida a fazer justamente o contrário – o domínio do corpo sobre a mente. Dedicou-se tanto que conseguiu. Hoje, o Pudim praticamente não raciocina direito, mas é um exemplar magnífico da raça humana no quesito robustez física.
Uso o adjetivo magnífico no seu sentido mais amplo, claro. Quase tão amplo quanto o próprio Pudim, que tem o peitoral tão malhado e os braços tão musculosos que chega a ser maior em largura que em altura, resultando em uma criatura um tanto quanto assimétrica e de aparência parcialmente alienígena.
O Pudim é forte. Tão forte que, quando decidiu sair da empresa de reboque do irmão, a companhia faliu – ele era o reboque.
O Pudim entra em qualquer lugar, faz o que quer e nunca paga nada, pois ninguém tem coragem de cobrar ou interrompê-lo no que ele se propõe a fazer. Ele senta no restaurante, pede um de cada no cardápio e vai embora, sem dar satisfações. Quebra a vitrine das lojas, apanha a roupa que lhe atraiu e continua seu caminho. Uma vez chamaram a polícia, mas nenhum policial teve coragem de fazer nada. Nem de atirar – calcularam que a probabilidade da bala parar em um músculo e não atingir um órgão vital era alta. E se você vai atirar em alguém como o Pudim, é melhor que ele morra no primeiro disparo.
Caso você não tenha percebido, o Pudim é uma figura intimidadora. Uma verdadeira força da natureza. A última vez que o Pudim foi visto sorrindo foi em 1.983 e pode ter sido apenas uma contração involuntária da face. Não há provas de que o Pudim tenha humor, que dirá bom-humor.
O Pudim faz sexo com quem ele quiser, na hora que ele quiser e quando ele quiser e não há nada que você ou qualquer outra pessoa possa fazer para evitar.
O Pudim nunca matou ninguém. Ele acredita que morrer não é a pior coisa que pode acontecer a alguém e, quando o Pudim faz alguma coisa, é sempre a pior coisa. O Pudim é adepto do sofrimento – dos outros. Alguns colecionam selos, o Pudim coleciona técnicas de mutilação não-letais.
O Pudim é um cara sensível. Qualquer contratempo o irrita profundamente e ele fica muito nervoso quando está irritado e furioso quando fica nervoso. Certa vez um atendente de uma lanchonete trouxe um refrigerante com quatro cubos de gelo. A última coisa que as imagens da câmera de segurança do estabelecimento captaram foi o pudim arremessando a mesa para o lado e gritando:
— Eu pedi três!
O atendente nunca mis foi visto e, hoje, no lugar da lanchonete existe uma cratera.
Se algum dia o Pudim aparecer na sua frente, corra. Seja uno com os espíritos do vento e corra, corra como nunca ninguém correu antes. Não puxe conversa, não tente ser simpático, não perca tempo. Corra.
O Pudim é meu amigo e me tem na mais alta consideração. Achei que vocês deviam saber.

VEM AÍ!

Paguem as suas dívidas, confessem seus pecados, suspendam os remédios controlados, doem dinheiro para a caridade e reflitam sobre o presente, o passado e o futuro. VEM AÍ!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Não Acredito

Sempre gostei de ler Caras, mas levei um susto quando me disseram que a revista era baseada em fatos reais. Não é possível, exclamei estupefato.
O semanário claramente recria o ambiente de fantasia das novelas, ironizando e criticando o comportamento fútil que é atribuído às pessoas famosas. A Ilha de Caras, por exemplo, não existe. Imaginem, uma ilha paradisíaca onde famosos e pretendentes à fama se encontram para apreciar os prazeres da culinária, bronzear-se e ganhar faqueiros. Trata-se, obviamente, de uma coluna crítica, recheada de sarcasmo e piadas de duplo sentido. E o castelo, então? Computador, gente, computador. É tudo cenário e montagem.
Veja, por exemplo, a entrevista com o KLB que li em uma das edições mais recentes. Nela, os jovens do grupo afirmam que a fazenda onde as fotos foram tiradas é um bom exemplo do sucesso alcançado pelo grupo. O único porém é que a fazenda é do pai deles e já havia sido comprada antes do grupo existir. Eles também afirmam que o fato do pai ser um produtor musical milionário e bem-sucedido não tem nada a ver com o fato de já estarem em seu sétimo disco. Hilário, hilário. O KLB é uma paródia do Menudo, são personagens de ficção e não existem de verdade. Não podem existir.
O dia em que uma revista como Caras for um sucesso não por ser uma caricatura, mas por ser uma espécie de retrato do mundo da fama é o dia em que a humanidade pode se declarar perdida. Ou, pelo menos, confusa. Pobre de um povo que precisa tanto de ídolos que tem que ingerir, em bases semanais, as últimas fofocas e imagens destes astros. É a miséria moral. É a cultura sendo consumida como salgadinho de pacote. Cultura compulsiva e viciada, que não nos dá os nutrientes necessários para alimentar o cérebro.
É o tipo de cultura que aumenta o colesterol ruim. E será que ainda é cultura? Não sei. Chips é alimento? Para quem está há dias sem comer, talvez seja. Será que já chegamos a este ponto? Recuso-me a acreditar que em um país tão rico em inteligência, romance e folclore o que nos resta é consumir a realidade dos outros como se fossem nossos próprios sonhos. Imagine! Caras obviamente não tem nenhuma conexão com a realidade. Que idéia! Só falta agora quererem me convencer que o Big Brother não é programa humorístico.

