quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Síndromes e biscoitos

De uns tempos pra cá comecei a gostar de biscoitos de água. Você sabe qual é, aquele biscoito insosso feito de farinha e, bem, água. E veja que não falo da versão melhorada do biscoito, que normalmente vem acompanhada de patês, cremes, pastas ou manteiga, nada disso. É só o biscoito de água e pronto.

O que, obviamente, não é normal.

Você pode tolerar o biscoito de água, você pode aceitar o biscoito de água. Mas gostar do biscoito de água? Esse biscoito não foi feito para ser apreciado – ele é apenas uma alternativa para quem está de dieta não morrer de fome, ou para quem está se recuperando de uma intoxicação alimentar. Ele é um pária entre as bolachas. Nem a mãe do biscoito de água gosta do biscoito de água.

Sabendo que algo estava errado comigo, fiz o que qualquer pessoa sã faria: procurei o psicólogo, descartei tudo o que ele me disse e cheguei a uma conclusão sozinho, no meio da noite, depois de navegar horas na internete. Estou sofrendo de síndrome de Estocolmo.

A dieta é exatamente como um seqüestro: nos dois casos você é obrigado a seguir regras restritas contra a sua vontade. Em ambos os casos, quanto mais você colaborar, maiores são suas chances de se ver livre das privações, do estresse e da tortura psicológica e na dieta, assim como no seqüestro, nem tudo sai como planejado no final.

A Síndrome de Estocolmo acontece quando o seqüestrado se afeiçoa ao seqüestrador. Às vezes até se apaixona. Privado do contato com outros seres humanos e sob tremenda pressão, cria-se um relacionamento deturpado e distorcido entre o vilão e a vítima. E esta é exatamente a minha relação com o biscoito de água.

Em dieta e com fome, ele é o único a quem posso recorrer. A salada e a gelatina são sempre profissionais, frias e distantes: vemos-nos no almoço e na sobremesa. Ponto.

Mas o biscoito de água fica por aí, sempre disponível e solícito, o bastardo. O que ele me dá é muito pouco: uma massa farinhenta grudada no dente e um peso no estômago desproporcional ao tamanho do biscoito, mas é tudo que tenho.

OK, não tenho mais alternativa. Para situações desesperadoras, medidas desesperadas: sábado que vem vou na churrascaria rodízio!

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Recado

"Se sua única ferramenta é um martelo, todos os seus problemas se parecem com um prego".

Acordei hoje com essa frase na cabeça, mas não sei de onde ela veio. Ela é boa demais para ser minha, mas, confesso, não consigo me lembrar se alguém me disse isso ou se li em algum lugar. De qualquer forma, divido com vocês. Sei lá, essas coisas quando aparecem assim do nada é melhor espalhar. Vai ver é uma mensagem para algum de vocês aí e estão me usando como veículo.

Se for esse o caso, aviso para a entidade que é melhor utilizar outra tática, pois meu blog não é lá muito lido não. Mas faço a minha parte.

Existe, é claro, a possibilidade remota da mensagem ser para mim mesmo, o que complica um pouco a situação: se não acredito nem na existência dos espíritos, como vou acreditar no que eles dizem? E Deus, quando quer dar uma mensagem ou é bem espalhafatoso (anjos, céu se abrindo e o caramba) ou críptico (o cantar dos pássaros, o amigo que liga na hora certa, essas coisas). Ele não é de dar a frase assim, pronta.

Mas pensando melhor, pra mim não deve ser mesmo. Ultimamente meus problemas andam mais parecidos é com o martelo.

Dicas

Um amigo recentemente me pediu algumas dicas interessantes de HQ (História em Quadrinhos, para os não-iniciados). E, realmente, faz tempo que não presto esse tipo de serviço aqui no Ninguém Perguntou. Por isso, sem mais delongas, segue aí o que tenho lido de mais interessante:

GANTZ: Existe um desenho animado com esse mesmo nome, mas é bem inferior. O mangá é mais completo, mais interessante e mais envolvente. A história mistura ficção científica e existencialismo e conta as desventuras de um grupo de completos estranhos que, depois de sofrerem uma morte violenta, se encontram em uma sala com uma misteriosa esfera negra no centro. A esfera, que tem um bizarro senso de humor, dá ao grupo uma missão: matem um alienígena em um determinado período de tempo, ou... Não vou estragar a surpresa. Basta dizer que nada é o que parece na história, que é mil vezes mais bem amarrada que Lost. Pontos extras para o personagem principal que é egoísta, covarde, preconceituoso e obcecado por sexo – e você torce por ele até o último quadrinho das mais de 4.000 páginas de leitura.

Global Frequency: Warren Ellis é um dos principais roteiristas de quadrinhos da atualidade e não é à toa. Global Frequency conta a história de um grupo – exatamente mil e uma pessoas e todas "comuns", nada de super-heróis - que se juntam para montar uma força de resgate com ramificações em todo mundo. Trocando telefonemas e e-mails, eles são capazes de fazer o impossível, combinando suas especialidades para diagnosticar doenças, combater células terroristas e destruir os planos capitalistas de megacorporações. É moderno e, no estilo de Ellis, sempre surpreendente. São apenas doze episódios e cada capítulo é ilustrado por um desenhista diferente, todos, diga-se de passagem, fantásticos.

