quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Um homem prevenido vale...

A volta dos Rolling Stones ao Brasil me fez lembrar de um assunto importante que, já faz um tempo, eu queria abordar aqui no site: mortos-vivos.
Antes de rir, quero ver se é capaz de responder a uma simples pergunta: você sabe exatamente o que fazer na eventualidade de um ataque de zumbis? Provavelmente não. Você já deve ter pensado em como proceder no caso de uma ou duas catástrofes naturais e, se mora no Rio de Janeiro, em todas as catástrofes naturais, de praga a terremoto, passando por enchente e arrastão, mas nas catástrofes sobrenaturais ninguém pensa – é justamente onde somos mais vulneráveis.
Mas comigo não. Sou um sujeito prevenido. Dentes de alho nas janelas, crucifixo na parede e um revólver com balas de prata no criado-com-deficiência-fonética (como odeio o politicamente correto!). “Mas e quanto aos zumbis?”, você pergunta. E eu poderia simplesmente responder: “Ha, ha!”, mas aí a crônica acabaria muito cedo, por isso darei uma resposta mais completa.
1. Armas: Nunca enfrente um zumbi no mano a mano – eles nunca estão sozinhos. Lembre-se de que apenas um tiro no cérebro pode pará-los, por isso evite pistola, a não ser que sua mira seja excepcional. Prefira espingardas de cano serrado e carregue sempre munição extra. Um lança-chamas também é uma boa opção, mas é difícil de conseguir. Achei na Internet uma planta para montar um com peças caseiras: gasolina, panela de pressão, mangueira de jardim e uma Barbie sem cabeça. Quase montei, mas minha filha não liberou a Barbie.
2. Barricadas: Ao primeiro sinal de levante dos mortos, reúna os vizinhos, invada e tome conta de um supermercado, fechando as portas com seus próprios veículos. Tenha certeza de que os mortos-vivos estão mesmo atacando, senão vai dar rolo. Já optei pelo Extra, que tem vidros à prova de bala.
3. Proteção: tanto no caso de vírus geneticamente alterado quanto no caso de maldições arcanas, a condição de zumbi pode ser transmitida se você for ferido por um deles. Armaduras de metal oferecem boa proteção, mas acabam com sua mobilidade e dão um cc danado. Eu usarei roupa de neoprene de um centímetro de espessura, aquela para mergulhos em alta profundidade, ninguém consegue morder ou arranhar através daquilo. A única desvantagem é moral: fico parecendo um teletubbie de cavanhaque.
4. Convivência com outros humanos: você provavelmente se aliará a uma enfermeira, um policial, dois adolescentes, um negro (por causa das cotas), uma gostosa e mais um ou dois personagens randômicos. Vocês irão discordar de algumas coisas, mas, eventualmente, chegarão a uma relativa harmonia e é neste momento que os zumbis atacarão. Haja o que houver, não coma a mulher mais gostosa do grupo, o cara que come a gostosa nunca sobrevive.
Se tudo o mais falhar, corra. Se for pego, o jeito é se conformar e adaptar-se à dieta de cérebro humano. Afinal, para tudo na vida dá-se um jeito.