Sala de Corte

Quem gosta de cinema já deve estar familiarizado com o termo. Na época em que o filme não era digital (mês passado), costumava-se dizer que, quando muitas cenas do filme acabavam não fazendo parte da montagem final, elas iam parar no chão da sala de corte. Os filmes, na hora da edição eram literalmente cortados e remendados em outro ponto (veja Cinema Paradiso). O que não prestava, na opinião de quem estava editando, ficava perdido.
Hoje, não mais. A versão do diretor é um requisito básico nos especiais do DVD e aquela famosa cena que a gente ficou sabendo que existia, mas nunca viu, perdeu o seu charme. O bico do peito censurado, o discurso de teor político duvidoso, a cena extra de ação. Nada disso mais é suspense, já vimos tudo. E o formato digital grava sem limites e sem custo adicional.
Mas a sala de corte ainda existe, em sua versão figurada e especialmente quando o assunto é publicidade.
Em minha carreira de cliente de agência de publicidade já fui responsável, direta e indiretamente, por várias campanhas terem ido parar no chão da sala de corte. Algumas, possivelmente, eram melhores que as que foram ao ar. Mercado, política e falta de visão podem contribuir para que isso aconteça. E democracia também. Já participei de processos onde o voto da maioria foi definitivo para enterrar uma campanha vencedora.
Não contarei nenhum segredo, nem revelarei nenhum escândalo. Primeiro, porque a ética não permitiria e segundo, porque não existe nada de sórdido em escolher uma opção em detrimento de outra. Trata-se do processo natural de evolução, já que não existe dinheiro para fazer tudo. E o processo evolucionário nem sempre é justo, como já dizia o ornitorrinco.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

VEM AÍ!

Percam quatro quilos, confessem seus pecados, usem cuecas limpas e tirem o dinheiro da aplicação. VEM AÍ!

Voltar a Ser Criança

Criança tem tudo – raiva, desejo, ansiedade, tristeza – menos preocupação. Já o adulto é aquele que está sempre preocupado com alguma coisa. Normalmente uma variante ou combinação de dinheiro, saúde e relacionamento. Obviamente, ser adulto não é fácil e muitas vezes é um caminho sem volta, o que é um perigo.
Voltar a ser criança não é ser irresponsável, já que até crianças tem responsabilidades. Guardar os brinquedos, escovar os dentes e comer verdura, por exemplo. Voltar a ser criança é conseguir, por alguns momentos, não ter nenhuma preocupação. É mais difícil do que parece, mas simples o suficiente para que a gente consiga fazer pelo menos uma vez por semana.
Para quem tem crianças em casa, a tarefa é mais fácil. Volta e meia me pego imitando animais e comendo pipoca enquanto assisto às Meninas Superpoderosas. Mas é preciso ir além. É preciso conseguir voltar a ser criança sem o auxílio de especialistas (no caso, minha filha de dois anos e meio). O verdadeiro ato de voltar a ser criança é uma conquista pessoal, que deve ser lembrada e, é claro, registrada para a posteridade.
Fiz uma lista:
1. No Star Wars 2, quando o Obi Wan pula pela janela e se agarra no robozinho voador. UAU!!!!
2. Completei a página do X-men no álbum dos Heróis Marvel. CARACA, VÉIO!
3. Cada vez que termino um capítulo da série Crise de Identidade, da Panini. Minhas mãos coçam de expectativa, esperando o próximo volume. MASSA!
4. Minha última reunião com amigos pra jogar Soul Calibur 3 no Playstation 2. IRADO!
5. Ganhei a edição especial do War no natal e, depois da ceia, fui tirar as pecinhas do plástico. DU CARAMBA!
Faça a sua lista. Se, depois de quinze minutos, você tiver menos que cinco itens, não se preocupe. Entendeu? Pare de se preocupar tanto!
Problemas são aquelas coisas que a gente resolve quando para de se preocupar com elas.

