quinta-feira, 24 de julho de 2008

Exploração

Tem gente que guarda a ideologia na estante e a consulta eventualmente. Outros a levam no bolso, para sacá-las em caso de qualquer eventualidade e tem ainda uns que já a carregam na mão, prontos para arremessá-la na cabeça do primeiro desavisado.


 

Dia desses falei que estava procurando uma empregada para dormir em casa e uma colega levantou-se da cadeira e disse, indignada:

— Eu acho isso um absurdo!

— Hã?

— Quando você estiver sem fazer nada, abra a constituição. Você vai ver que uma série de direitos que se aplicam a todos os trabalhadores não se aplicam às empregadas domésticas! Você, por exemplo, paga adicional noturno?

— Não...

Eu poderia argumentar que, na verdade, paga-se mais quando a pessoa fica pra dormir. Não sai discriminado na carteira como adicional noturno, mas é uma remuneração adicional. Mas não me ocorreu isso na hora e não acho que teria adiantado, de qualquer maneira. Ela estava empolgada:

— Pois um jardineiro ganha adicional noturno! As domésticas são tratadas como uma profissão menor e não recebem o que merecem.

Eu concordei que se trata de uma profissão realmente muito difícil. Ganha-se pouco e exije-se muito. Mas que, por outro lado, trata-se de uma relação muito diferente de qualquer outra profissão e que, caso fosse regulamentada da mesma forma que as outras, ela provavelmente deixaria de existir como conhecemos, pois muita gente não poderia pagar. Ela pareceu achar isso ótimo e que as mulheres têm mais é que buscar outras oportunidades na vida e não se submeter a trabalhar na casa dos outros.

Ela pode até estar certa, como eu acho que também estão certos os caras que querem salvar as baleias e os alertas sobre o aquecimento global, mas não sei se procurar uma empregada que possa dormir (sem pagar adicional noturno discriminado na carteira) seja algo tão sórdido e imoral assim.

A questão do subemprego no Brasil me parece um pouco mais complexa. Se o desenvolvimento econômico apresentar alternativas, quem não tiver inclinação para doméstica vai naturalmente migrar para outra área, diminuindo a oferta e conseqüentemente valorizando a profissão (como já acontece nos países desenvolvidos).

Enquanto isso não acontece, acho que, nós, os porcos capitalistas bem intencionados, que pagam o que podem pagar, vamos fazendo a roda girar. Se alguém souber de uma pessoa que saiba cozinhar e passar e que goste de crianças, por favor, me avise.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

I’m Batman

O novo filme do Batman tive a oportunidade de assistir na estréia, graças a uma empolgação que peguei emprestada de alguns amigos que fizeram todo o trabalho sujo: marcaram a data, escolheram um cinema do lado de casa, compraram os ingressos e ainda guardaram lugar na fila. Minha esposa ainda foi e voltou dirigindo. Ou seja, o único esforço que precisei fazer para assistir ao filme foi manter o olho aberto.

O filme precisaria ser muito ruim pra não valer a pena e, como o filme foi bom, a noite foi divertidíssima. Mas vamos responder às perguntas que não querem ser caladas:

1 – O Ledger merece o Oscar póstumo? Dependendo da concorrência, sim. O Coringa dele é bem melhor que o do Jack Nicholson, que não era nada mal;

2- A história presta? Mais ou menos. O filme ficou mais longo do que o que deveria, depois do diretor ter acrescentado todas as cenas que ele tinha do Coringa. E o roteiro não vai surpreender ninguém que já tenha lido uma cota honesta de quadrinhos. Mas os diálogos são interessantes, roubados de obras mais importantes do Batman, como A Piada Mortal e o próprio Cavaleiro das Trevas (só os diálogos, a trama não tem nada a ver).

3- E os outros atores? Todo mundo bem. Até o ator que faz o duas-caras. E colocar o Michael Caine e o Morgan Freeman num mesmo filme é sacanagem.

4- Sem exceção? A menina que faz a Rachel é tão má atriz quanto a menina da boca torta de Dawson's Creek, só que bem mais feia. E a voz de laringite do Batman é mais engraçada que aterrorizante.