Os Supremos: Saiu o encadernado dos Supremos (que você provavelmente encontra na Kingdom Comics aqui em Brasília) e, se você ainda não leu essa versão moderna dos Vingadores (Thor, Homem de Ferro, Hulk, Capitão América, etc.) está perdendo um caminhão transbordando de irreverência e inteligência. Sem, perder o respeito pelos personagens originais, o roteirista Mark Millar moderniza o mundo dos super-heróis de maneira inacreditável. Um trecho, só para abrir o apetite:

VIÚVA NEGRA: Tony, você acha aconselhável encher a cara de uísque antes de vestir a armadura do Homem de Ferro?

TONY STARK: Mas, minha querida, isso é absolutamente necessário. Você acha que alguém sóbrio ia ter coragem de entrar nessa coisa?

E este está longe de ser o melhor diálogo.

Tem muito mais, mas acabou o meu tempo.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

De boas intenções...

Se vocês derem uma lida no post daí de baixo, vão perceber que o Fred deixou um comentário bastante interessante sobre o que realmente configura intenção. Pelo menos, sob o ponto de vista de quem está fora da sua cabeça.

Afinal, em nossas reflexões, às vezes temos muito claras nossas intenções. Mas o que o outro vai pensar de nossas intenções se tudo o que ele tem como referência são as atitudes?
Basicamente, intenção, sem estar relacionada a um ato é, para o observador, apenas conjectura, uma hipótese.

— Seu juiz, juro que pensei que fosse um ladrão. E eu mirei na perna! – disse o marido, depois de ter abatido com um tiro na cabeça o amante da esposa, que pulava o muro da residência do casal.

O marido pode estar sendo sincero, mas apenas suas ações futuras poderão nos aproximar da verdade. E a verdade é que, no fim das contas, talvez nem o marido tenha total consciência de suas intenções na hora em que atirou.

Mas o fato é que tem muita gente por aí sacaneando os outros e dormindo de consciência tranqüila, se escondendo por trás de suas boas intenções.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Paradoxo de Kavka

Essa é interessante. Imagine o seguinte:

Um milionário te oferece, obviamente, um milhão de dólares se você tiver a intenção de tomar um veneno que o irá deixar terrivelmente doente durante algumas horas. O veneno não vai matá-lo, mas você vai sofrer um pouco.

Além disso, você nem precisa beber o veneno, mas precisa, com toda sinceridade, ter a intenção de tomá-lo, mesmo que depois mude de idéia.

Fica a pergunta: a intenção de uma pessoa pode ser verdadeira mesmo que ela saiba que não vai precisar cumpri-la? Alguém pode querer uma coisa e não querer ao mesmo tempo (quero me envenenar, mas não quero?)?

Meu palpite é que o nosso consciente e o inconsciente brigarão deixando a situação indefinida em algo como 51% para beber (e pegar o milhão) e 49% para não beber (já que tenho a oportunidade de mentir a respeito de minhas intenções). Ou seria o contrário?

De qualquer maneira, o milionário é um sádico da pior espécie.

Unanimidade

Quatro pessoas hipotéticas estão reunidas. Marco, Tadeu, Belarmina e... Hm... Fiodor Dostoievsky. De repente, notando que todos parecem um pouco entediados, Dostoiévsky pergunta:

— Que tal sairmos para comer alguma coisa?

Marco não está com fome e preferia ficar em casa, mas não quer desagradar um dos maiores escritores de todos os tempos e fundador do existencialismo, e responde:

— Claro!

Tadeu preferiria fazer qualquer outra coisa a sair para comer fora, mas como é muito amigo de Marco e quer ver o amigo feliz, responde:

— Por mim, tudo bem.

Belarmina é apaixonada por Tadeu e, embora sua telenovela preferida estivesse prestes a começar, não seria ela quem estragaria tudo e iria contra a vontade de todos os demais:

— Sem dúvida.

Lembro aos senhores que o próprio Dostoiévski não estava lá muito animado com a perspectiva de sair. Ele apenas fez a proposta porque o grupo pareceu entediado e sair para almoçar fora é uma coisa que normalmente as pessoas fazem para quebrar o tédio. Por ele, ficava em casa dando os retoques finais em Os Irmãos Karamazov.

Todos saíram e a noite foi péssima. Foi tão ruim que todos ficaram com uma péssima impressão do restaurante que, na verdade, era até razoável.

Um grupo de quatro pessoas concordou plenamente em tomar uma decisão imbecil, que foi ruim para todo mundo. Simplesmente porque acharam que a decisão correta estava dentro da cabeça deles e não em uma conversa racional e óbvia.

Recentemente, uma coisa parecida aconteceu comigo e foi uma experiência traumática – eu era o restaurante.