VEM AÍ

Fechem as janelas, tranquem suas filhas virgens, troquem as pilhas da máquina fotográfica e renovem seu estoque de camisinhas. VEM AÍ!

O fã

Fã é uma contração de fanático e não sem motivo. Todo fã é um cara meio doido, alguém meio obcecado. Não me excluo, podem me considerar um fã de quadrinhos, ou de HQ, que é o termo fanaticamente correto. Quem mais pode dizer, de cor, todos os trabalhos do Neil Gaiman em ordem cronológica? Só o fã, admito.
Mas não fique apontando para mim enquanto segura o riso, pois todo mundo foi, é ou será fã de alguém ou de alguma coisa. E alguns são piores que os outros.
Fãs de Star Trek são um capítulo à parte. Os caras falam Klingon e vestem aquelas malhas justas nos seus encontros. E devem passar horas treinando só para fazer aquele sinalzinho que o Spock faz com os dedos – vida longa e próspera! Nunca consegui fazer aquilo...
E tem as adolescentes histéricas, que foram dos Beatles ao Menudo, com uma rápida passagem pelo Mário Covas, e aqueles caras que vão enfiando caixa de som no carro até o veículo ter que ficar amarrado em uma árvore para não sair quicando por aí. Todo mundo doido, ou seja, normal.
Mas tem um tipo de fã que é um nível abaixo dos demais, pelo simples motivo dele achar que está um nível acima. Ele próprio jamais se consideraria fã. Ele não pede autógrafo, ele não grita, ele não se empolga. É o fã intelectual.
Ele vai à ópera e ao recital e sempre faz aquela cara de enfado. Ele está eternamente insatisfeito com as interpretações das obras-primas de seus compositores clássicos idealizados. Ele torce o nariz quando alguém que não fez mestrado em filosofia na Sorbonne comenta alguma coisa sobre seu autor de preferência.
Como todo fã, ele é sistemático e nunca admite estar errado, mas, se discordar de você, não vai brigar. Ele sorrirá de lado e balançará a cabeça, com ar de superioridade. Mas o que mais irrita no fã intelectual é que ele se acha superior aos outros fãs – você precisa ouvir as atrocidades que ele fala sobre o fã de novelas.
Mas nós nunca vamos ouvir, o fã intelectual não dirige a palavra a qualquer um. Todo fã é chato, o intelectual é chatíssimo.
Veja bem que nada impede que você seja fã de música clássica e de autores consagrados. Ser fã de um intelectual não é a mesma coisa que ser um fã intelectual. Se você for capaz de defender o seu ídolo na porrada, pode ficar tranqüilo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2006

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Estou relutante em incluir este texto no Ninguém Perguntou porque, na verdade, me perguntaram. E a pergunta foi: telão ou HDTV? Projetor ou plasma?
Alguns amigos têm o hábito de me ligar para pedir consultoria sobre assuntos que envolvem tecnologia. Computadores, videogames, som e chips em geral. Não sei onde arrumei essa imagem de moderninho, mas acho bem legal e procuro ajudar na medida do que entendo. Ou seja, quase nada. De moderninho, só mesmo a imagem. Mas como ainda não errei feio, o pessoal continua confiando e querendo saber minha opinião quando surge uma oportunidade de incluir um pouco mais de tecnologia em suas vidas.
Não vou citar nomes para evitar que o felizardo seja alvo da inveja de vocês – já basta a minha, mas chegou aos meus ouvidos esta dúvida: na sua opinião, o que seria melhor para um home theater, um projetor ou uma TV de plasma?
Bem, depende de uma série de fatores, mas um dos mais importantes é a preferência pessoal do freguês. O que o dono do home quer? Recriar o romantismo de uma sessão de cinema ou ser quase insuportavelmente cool? Para mim, seria a segunda opção. Se eu quiser ir ao cinema eu... Bem, vou ao cinema. Em casa eu quero ser é o fodão, o Grande Pubah, senhor e mestre de todas as coisas – e moderninho. Mas esse sou eu e também não posso negar que uma sessãozinha de cinema em casa tem o seu lugar.
Se dinheiro não for problema, o freguês não precisaria da minha opinião. É só entrar no site da Bang & Olufsen e pedir dois de cada. Essa loja fica na Villa Daslu e eles fazem seu projeto sob medida mesmo. Eles vão à sua casa, medem até o tamanho do seu pinto e depois mandam fazer tudo – até as caixas de som – na Dinamarca. Ei, pode ler lá no começo do parágrafo, eu falei “se dinheiro não for problema”.
Se dinheiro for um problema pequeno, a solução óbvia seria comprar um... Tchan, tchan, tchan tchaaannn! Projetor de plasma! Por essa você não esperava, hein? Confesse. Dois em um. Tudo que você sempre quis em uma coisa só. Progressive scan compatible, resolução do cacete, essas coisas. A Sony tem um por quinze mil reais.
Mas sabe o que eu faria mesmo se tivesse, digamos, um orçamento de 20 mil?
1. Comprava uma HDTV de plasma por doze. Além do fator cool, seria melhor para jogar videogames. Confie em mim – quando estiver lutando com o último chefe de Resident Evil 4, você não vai querer ter que virar a cabeça para checar lá no canto da parede como está sua barra de vida. Além disso, uma tela de plasma, um vinho honesto e uma sala mal-iluminada vão fazer maravilhas com a sua vida sexual.
2. Comprava um projetor por 6. Filmes de hoje não aproveitam tanto as maravilhas da era do vídeo digital, já que o DVD, por exemplo, tem um output de “baixa” resolução. Ou seja, faz pouca diferença ver um filme em um projetor caríssimo ou em um só muito caro. Uma boa taxa de contraste garante um resultado bem próximo do espetacular.
3. Investia 4 no som. Nada estúpido, mas algo que garantisse que meu vizinho ouvisse tão bem quanto eu.
Se você estava somando, deve ter percebido que estourei em orçamento em 10 por cento. Mas, oras, estamos no Brasil e, no fim, o importante mesmo é o cliente ficar satisfeito.