5- Valeu a pena? Basta dizer o seguinte: mesmo que eu tivesse usado o meu carro e gasto o meu dinheiro teria valido a pena – o filme é divertido.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Ceticismo

Não se pode confiar em mais nada. Todo mundo já usou a expressão "do Oiapoque ao Chuí", que quer dizer nada menos que toda a extensão do território brasileiro, certo? Quando dizemos que Fulano já viajou do Oiapoque ao Chuí, queremos dizer que Fulano já viajou o Brasil todo, certo?

Errado.

A expressão correta seria do Monte Caburaí ao Chuí. Pois estes sim, são os extremos norte e sul do país. Pois é, em uma consulta besta à Wikipédia descobri a verdade. Durante anos, a expressão popular nos induziu ao erro – e posso apostar que tem muito professor de geografia por aí que usa a frase.

Não estou aqui para defender a precisão histórica e geográfica de "lugares comuns" e expressões cotidianas. Não se trata de saber a latitude e longitude de onde o Judas perdeu as botas e nem o CEP da casa do Caralho, mas é que havia uma certa credibilidade por trás da expressão "do Oiapoque ao Chuí".

Ledo engano: o Oiapoque é apenas mais uma farsa, mais uma prova de que a verdade é apenas uma mentira que ninguém descobriu ainda.

Já a assessoria de imprensa do Chuí divulgou que ele não faz parte do esquema e que ele também foi enganado como todos nós.

Duvido.


 

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Evolução

Para mim, uma das invenções mais significativas do século passado foi o walk-man. Não por causa do que isso representou em termos de avanço tecnológico, mas porque o sucesso da empreitada diz muito sobre a natureza humana.
Nossa felicidade em poder carregar nossas músicas conosco foi palpável e se traduziu em um dos maiores sucessos comerciais da história da Sony. Uma felicidade provavelmente só comparável à de poder carregar o nosso telefone conosco e, mais recentemente, o nosso computador e a nossa internet, que é nada menos que o mundo inteiro. Saímos da caverna, mas com a condição de levarmos a própria caverna e o resto do mundo nas costas. Nosso processo evolutivo pode ter começado no macaco, mas, nessa toada, vai terminar no caramujo.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O essencial

Minha filha esses dias, quando entrou em um antiquário (não pergunte por que), falou, sem cerimônia:

— Aqui é igualzinho à casa do moço.

— Moço? Que moço? – Perguntou minha esposa, meio surpresa, pois não tínhamos ido à casa de nenhum anônimo recentemente.

— Aquele de barba branca.

Pensei no Papai Noel, imediatamente. Mas minha filha já tinha cinco anos e não ia confundir qualquer um com o Papai Noel, ainda mais em julho.

— O tio Paulo? – Era o único tio que lembrávamos que tinha barba branca, mas fazia uns três meses que não íamos a casa dele.

— Não, mãe. Aquele moço que já morreu.

Minha mente já estava fervendo com as possibilidades mais malucas, quando, finalmente, caiu a ficha: ela tinha ido à exposição do Darwin na escola. O moço era o Charles Darwin!

E aí começamos a conversar sobre a exposição.

A Bia (minha filha, pra quem não conhece) comentou solenemente que, além de ver muita coisa velha, lá na exposição ela ficou sabendo que o Darwin gostava de andar de barco, que já tinha enfiado um inseto na boca e que gostava dos animais. Para ela, o essencial a saber sobre o Darwin não tinha nada a ver com a teoria da evolução das espécies. O Darwin da minha filha era um velho de barbas brancas que comia insetos.

Nunca imaginei o Darwin dessa forma e, se meus professores tivessem me apresentado à esse Darwin em vês de ir direto para a explicação da seleção natural, eu talvez gostasse um pouco mais de biologia.

De qualquer maneira, ficou a lição: depois de adultos, nos acostumamos a classificar as pessoas pelo o que elas são capazes de fazer e não mais por quem elas são.

Nossas realizações são importantes, claro e, no caso do Darwin, importantíssimas, mas não vale à pena perder de vista o jardineiro por trás do jardim.