Falta de assunto 2

Estou com uns restos de idéia que andam me incomodando. Elas não se desenvolvem, não ganham corpo nem tomam forma de crônica, mas também não me abandonam. Ficam ocupando espaço no cérebro, flutuando incomodamente, como aquelas bolinhas do chocolate em pó que não se misturam ao leite.
Resolvi fazer um “limpa” antes que estes coágulos me façam ter um aneurisma criativo, mas a cirurgia não é simples. E envolve riscos.
Colocar uma idéia no papel simplesmente como ela está na minha cabeça resultaria não apenas em um texto ruim, mas em um amontoado incompreensível de palavras. Uma certa precisão no momento de extrair o pensamento é fundamental, com cuidado para não deixar nenhum restinho da idéia que se quer eliminar. Algumas idéias são particularmente pegajosas e os neurônios afetados por elas nunca mais ficam os mesmos, mas não vou adiar o inevitável. Com vocês, as idéias descartadas do Ninguém Perguntou:
1. Identidades secretas: você sabia que o Besouro Azul é, na verdade, Ted Kord? E que o Falcão é o Sam Wilson? Estava querendo achar uma oportunidade para revelar esses segredos dos quadrinhos adquiridos após a leitura de milhares de gibis, mas não consegui achar uma forma de deixar a informação engraçada ou, pelo menos, interessante.
2. Loucos: tem o francês que se orgulha de peidar, o japonês que acha que é Jesus e a chilena que ficou grávida aos cinco anos de idade. Esses temas são tão bons que acho que nunca vou escrever sobre eles – tenho medo de overdose.
3. Dario: não costumo citar nomes, mas para garantir o sucesso da cirurgia foi preciso eliminar a idéia em seu estado cru, sem a perfumaria do pseudônimo, que só é adicionada nos estágios finais da produção do texto. Mas acho que o Dario não vai se importar, mesmo porque não vou dizer o que eu escreveria sobre ele. Se dissesse, estaria aproveitando a idéia e esta é justamente uma das que estou jogando fora.
4. Múcio Bortolini na Disney: hmmm... Essa eu talvez ainda use um dia.
5. O efeito da internet, dos blogs e dos flogs na individualidade do jovem contemporâneo: vocês não podem imaginar o alívio que foi tirar isso da minha cabeça.
Tem mais coisa, mas agora que já abri um espaço acabei de lembrar que tenho mais o que fazer. Até amanhã.

Falta de assunto

Tive medo que um pensamento me escapasse e resolvi transformá-lo em texto antes que fosse tarde demais. Não é nada particularmente importante e, inclusive, envolve dois temas já abordados aqui no Ninguém Perguntou. É até mesmo possível que me acusem de falta de assunto, mas já fui acusado de coisas piores, a maioria delas injustamente, e sobrevivi.
Mas sobre o que eu queria falar mesmo? Aí, não falei que era perigoso esquecer? Lembrei!
Acho que a Bruna Surfistinha é uma espécie de Geni moderna (ou pós-moderna). Com um misto de orgulho, competência profissional e falta de alternativa ela redime a profissão de garota de programa, dando rosto, voz e sentimento ao ofício. Mas não se iluda Bruna, pois as mesmas pessoas que se impressionaram com o seu retrato da vida sem o véu da hipocrisia (e sem muitos outros filtros) continuam fazendo piadinhas sobre você e tudo que você fez. Ainda é muito fácil te desrespeitar e acho que vai ser por muito tempo. Joga pedra na Geni, ela dá para qualquer um.
Chico Buarque foi muito sábio em seu retrato da sociedade que aceita o inaceitável apenas enquanto pode tirar proveito da situação – as piores verdades são mesmo as que o espelho nos diz. Ninguém nunca aceitou ou entendeu realmente a Geni. Espero que com a Bruna seja diferente, mas duvido.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Rio, Rio...

Definitivamente a cidade do Rio de Janeiro tem alguma coisa contra mim. Em minha defesa posso dizer, com a consciência tranqüila, que só comecei a reclamar da cidade muito tempo depois dela me agredir, sem provocação ou motivo.
No Rio eu já fui assaltado, baleado, arrastado pela maré, pego em uma tempestade monumental, pisoteado, desidratado, agredido e insultado, isso só para citar os acontecimentos mais marcantes, evitando os pequenos aborrecimentos. Se bem que evitar por quê?
Veja o que aconteceu nesta minha última ida a cidade, por exemplo. Peguei um taxista que, por um motivo desconhecido, fazia questão de andar entre uma pista e outra, com a roda passando por cima daqueles tijolinhos que dividem as faixas. Depois de dez minutos com o carro quicando nesses tijolinhos até a Madre Teresa manda o papa tomar no cu, fácil, fácil. Imagine eu, que de santo não tenho nem a vocação.
Sei que a cidade trata bem outras pessoas e não entendo o que fiz para merecer tamanha desconsideração. Nunca joguei lixo na rua, nunca depredei nenhum dos seus monumentos, sempre elogiei suas belezas naturais. De qualquer forma, desculpa qualquer coisa.
Entendo que a cidade fique irritadiça e estressada, com tudo que tem acontecido nos últimos anos. Se o Garotinho e a Rosinha morassem lá em casa meu humor também não seria dos melhores. Mas tudo tem limite.
Minhas últimas idas à cidade têm sido como visitas ao proctologista – necessárias, mas desconfortáveis. Porém, da minha parte, não guardo ressentimentos e estou disposto a esquecer o passado se a cidade parar de me perturbar.

