Tem gente que guarda a ideologia na estante e a consulta eventualmente. Outros a levam no bolso, para sacá-las em caso de qualquer eventualidade e tem ainda uns que já a carregam na mão, prontos para arremessá-la na cabeça do primeiro desavisado.
Dia desses falei que estava procurando uma empregada para dormir em casa e uma colega levantou-se da cadeira e disse, indignada:
— Eu acho isso um absurdo!
— Hã?
— Quando você estiver sem fazer nada, abra a constituição. Você vai ver que uma série de direitos que se aplicam a todos os trabalhadores não se aplicam às empregadas domésticas! Você, por exemplo, paga adicional noturno?
— Não...
Eu poderia argumentar que, na verdade, paga-se mais quando a pessoa fica pra dormir. Não sai discriminado na carteira como adicional noturno, mas é uma remuneração adicional. Mas não me ocorreu isso na hora e não acho que teria adiantado, de qualquer maneira. Ela estava empolgada:
— Pois um jardineiro ganha adicional noturno! As domésticas são tratadas como uma profissão menor e não recebem o que merecem.
Eu concordei que se trata de uma profissão realmente muito difícil. Ganha-se pouco e exije-se muito. Mas que, por outro lado, trata-se de uma relação muito diferente de qualquer outra profissão e que, caso fosse regulamentada da mesma forma que as outras, ela provavelmente deixaria de existir como conhecemos, pois muita gente não poderia pagar. Ela pareceu achar isso ótimo e que as mulheres têm mais é que buscar outras oportunidades na vida e não se submeter a trabalhar na casa dos outros.
Ela pode até estar certa, como eu acho que também estão certos os caras que querem salvar as baleias e os alertas sobre o aquecimento global, mas não sei se procurar uma empregada que possa dormir (sem pagar adicional noturno discriminado na carteira) seja algo tão sórdido e imoral assim.
A questão do subemprego no Brasil me parece um pouco mais complexa. Se o desenvolvimento econômico apresentar alternativas, quem não tiver inclinação para doméstica vai naturalmente migrar para outra área, diminuindo a oferta e conseqüentemente valorizando a profissão (como já acontece nos países desenvolvidos).
Enquanto isso não acontece, acho que, nós, os porcos capitalistas bem intencionados, que pagam o que podem pagar, vamos fazendo a roda girar. Se alguém souber de uma pessoa que saiba cozinhar e passar e que goste de crianças, por favor, me avise.