As Intermitências do Ninguém Perguntou

Sei que não é prudente, mas de vez em quando releio o que escrevo e cheguei à conclusão que fui injusto com o Saramago. Nos comentários que fiz sobre As Intermitências da Morte, acho que deixei a impressão errada. Desfaço, aqui, qualquer mal-entendido: trata-se de um livro brilhante de um autor brilhante.
Mas é como quando a gente assiste a um filme do Van Damme. Todo mundo olha para o relógio quando ele fica de papo-furado com a mocinha. O negócio é ver o quebra-pau. Assim foi com esse livro do Saramago, eu queria reflexão e metafísica hardcore logo de cara e o que ele resolveu me dar foi criatividade, leveza e bom-humor. Um bom-humor que beira o inapropriado para quem ganhou um Nobel de literatura.
A verdade é que fiquei muito feliz ao constatar que o Saramago não está nem aí para o que eu penso ou poderia pensar dele e de seus livros. E tomara que ele continue assim – surpreendente.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

Entretenimento Eletrônico

A esposa de Múcio Bortolini (o nome verdadeiro dele não é esse) havia deixado bem claro há um tempo atrás que não queria sequer ouvir falar na hipótese de comprar um Pleisteichion Dois. Bastava Múcio começar a conversa que ela disparava todos os argumentos contra: É caro, É coisa de criança, Você prefere gastar seu tempo com isso do que comigo?, Onde vamos colocar?, Começa assim e, já, já, vai querer também os acessórios, Aliena, Dá LER, etc. Podia recitar os argumentos contra de trás para diante ou em ordem alfabética.

Mas todos os amigos do Múcio tinham um e ele se sentia excluído da diversão. Um dia, depois de uma semana particularmente desinteressante no trabalho, o tédio e a angústia invadiram a mente de Múcio e ele não agüentou – apareceu em casa com uma caixa debaixo do braço.

— O que é isso, Múcio? – Perguntou a esposa estendendo o braço e fazendo o sinal de pare com a palma da mão aberta, antes que ele desse três passos para o interior do apartamento.

— É um negócio bem legal – respondeu Múcio, procurando ganhar terreno.

— É um Pleisteichion, não é?

— Não. É um PÊ ESSE DOIS slim.

— Um o quê?

— PÊ ESSE DOIS slim.

— E não é a mesma coisa?

— Claro que não!

— E qual é a diferença entre um Pleisteichion Dois e um PÊ ESSE DOIS slim, Múcio?

— Esse aqui é slim.

— Múcio, eu não te falei que não queria saber desse negócio de vídeogueime aqui em casa? Hein? Não falei? Hein? Não Falei?

— Você disse que não queria que eu usasse o nosso dinheiro...

— E de onde veio esse aí?

— Eu ganhei...

— De quem? Quem te deu um troço caro desses, homem. Fala logo e para de enrolação, que já ta me dando um calor de ver você parado em pé falando baixinho com essa caixa na mão. De quem, Múcio? De quem?

— Da minha vó.

A esposa do Múcio arregalou os olhos.

— De quem?

— Da minha vó.