Reflexões com batata-frita


Antes de ler, esteja avisado que este texto provavelmente não vai a lugar algum.
Super-heróis têm o hábito de desafiar não apenas as leis da física, como era de se esperar, como também as leis da lógica. Não faltam exemplos.
Se o escudo do capitão América é indestrutível, como ele foi forjado? E mais: o escudo também nunca se suja. E a Mulher Invisível? Se a luz a atravessa, ela deveria ficar cega quando desaparecesse. E não vou sequer comentar o famoso caso das calças do Hulk que, não importa o estágio da transformação, sempre permanecem no sujeito, mantendo a censura livre da história.
Recentemente, e especialmente depois do Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e de Watchmen, de Dave Gibbons e Allan Moore, os heróis estão mais realistas, com motivações psicológicas mais complexas e respeitando um pouco mais a lógica, mas me ocorreu que isso não é um fenômeno recente.
Nos primórdios dos quadrinhos, nos tempos do genial Alex Raymond, os heróis eram bastante realistas. Flash Gordon, Príncipe Valente, Nick Holmes, Terry (o dos piratas), Tarzan, Mandrake, Fantasma. Se você for exigente, podemos deixar Mandrake e Fantasma de fora da lista, mas o fato é que se tratavam de pessoas em circunstâncias incomuns, mas sem superpoderes mentirosos. Ninguém encolhia, arremessava carros pela avenida ou pegava fogo. Eram homens extraordinários, mas homens. E foi só agora, escrevendo sobre o assunto, que me ocorreu uma coisa interessante.
Naquele tempo, as leis da física tinham prioridade, mas a lógica não existia. Os heróis eram honrados e íntegros, como nenhum ser humano pode ser. Hoje, o aspecto emocional, político e social é muito mais explorado nas histórias, mas continuam jogando carros uns nos outros. A lógica tem prioridade sobre a física.
Eu avisei.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Parece mentira

Salvo engano, foi nesta semana que me chamaram de mentiroso. E eu achei ótimo. Seguem as explicações.
Contei uma história, não lembro exatamente qual, da minha época de adolescência e meu interlocutor, incrédulo, não teve dúvidas e soltou, com mais sinceridade que educação:
— Isso você está inventando, né?
Não fiquei chateado. Era um amigo e o amigo não faz essas coisas para nos constranger, fala porque é de casa. Na verdade, fiquei feliz ao constatar que algumas das coisas que já fiz parecem mentira. Deu-me um certo prazer a percepção de que certas coisas que vivi estão além do tédio e do cotidiano.
O Bono Vox, o Mandela e a Bruna Surfistinha devem ter histórias mais interessantes – e mais inacreditáveis – que as minhas, mas também tenho minha cota, como aquela vez que fugimos da polícia com o violão em cima do capô do carro ou aquela outra confusão que envolveu uma capa da Playboy, um mexicano imaginário e uma sala à prova de som. Bons tempos, bons tempos.
Lembrei-me do caso do Paulão, um sujeito simpático, mas meio fanfarrão, que afirmou que tinha, palavras dele, “comido a Madonna”.
— Quando ela esteve no Rio – completava.
Na época, o Paulão ficou hospedado no mesmo hotel que ela e, embora fosse possível, todo mundo considerava improvável. Pegamos no pé dele por um tempo e depois deixamos o assunto de lado.
Mas tinha uma coisa que me incomodava: era a tranqüilidade do Paulão. Todo mundo ria dele e o acusava, no mínimo, de ter uma imaginação fértil. E ele? Botava as mãos nos bolsos e sorria, sonhador.E você? Tem uma história inacreditável para contar? Se não tiver, está na hora de começar a pensar em viver algumas.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Guerra Santa

