quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Elegia (em prosa)

Ontem presenciei uma discussão interessante. De um lado, uma pessoa que acreditava que Deus nos dava a vida e a morte, que a maior parte do que nos acontecia era a vontade de um ser supremo e sábio, que ajustava nossa vida com uma lógica além da nossa compreensão.

Do outro, alguém que acreditava que somos muito mais responsáveis sobre nossas vidas do que queremos acreditar. Vivemos agradecendo ou culpando Deus quando, na verdade, deveríamos estar prestando mais atenção em nossas próprias ações.

Acho que os dois argumentos estão certos, o que, por conseqüência e ironia, significa que os dois também estão errados.

É óbvio que temos controle sobre nossas vidas e é óbvio que determinadas coisas que nos acontecem são conseqüências, diretas ou indiretas, de algo que fizemos, ou, mais comumente, que deixamos de fazer.

Mas existe o imponderável. E entre todas as coisas imponderáveis, a maior delas é a morte. Não temos como saber quando vamos morrer e não temos como impedir ou prever a interferência da morte.

Até mesmo suicidas falham ocasionalmente. Acidentes impressionantes por sua brutalidade, volta e meia deixam sobreviventes sem um arranhão. O doente terminal que sem dúvida morreria ontem, está vivo hoje e talvez morra apenas amanhã.

No instante que em que ganhamos a vida, ganhamos também a morte. A morte é algo certo, que nos acontecerá a todos e é, possivelmente, o maior de todos os imprevistos.

Descanse em paz, tia Neli.


 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Sexo gratuito não tem preço

Por força dos meus hábitos de entretenimento, acabo circulando muito em sites americanos. Alguns muito interessantes, outros nem tanto, mas todos apresentam uma característica cultural interessante.

Nas críticas de cinema, nas críticas de videogames e nas críticas de jogos de tabuleiro é muito comum ver os autores classificando qualquer cena de sexo ou referência a sexo como gratuita e desnecessária.

Até onde sei, sexo é necessário não apenas para a reprodução, mas para a liberação de endorfinas, alívio do estresse, gerar interações emocionais significativas e para deixar a vida mais interessante – se for gratuito, é ainda melhor.

Mas os americanos têm problemas em aceitar o sexo como um subproduto natural do entretenimento. Explosões, mortes, eviscerações e violência em geral são mais aceitáveis e raramente vistas como gratuitas, mas o sexo normalmente não é bem-vindo pelos críticos e pela parte hipócrita da população.

“Para que falar de sexo?”, eles perguntam. Nunca vi ninguém perguntar: “por que as vísceras do zumbi têm que estar despencando de sua barriga?”. E a resposta é a mesma para as duas perguntas: qualquer coisa que tenha vísceras de zumbis e sexo (não necessariamente ao mesmo tempo), fica mais divertida. Mas os americanos têm dificuldades em ver sexo como diversão.
Essa perspectiva não é absoluta e vem mudando a passos largos, uma vez que a produção erótica associada ao entretenimento está aumentando no mundo todo, inclusive nos Estados Unidos – e fazendo sucesso, inclusive nos Estados unidos.

Mas isso não me consola.

Acabo de comprar o jogo de tabuleiro do Beowulf, baseado no filme de James Cameron. O jogo está repleto de cenas do filme, mas não tem nenhuma foto da Angelina Jolie pelada (ela fica nua o filme todo). Nem um peitinho, nem uma bundinha, nem a boquinha carnuda – só uma silhueta distante, o que é um absurdo. Se você tem a oportunidade de mostrar a Angelina Jolie pelada, você mostra a Angelina Jolie pelada e pronto, sem discussão.

Recato é uma coisa, mas negar os peitos da Angelina é terrorismo moral. Vou devolver o jogo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Patrícia

Patrícia estava sentindo-se maravilhosa. Inesperadamente, toda a angústia que vinha sentindo nos últimos dias parecia ter se dissipado. A dorzinha de cabeça insistente, os quilinhos a mais que insistiam em acumular-se no abdômen, o reconhecimento no trabalho que parecia não acontecer nunca. Tudo isso parecia insignificante, coisas sem importância.

Estava tranqüila, como se anos de terapia tivessem se passado de um dia para o outro. Sentia-se mais motivada e mais preparada para enfrentar o futuro, e o mais curioso é que não havia nenhum motivo aparente para tanto.

Não havia feito sexo na noite anterior, não assistiu a um filme inspirador, não teve nenhuma conversa reveladora com um amigo gay, não chorou, não fez compras, não tomou antidepressivos e, meu Deus, nem comeu chocolate.

Não refletiu sobre seus problemas, não buscou uma solução para suas incertezas, não havia batido com a cabeça e, até onde ela própria podia constatar, não estava louca.

Ninguém pareceu notar a diferença e continuaram a tratá-la com a indiferença de hábito, mas isso não a afetava, nem a incomodava.