— Sua vó? Mas sua avó morreu no ano passado, Múcio. E gente morta dá vídeogueime de presente?

— Antes de morrer, ela me deixou de herança quatro mil reais e falou para que eu gastasse como quisesse. Comprei um Pleisteichion Dois para mim, um relógio para você, comi camarão hoje no almoço e... Bem... Tive que completar com quinze reais e sessenta.

A esposa do Múcio estudou a situação. Era um momento delicado no relacionamento dos dois. Se deixasse o marido botar o vídeogueime dentro de casa, estaria admitindo a derrota e ela não era mulher de perder. Mas dinheiro de herança não era dinheiro deles e ele havia se preocupado com ela também, com o relógio. A próxima pergunta decidiria o futuro do relacionamento dos dois:

— Quanto custou o brinquedo?

— Novecentos reais, com dois controles analógicos, um mêmori card e dez jogos alternativos à minha escolha.

Isso só podia significar que o relógio custava bem uns três mil reais, já que o Múcio não estava com cara de quem havia comido trinta quilos de camarão no restaurante mais caro da cidade. Só podia entregar os pontos:

— Tem de corrida?

— Tem.

— Só não vai jogar na hora da minha novela, viu?

Histórias da Música

Só recentemente chegou ao meu conhecimento a história da passagem da Janis Joplin pelo Brasil, que relato agora de maneira não muito precisa. Ela chegou ao Rio de Janeiro Já no final da tarde e se hospedou, salvo engano, no Copacabana Palace. Suas malas ainda estavam na recepção quando foi expulsa do hotel. Motivo: tirou as roupas e estava nadando pelada na piscina.
Sem ter para onde ir, sentou-se na calçada, onde foi reconhecida por um fotógrafo holandês que a levou para casa e, além de dar comida à cantora, fez jus à profissão e tirou algumas fotos da mesma. Pelada, claro. Quero crer que enquanto estava na calçada Janis estivesse vestida, mas não tenho certeza. De qualquer forma, aqueles vestidões que ela usava não deveriam ser muito difíceis de tirar.
Ainda na mesma noite, Janis foi expulsa de um muquifo barra-pesada, que, ao que parece, funcionava também como casa de tolerância e foi parar na praia, bêbada e desamparada, onde foi reconhecida pelo roqueiro Sergei, que levou ela e o holandês para um cantinho da praia onde, aparentemente, os três transaram até o amanhecer.
De acordo com Sergei, que guarda as botas que Janis Joplin esqueceu em sua casa e uma foto dos dois juntos para provar sua história, ele ficou mais interessado na bunda branca do holandês ao luar, já que, para ele, Janis era meio mito, meio inalcançável, mesmo participando de uma suruba na praia.
Janis Joplin, em doze horas, viveu mais aventuras no Brasil que a maioria dos gringos que vieram se apresentar no país. Ora, eu mesmo, que moro aqui desde o nascimento, nunca fui expulso do puteiro e nunca participei de uma suruba com o Sergei – não estou reclamando, só apontando um fato. Viva, Janis.
E tem aquela do baixista do Queens of Stone Age, Nick Olivieri, que tocou pelado no Rock in Rio. Ao ser preso, respondeu que não sabia que não se podia subir ao palco pelado no Brasil. Mas como assim? É que na noite anterior ele tinha ido ao ensaio do Salgueiro e o que não faltou foi mulher pelada rebolando no palco. Tá explicado.
E tem o Jimmy Cliff, que ficou tão impressionado com o sucesso da sua música Reggae Night no Brasil que, quando voltou alguns anos depois (Rock in Rio), pediu para os produtores passagem só de vinda. Tive a oportunidade de fazer uma entrevista com ele nessa época e fiquei impressionado com sua simpatia e vitalidade. Lembro que comprei meu primeiro disco de Reggae depois da entrevista. Não virei fã ardoroso do gênero, mas gosto de ouvir de vez em quando.
E tem o Paul McCartney, que tocou para o maior público de sua vida no Brasil. Pois é, o mesmo dos Beatles.
E tem... Nossa, como tem história!