Se ando me informando direito, este é mais ou menos um resumo do que aconteceu até agora: prédios dinamarqueses, principalmente embaixadas, destruídos em vários países, bandeiras da Dinamarca queimadas, agressões, pelo menos cinco mortos, o rompimento das relações comerciais entre o Irã e a Dinamarca, fogo, marchas nas ruas, revolta generalizada.
Tudo porque um jornal dinamarquês, o Jyllands-Posten, publicou uma série de caricaturas cujo protagonista era o profeta Muhammad, no que foi copiado por alguns outros periódicos de outros países.
Que a atitude seja de mau gosto ou desrespeitosa não está em questão. Os muçulmanos têm todo o direito de sentirem-se ofendidos e exigirem retratação de quem publicou a tal charge, assim como quem publicou, se ainda acreditamos que é possível um mundo com liberdade de expressão, tem todo o direito de publicar.
A resposta extremista às charges mostrou ao mundo um islã fanático e intolerante, associando ainda mais a imagem do muçulmano ao terrorismo, à guerra e à violência, o que é uma pena e, quero crer, uma mentira. O estereótipo do muçulmano terrorista mostrado nas charges ainda me parece exagerado e inadequado, apesar das declarações do xeique Abu Sharif, porta-voz do grupo militante Osbet al Ansar tentarem me convencer do contrário. Ele afirma não estar satisfeito com as manifestações e que “A solução é o massacre daqueles que ofenderam o islã e o profeta”.
Outra coisa que me impressionou é como o conceito de nação do Irã – e de boa parte da população muçulmana espalhada pelo globo – é diferente do conceito ocidental. As retaliações, em sua maior parte, foram contra a Dinamarca e não contra os periódicos. Duvido que os editores do jornal tenham consultado o primeiro-ministro antes de publicar as ilustrações. Os jornais têm sua independência, mas essa parece ser outra definição com entendimentos divergentes.
Agora um jornal do Irã resolveu criar um concurso de charges sobre o holocausto. Parece mais uma ofensa, e é claro que é, pois parte do apelo humorístico da charge está mesmo na ofensa, mas foi a melhor idéia até agora. Pelo menos não envolve fogo, pedras e mais violência.
Fico imaginando se algum tipo de provocação poderia me levar a uma reação semelhante e pensei no que faria se eu abrisse o jornal e visse, sei lá, alguma coisa aviltante envolvendo alguém da minha família, alguém que amo muito. Com certeza, deixara de comprar e procuraria processar o jornal. Mas será que chegaria a ir jogar pedras na redação? Se chegasse, estaria errado.
Também fiquei, enquanto escrevia sobre o tema, meio incomodado, com uma sensação esquisita, como se estivesse sentado sobre um barril de pólvora.