Patrícia estava em paz consigo mesma. E, sorrindo levemente, percebeu que tudo o que precisava para encontrar a paz era parar de procurá-la.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Teoria da proporcionalidade


Tudo de bom que acontece com você deveria te deixar triste. Por quê? Ora, porque tem outra pessoa sofrendo para que você possa estar feliz. É a teoria da proporcionalidade. E exemplos não faltam:
O loirinho azedo que está sendo violentado pela comunidade nazista do presídio está num sofrimento danado, mas a comunidade nazista está tendo prazer. E por falar em nazismo, você acha que Hitler ficou chateado quando tomou conta da Polônia?
É sempre assim. Um sofre e outro ri.
Para fazer um único rico na megasena é preciso que milhões de cordeirinhos esperançosos percam o seu dinheiro. Nesse caso, é um sofrimento pequeno – mas é o sofrimento de milhões. E além de perder o dinheiro, fica aquele sentimentozinho de inveja, que vai contribuindo para a úlcera.
E os eventos nem precisam estar relacionados. O ato terrorista na Inglaterra patrocina as bodas de ouro do vovô. É o equilíbrio universal mantendo as coisas matematicamente balanceadas para que o todo não acabe em uma explosão de anti-matéria.
Essa teoria é tão boa quanto a teoria do livro O Segredo que diz, basicamente, que você pode conseguir qualquer coisa que quiser se desejar bastante. E ela é tão boa quanto porque também é verdade.
O que o livro O Segredo não conta pra você, o segredo de O Segredo, por assim dizer, é que, se desejar algo muito bom para você mesmo, você estará também desejando algo muito ruim pára alguém.
Enfim, você acredita nessa teoria se quiser, mas estar avisado é estar preparado e, se eu fosse você, não andava por aí sorrindo à toa.
Feliz 2008.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Informação 2

Recebi alguns e-mails reclamando do post que fala sobre o cocô saindo da boca (Informação, logo abaixo). Disseram que não era elegante e que definitivamente não combina com clima de ano novo, que as mensagens do Ninguém Perguntou deveriam ser mais otimistas e menos escatológicas.

Eu poderia argumentar que otimismo você encontra em qualquer lugar, ainda mais nessa época, e que essas maluquices você só encontra aqui, mas a verdade é que estava inclinado a concordar com os críticos.

E estava quase concordando quando resolvi reler o post e vi que desejei Feliz 2008 ao final da história o que, considerando o tema que estava sendo abordado, é otimista pra cacete, em minha opinião.

De qualquer maneira, como não quero perder os poucos leitores que tenho, prometo que o próximo post será mais festivo.

Feliz 2008 (viram? Estou desejando felicidades de novo).

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Informação

Prepare-se. Agora no Ninguém Perguntou você irá aprender uma coisa nova. Não é uma coisa bonita e não é uma coisa útil. Dependendo do seu estado de espírito e autocontrole pode ser algo interessante ou algo execrável.

Pois bem. Lá vai: você sabia que é possível fazer cocô pela boca?

Não é comum, é verdade, embora existam pessoas que falam tanta besteira que parecem que fazem isso o tempo todo.

Mas não estou cutucando o assunto com metáforas. Acabo de descobrir que é possível, literalmente, vomitar cocô. Graças ao bom Deus não foi uma experiência pessoal, mas, mesmo assim... Que coisa, hein?

Feliz 2008.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Cicatrizes

Escrevo a primeira crônica do ano debaixo de certo cansaço. Infelizmente, isso não se deve à nababesca farra do dia anterior, pois não ando mais participando das extravagências da humanidade – ainda mais nesses dias nos quais viver perigosamente, para mim, é comer um prato extra de estrogonofe.

Nada disso. Dormi cedo, e só não foi mais cedo para não correr o risco de acordar por causa dos fogos de artifício. Velhice? Talvez. Já ouvi falar de casos nos quais ela chega assim, precoce. Dizem, até, que algumas crianças já nascem velhas, com o espírito já conformado, esperando apenas o corpo murchar.

Mas talvez seja outra coisa.

Desconfio que seja porque ainda não me livrei do ano passado. Ele está morto, claro, mas o corpo continua no porta-malas do carro. Um peso desnecessário e incômodo que, sejamos honestos, já está começando a feder.

Nunca antes tive escrúpulos ou dificuldade em enterrar o ano-velho. Mas a verdade é que o ano-velho também nunca tinha oferecido resistência. Ele sempre aceitou o seu papel de vítima de forma estóica e exemplar.

2007 não. Ele se recusou a morrer e a briga foi feia. Dedo no olho, safanão e todo tipo de golpe baixo. Venci a luta, mas não sem antes levar umas boas porradas de 2007.

Quando abri os braços para receber o ano-novo, acabei arrebentando os pontos de algumas feridas de 2007 que ainda não tinham cicatrizado... Achei melhor evitar abusos e ficar tranquilo no meu canto.

De qualquer maneira, não dá mais para adiar o enterro do ano-velho. Darei a ele um funeral digno, com muito respeito. Afinal, pretendo evitar que ele volte para me assombrar.

E que venha 2008!