As Intermitências da Morte

Provavelmente estou errado, mas não dá para escrever uma coluna diária de crônicas sem correr alguns riscos. Então, lá vai a afirmação: Saramago perdeu uma boa oportunidade na primeira metade do livro As Intermitências da Morte. Na verdade, achei que ele ia falar de uma coisa e ele falou de outra, o que torna a culpa, se é que existe culpado em questões de preferência, tanto minha, quanto dele. Ou só minha, se partirmos do pressuposto que, quem escreve, tem o direito de escrever sobre o que bem entende, que é, coincidência ou não, o pressuposto do próprio Ninguém Perguntou.
Se você não leu o livro, pode ser prudente também não ler o que vou comentar. Não revelarei segredos da trama e nem o que acontece com os personagens principais, se bem que em um livro do Saramago o principal quase nunca são os personagens, mesmo os principais, mas é possível que eu acabe, talvez até inadvertidamente, subtraindo do seu interesse geral pelo livro que, apesar do que pode denotar este preâmbulo, é muito bom. É, para dizer o mínimo, melhor que o meu comentário. Portanto, se tiver que escolher entre um e outro, vá ler o livro.
Ninguém tem medo da morte. Não é um desejo da humanidade ter a vida eterna. O que nós gostaríamos é algo um pouco diferente: ser jovens eternamente. Temos medo é da doença, da velhice, da decomposição. Das rugas, das dores nas articulações, de sofrer um acidente e sobreviver paraplégico. Todos querem viver mais, contanto que vivam bem, podendo comer carne de porco e transando, ao menos, uma vez por semana. Queremos nossos cabelos na cabeça, os lábios cheios e voluptuosos, os seios e o pênis bem recheados e apontando para o céu. Mantidas essas condições, não precisamos viver para sempre. Pode ser aos cento e trinta, de ataque cardíaco fulminante durante o sono, sem dor. Quando alguém diz que tem medo da morte, está generalizando. Na verdade está querendo dizer o que eu acabei de dizer aí em cima.
No livro do Saramago temos a oportunidade de vislumbrar o que seria a vida sem a morte, mas não o que seria uma vida de pessoas eternamente saudáveis. E eu gostaria muito de ver onde a imaginação do Saramago nos levaria com um ensaio um pouco diferente. Um ensaio que considerasse não só que seria não morrer, mas também quais as conseqüências para uma civilização de pessoas eternamente saudáveis. Envelhecer, ficar doente e não morrer é uma situação claramente horrível. Não há muito espaço para elucubração filosófica. Ser eternamente saudável já me parece ser uma premissa bem melhor – mas será que é mesmo? Jamais saberemos. Pelo menos, não pelo Saramago.
A segunda metade do livro já é bem melhor e, além de me divertir, me levou à reflexão, que é, afinal, o que se espera de um livro do Saramago. Além, é claro, dos parágrafos longos, dos diálogos atrelados ao corpo do texto e dos personagens indefinidos.

sábado, 7 de janeiro de 2006

Vi o Filme

Toda história tem três versões. A de um lado, a do outro e a verdade. Ao assistir o filme Dois Filhos de Francisco, fico convencido da coerência dessa afirmação.

É um bom filme. Bem fotografado, bem editado, divertido e até emocionante, dependendo do seu estado de espírito. Mas tive a sensação de ter visto um grande comercial da dupla e não uma biografia. Bem, parte da produção foi bancada pelos próprios artistas e acho que não poderia ser diferente. E, para ser bem sincero, este é um pecado pequeno na era do marketing que vivemos. Que artista não se promove? É o espírito da coisa – que vale também para a literatura. Eu próprio vivo pedindo para que vocês divulguem o blog.

De qualquer forma, se for mesmo promoção, Dois Filhos de Francisco é uma boa promoção. Só fico um pouco com o pé atrás quando vejo as pessoas comentando a história como se fosse verdade absoluta. Oras, talvez seja mesmo, quem sou eu para dizer que não é?

Bem, eu sou o outro. A verdade provavelmente não está nem no filme e nem nesta crônica.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2006

Penúltimas Notícias

De vez em quando me perguntam de onde tiro inspiração para escrever o Ninguém Perguntou. De lugar nenhum, na verdade. Talvez por isso alguns textos não sejam lá muito inspirados.
Em tese, tenho mais assuntos já prontos em minha cabeça do que tempo para escrever sobre eles, e está sempre acontecendo alguma maluquice por aí que valha a pena ser comentada. Mas se eu fosse usar uma fonte constante seria o site Popular, do Terra, que serve de referência também para o Kibeloko. Só não uso mais porque chega a ser covardia, de tão esdrúxulas que são as notícias que passam por lá. O que acrescentar a uma notíca que fala sobre um cara que foi encontrado pelado na vitrine de uma loja abraçado a um manequim?
Ou que tal “Aranha Misteriosa Inferniza Idoso”, “Galo Choca Ovos e Toma Conta de Pintinhos”, “Gato Liga Para a Polícia e Salva os Donos. E a minha preferência pessoal: “Homem Vai Trabalhar Com Um Tiro na Cabeça”. Esta última eu nem li a matéria que é para não estragar a imagem surreal que formei na mente.
Apesar das notícias serem cômicas, o site parece sério. Ou seja, não há indícios de que as matérias sejam inventadas. Se forem, contudo, deve ser um ótimo lugar para trabalhar.
Será que eu teria chance? Não custa tentar. “Ritual Satânico Falha Porque a Virgem era Falsa”, “Banda de Rock Contrata Papagaio Como Vocalista”, “Homem Vestido de Tartaruga Ninja é Encontrado Morto em Monumento Histórico”, “Lançada Grife para Corcundas”, “Crente Desmaia Após o Garçon Perguntar se Ela Gostava de Surubin”.
Rapaz, seria divertido.

terça-feira, 3 de janeiro de 2006

Por onde anda o Chico?