Personal Inteligence Agent

Assim que sobrar um dinheirinho vou contratar um espião. Meu personal inteligence agent. Pode ser um agente da CIA, do MI5, qualquer especialista em conseguir informação, pois cheguei à conclusão que minha vida seria outra se eu tivesse a informação correta para o momento correto.
Desde que nascemos a sociedade se ocupa em plantar desinformação em nossas cabeças. Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e o bicho-papão não passam de táticas diversionárias, estratagemas para nos fazer olhar para o outro lado enquanto a verdade passa pelo outro, na ponta dos pés.
Imagine como sua vida seria mais interessante sem o Papai Noel. Afinal, acreditamos no bom velhinho justamente no auge da nossa influência sobre nossos pais, quando podemos usar armamentos pesados como a birra e até armas químicas, como cocô e xixi em locais inadequados, para fazer com que os parentes cedam a qualquer desejo nosso. Ficamos gastando energia para não comer verdura quando, na verdade, poderíamos estar fazendo todo tipo de chantagem emocional para conseguir o kit mergulhador do Falcon (pode rir, tenho mais de trinta anos). Mas, por causa do Papai Noel, além de não termos um alvo preciso para nossos apelos, somos coagidos a nos comportar direitinho.
E a primeira transa? Tudo que eu precisava naquele momento era um pouco mais de informação. A missão foi concluída com êxito (e, porque não dizer, com êxtase), mas um diagrama preciso da localização do clitóris teria sido fenomenal. E saber que a pronúncia certa era clitóris e não clítoris também não teria sido mal.
Hoje, continuamos desinformados apesar da Internet, da TV, do rádio, do celular e dos anúncios publicitários. No meio disso tudo, achar a informação correta e necessária é como encontrar o Wally, uma tarefa que requer paciência e visão acurada. E não ando tendo nem um nem outro. Só isso pode explicar o fato de me ter passado desapercebida toda essa confusão das charges até hoje. Que coisa. É claro que vai ter crônica amanhã sobre isso.

O efeito Peter Parker

Depois do sucesso do filme, praticamente todo mundo já sabe que a identidade secreta do Homem-Aranha é o Peter Parker. Ou seja, de secreta, a identidade não tem nada. Mas, mais que o verdadeiro nome do herói, o grande público pôde conhecer as características que definem o personagem Peter Parker: o azar e a incapacidade de conviver com a rotina por causa de sua vida dupla.
De vez em quando, nossas vidas são invadidas pelo efeito Peter Parker. Estamos sempre atrasados para tudo, não conseguimos nos concentrar nem no trabalho nem nos estudos, nossos relacionamentos pessoais vão ficando meio de lado e o máximo que a gente consegue fazer é ir levando.
Não é que estejamos com preguiça ou deprimidos, é que as coisas simplesmente conspiram para dar errado. É o despertador que não toca, é o pneu que fura, é o Duende Verde que fugiu da prisão de novo. Enfim, o efeito Peter Parker.
Não é a lei de Murphy. A lei de Murphy acontece quando as coisas dão errado, o efeito Peter Parker entra em ação quando as coisas ficam mais ou menos, se agarrando no galho de árvore para não cair no desastre.
O Peter, pelo menos, veste um colã azul e sai se agarrando nas coisas para salvar vidas e combater o crime, o que, apesar de não ser exatamente másculo, é uma excelente desculpa para ter uma rotina atribulada. Não deve ser o que acontece com a maioria de nós. Você, não sei o que anda fazendo com seu tempo livre. Eu, uma vez, cheguei até a vestir um colã rosa-metálico, só que não foi bem para combater o crime e prefiro não tocar mais no assunto.
Mas é por isso que a situação não chama efeito Homem-Aranha. Tropeçar na rotina não é coisa de super-herói, isso é coisa muito nossa, meros mortais.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

Cerco

Todo mundo tem uma camiseta, todo mundo tem uma marca, todo mundo tem uma causa. Ninguém tem dinheiro para comprar todas as camisetas, ninguém tem cabeça para gravar todas as marcas, não existem artistas suficientes para apoiar a todas as causas.
Todo mundo está ouvindo “Eu Vou te Excluir do Meu Orkut”, todo mundo tem um blog, todo mundo lê seus e-mails todos os dias. Ninguém ouve mais nada, ninguém faz mais nada, ninguém lê mais nada.
Todo mundo tem celular, todo lugar tem câmeras de vigilância, o seu chefe sabe quais os sites você acessa. Ninguém mais tem privacidade.
O tempo está mais curto, as distâncias estão menores, a informação mais disponível. O nível de stress do ser humano médio hoje é o mesmo de um soldado na segunda guerra mundial. O trânsito, o trabalho, os compromissos, as contas, os bancos, a necessidade de ter. Estamos cercados.
Mas já começaram as iniciativas para furar o cerco. Os Doces Bárbaros voltaram. Eu sei, eu sei, patrocinados pelo Pão de Açúcar, mas voltaram.