Estava organizando meus CDs, atividade típica de final de ano, quando me dei conta: por onde anda o Chico Buarque?
O Caetano de vez em quando emplaca um sucesso em um desses filmes nacionais que concorrem ao Oscar e nunca ganham. O Gil virou Ministro. Mas e o Chico?
A última notícia que tive dele foi de um rolo com uma mulher casada que não sei se é verdade e não me interessa. Tô curioso é com a produção musical do sujeito.
Parece que ele tem lançado uns discos e até um DVD especial. Tem coisa inédita? E, se tiver, é bom? Estou por fora. Não ouço o Chico no rádio, não vi ele em nenhum especial de televisão, nenhuma participação especial, nada. Não estou querendo dizer que ele não está fazendo nada disso, pode ser só eu mesmo que não estou vendo, mas desde quando o Chico virou underground? Daqueles artistas que você tem que revirar as prateleiras da loja para achar o CD? Cadê o Chico, gente?
Tá certo que já não temos mais a ditadura para inspirar obras-primas como Apesar de Você e Roda Viva, mas o mundo está longe de ser um lugar perfeito.
E as novelas da Globo? A América veio e foi embora e ninguém falou nada. Nenhum artista conseguiu captar o desespero do nosso inconsciente coletivo e transformar em ironia. Agüentamos calados. E o Dirceu? Será que o Dirceu não rende nem uma marchinha? Ô, Chico, cadê você?
Bem, provavelmente está cuidando da vida. Que é o que eu deveria estar fazendo em vez de escrever blog.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Receita

Existem cinco formas de você ter sucesso na vida e vou listar todas elas. Imprima esta crônica e guarde no bolso para futuras referências.
A primeira e mais fácil é simplesmente nascer rico e ter um QI acima de 60. Sucesso instantâneo.
A mais exclusiva de todas é ser uma pessoa brilhante com idéias brilhantes, assim como o Einstein ou o John Lennon. Não tem dedicação, estudo ou sorte que podem te transformar em alguém assim. Ou você é, ou você não é. Se você tem mais de dezessete anos de idade e ainda está na dúvida, vou facilitar as coisas para você: não é o seu caso.
Agora, as receitas para o sucesso intermediárias. Para todas elas, você precisará de um misto de dedicação e sorte.
Você pode ser um sujeito medíocre com uma ou mais idéias brilhantes. Bill Gates não era exatamente um visionário, ele também não imaginava onde poderia chegar com o Windows. Tentou vender o sistema operacional para a IBM, mas a empresa não quis e sugeriu uma porcentagem nos lucros de cada PC vendido com o Windows. Fizeram do Nerd um milionário. A idéia havia sido genial, mesmo que Gates não soubesse exatamente o que fazer com o que havia inventado.
Outra: você pode ser um cara brilhante com uma idéia medíocre. Fazer um blog não é uma idéia das mais criativas – as centenas de milhares que já existem registrados são prova disso. Mas o cara do Kibeloko foi inteligente e preciso. O resultado é que o país todo acompanha suas montagens no Photoshop e ele agora é roteirista do Caldeirão do Huck e por aí vai.
Outro bom exemplo é o do site million dollar page. Um americano teve a idéia de vender cada pixel por um real em uma página com um milhão de pixels. Se a idéia lhe parece esquisita é porque é mesmo, mas, de alguma forma, ele fez a coisa funcionar e botou um milhão de dólares no bolso, às custas da credulidade de seus clientes. Se bem que os anunciantes vão começar a ter um bom retorno agora que o site virou notícia.
Mas não é porque deu certo que a idéia é boa. Algumas pessoas acham que não se pode criticar o que deu certo. Ei! Tem gente que dá sorte. O Felipão na última Copa do Mundo é um bom exemplo. Foi criticado por todo mundo - será que só ele tava certo? Ganhou, é competente e está de parabéns. Acho o cara brilhante, pois conquistou o sucesso com idéias medíocres – não é fácil.
A quinta forma de ter sucesso é ser uma pessoa medíocre, com idéias medíocres em um país medíocre. Dizem que, nesse caso, a pessoa pode chegar a altos cargos de liderança, chegando a comandar nações inteiras. No momento, não me ocorre nenhum exemplo.
Ao longo da história, de vez em quando aparece um ou outro doido (teve um barbudo, um careca e um indiano, dentre outros) que dá a entender que o sucesso de verdade é quando a gente não liga pras convenções da sociedade, entende que fama e dinheiro têm valores muito relativos e, simplesmente, procura dar o melhor de si em tudo o que a gente faz.
Pra esses caras, ter sucesso é ser feliz. Pode uma coisa dessas?