600 mi pulam para tentar mudar órbita da Terra

A idéia é boa. Cientistas alemães chegaram à conclusão, certamente após horas e horas e horas de estudo muitíssimo sério, que, se seiscentos milhões de indivíduos pularem ao mesmo tempo, a Terra pode ser deslocada de sua órbita.
Se os 600 mi (adoro essas intimidades que os jornalistas têm com os números) que pularem forem ocidentais, o resultado será a diminuição do aquecimento global, o que é legal.
Se os 600 mi forem orientais, parece que a torre inclinada de Pisa cai de vez, mas as possibilidades de um terremoto na Argentina são grandes. Ou seja, de qualquer maneira, saímos ganhando.
Já tem até dia marcado para a pulação, 20 de julho. Embora eu prefira pular em dia de jogo do Brasil, contem comigo. Só me avisem direitinho a hora pra que eu não fique pulando o dia inteiro, o que, além de cansativo, poderia acabar fazendo que a Terra se deslocasse além do necessário, gerando efeitos indesejados como, sei lá, a extinção do tuiuiú rosa. Se aceitam sugestão, o evento podia ser na hora do Jornal Nacional e coordenado pelo William Bonner:
— Um, dois, três e ... Já!
E, após um pequeno tremor na tela:
— Boa noite.
De qualquer maneira, essas supermobilizações sociais podem ter outras aplicações.
Já pensou se os trinta e quatro milhões de pessoas que escrevem blogs no mundo inteiro usassem esse tempo para fazer algo de produtivo para a sociedade?
E se todos os americanos trocassem de lugar com todos que moram no Oriente Médio e cada um passasse três meses no lugar do outro? Eu sei que só o tempo de todo mundo se deslocar de um lugar para outro seria muito maior que três meses, mas a idéia é essa mesmo.
E se todo mundo que tivesse bigode fosse morar na Austrália? Não sei qual seria o resultado prático, mas a Austrália seria um lugar engraçado de se visitar.
E se todas as mulheres bonitas e gostosas do mundo inteiro viessem bater à minha porta de langerie, com o olhar lânguido e com a boca entreaberta? É melhor inclusive fazer o seguinte: como sei que algumas mulheres têm a auto-estima meio baixa e podem não se considerar bonitas e gostosas, mesmo sendo, é melhor que venham logo todas as mulheres do mundo de uma vez. Chegando aqui eu decido.

Saudade

Para falar de saudade é preciso estar embebido do sentimento. É proibido transformar o termo em literatura ou música sem aquele brilho nos olhos, sem o suspiro sentido, sem o sorriso de Esfinge ou sem o uísque na mão. No meu caso, o uísque metafórico, porque não bebo. O que é uma vantagem, pois posso agitar minhas pedras de gelo imaginárias e digitar no computador ao mesmo tempo.
Saudade é estar feliz por estar triste, é ter um sorriso nos lábios e lágrimas nos olhos. Saudade é metafísica. È mais que querer voltar no tempo, é querer que o passado venha até você e se faça presente novamente.
Saudade não é querer a primeira vez de novo, é querer a segunda vez que nunca existiu.
Saudade é a voz do meu pai, que me acompanha, mesmo quando meu pai já não está mais comigo.
Não se mata a saudade, é a saudade que às vezes mata a gente. Mas podemos adormecê-la, domá-la e levá-la para passear no parque em uma tarde de sol. A saudade enfurecida e selvagem é uma doença, nem sei se ainda é saudade. A saudade só nos serve plácida, no máximo severa, como a avó que nos pegou com a mão no pote de doce.
Desespero, melancolia, arrependimento – nada disso é saudade. Lá em casa, a saudade é recebida de braços abertos, pois saudade é amizade distante, é o abraço não dado e a história que espera para ser contada. Saudade são os momentos que dividimos com alguém que não está por perto.
Tenho muita saudade, de muitas coisas diferentes. Sinal que minha jornada, até aqui, tem sido rica e feliz, pois ninguém tem saudade de sofrimento.
Estava com saudades de escrever para o Ninguém Perguntou.