Onde você estava quando...


Com a possível exceção do Bush, todo mundo sabe o que estava fazendo quando as torres gêmeas caíram. Nossa memória tem dessas coisas. Em um momento, estamos batendo a cabeça contra a parede tentando lembrar onde diabos está a chave do carro que, meu Deus, estava bem na minha mão não tem um minuto e, no momento seguinte, estamos revivendo nitidamente aquela tarde na quinta série quando a professora peituda finalmente foi dar aula de camisa branca e sem sutiã. O que, na verdade, nunca aconteceu – o que não impede a imagem de estar bem clara em minha mente.
Das festas de final de ano, o Ano-Novo é a que tem mais potencial para momentos inesquecíveis. Passamos o Natal normalmente com a família e essas festas de família tendem a se parecer umas com as outras. Não foi em 98 que a Tia Moema tropeçou e caiu de cabeça no peru do Osvaldinho? Ou foi em 96? Não... Em 96 o Osvaldinho não poderia ter levado o peru, pois ainda estava na prisão. Enfim, não lembro.
Já o Ano-Novo é uma data cheia de antecipação, de promessa de recomeços e de preparativos. Da cor da calcinha ao champanha, nada pode ficar ao acaso. A única coisa que contribui para o esquecimento da data é o alto consumo de álcool, mas ainda assim o potencial para um momento inesquecível está lá.
Onde você estava quando o relógio assinalou meia-noite?
Eu estava dando um beijo na testa da minha filha, que dormia tranqüila e profundamente, apesar dos fogos.
Feliz Ano-Novo.

Pautas (para não dizer outra coisa)

Ano-novo, vida-nova, felicidades, sucesso, realizações, etc. Mas vamos trabalhar que o Ninguém Perguntou não vai se escrever sozinho.
A escolha do primeiro tema do ano é delicada e, sem dúvida, não faltam opções. Podemos olhar para o passado ou para o futuro, retrospectivas e previsões, essas coisas.
Mas o que quero mesmo é me livrar de algumas notícias que sobraram do ano passado que ainda estão na minha cabeça.
Por exemplo, o pinto do Super-homem. A preocupação da produtora de disfarçar com efeito especial o tamanho do pinto do ator que interpretará o Super garantiu justamente o que eles não queriam – quando o filme for lançado, todos os olhos estarão voltados para a sunga do sujeito. Que, coitado, além de bonitão, rico e sortudo (por ter descolado um dos papéis mais desejados do ano), ainda vai ficar com fama de ter o pau grande. O mundo é muito injusto.
Outra tendência do fim do ano foram as putas em pauta. Primeiro, com a notícia sensacional da criação da Daspu, uma grife carioca que vai criar modelos inspirados nas roupas de trabalho das “meninas”. Genial. Já tem alguma coisa para vender na Internet e tomara que seja um sucesso. Se eu fosse mulher, compraria.
Depois, veio o sucesso de vendas O Veneno do Escorpião, diário da garota de programa Bruna Surfistinha. Não vai ganhar nenhum Nobel da literatura, mas achei uma porrada na hipocrisia da sociedade, impressionante e ilustrativo.
Impressionante a disposição da menina para o sexo e a inocência (não me ocorre outra palavra) da sua narrativa. E algumas experiências que ela conta são gráficas o suficiente para tirar o sono. Pra vocês terem uma idéia, não posso ver uma luva cirúrgica que saio correndo do recinto, sem olhar para trás.
E chega de hipocrisia né, gente? Não é a toa que a prostituição é a profissão mais antiga do mundo - o produto tem saída. Ou você acha que ainda haveria tanta prostituição no mundo se ninguém estivesse interessado?
Parabéns a Bruna Surfistinha pela honestidade e pela disposição e às garotas da Daspu, pela ousadia e criatividade. Tomara que essa mulherada tome conta do país em 2006. Sacanagem por sacanagem, sou mais elas do que qualquer políticozinho (olha o trocadilho!).
E nada como romper o ano (adorei essa expressão) falando besteira e comendo chocolate. E já que o chocolate acabou...