domingo, 30 de abril de 2006

Realidade

O problema com minha vida é que ela é muito real. Falta trilha sonora, falta uma boa edição, faltam reviravoltas interessantes e, às vezes, falta também direção.
E, já que chegamos até aqui, por que não um bom maquiador? Adoraria ter um staff para cuidar de mim, mas o que sinto falta mesmo é de um roteiro.
Alguns dos meus diálogos têm sido sofríveis e, ora, não tenho a menor idéia de qual seja meu objetivo neste mundo. Como você, faço planos, mas eles são frágeis e caem por terra com qualquer acaso. É claro que sei como o filme acaba, mas como é que vou chegar lá? Isso não sei. Ninguém me disse. Nenhum contra-regra marca o meu lugar no chão, nenhum preparador de atores me diz como será a próxima cena, novos coadjuvantes são introduzidos todo dia e não sei qual a importância deles para a trama, não tenho, meu Deus, dublês para as cenas perigosas. E nenhum iluminador para me tirar da escuridão.
Se pudesse escolher o gênero, preferia que minha vida fosse uma comédia romântica. Risos, gente bonita e um pouco de sexo. Em histórias de ação e suspense o herói costuma apanhar. Também não reclamaria se minha vida tivesse pinceladas de cinema europeu. Mais sexo – com mulheres mais interessantes que o padrão hollywoodiano, fotografia sofisticada e um pouco de crise existencial de qualidade, o que, provavelmente, me tornaria um escritor melhor. E, por favor, aquela francesa que faz a vampira do filme Underground. Com a roupinha de couro justinha e tudo.
E, sendo a vida como é, não seria nada mau ao menos receber uns trocados por fazer parte dela.
Mas não posso reclamar muito. Tem uma pessoa que já assistiu a maior parte da minha existência e me garantiu que sou uma pessoa interessante e fantástica. E eu vou discordar da minha mãe?

terça-feira, 25 de abril de 2006

Lições

Aprendeu tarde demais o que a vida tinha para ensinar. Para vocês terem uma idéia, a localização exata e inconfundível do clitóris descobriu um dia após ter sido acusado de egoísta na cama. Uma discussão que foi fatal para o seu casamento.
União que terminou não só por causa do clitóris, mas por vários outros motivos que só ficaram claros após terem explodido em fúria e de forma irremediável. O que fazer com essas lições aprendidas? Levou para outro relacionamento, claro. E entendeu, tarde demais, que isso não é coisa que se faça. Ao tentar aplicar o conhecimento adquirido previamente em uma nova pessoa, dona de nova personalidade e em uma nova circunstância, viu-se diante de mais problemas e cada vez menos soluções.
Decifrou a vaidade e os limites da benevolência. Desvendou a insegurança e os segredos para conservar uma amizade. Aos oitenta anos, doente e solitário, ele tenta ensinar, mas não lhe dão ouvidos, pois não passa de um velho, com idéias velhas e ultrapassadas.Ao deitar, à noite, só um pensamento o conforta: o de que haverá outra vida para que ele possa aplicar tudo o que aprendeu nessa. Mas, e se não houver? Ele ainda não sabe, mas morrerá amanha e então terá a resposta. Poderá ser tarde demais.

O equipamento

O corpo humano é uma das piores máquinas que existem. Complexa, frágil e que exige manutenção constante. Quando Deus apresentou o primeiro protótipo, fez-se um silêncio constrangedor. O primeiro a falar foi o Anjo do Marketing.
— A idéia é boa, Senhor. Mas... Está muito perfeito.
— Hmm... Bom, é claro que está perfeito. É como todo o resto do universo. É uma conseqüência natural do fato de Eu mesmo ser perfeito.
— Mas do jeito que está fica muito auto-suficiente. Logo, logo, vai cortar relações com o Paraíso.
— E o que vamos dizer para os acionistas? – quis saber o Anjo das Finanças.
— E vocês têm alguma sugestão?
Foi o que bastou. Em primeiro lugar, não poderia durar para sempre. Era importante que novos modelos entrassem no mercado de tempos em tempos. Depois, uma manutenção alta, para assegurar que dependeriam psicologicamente do Paraíso, o que aumentaria em muito o recall do Céu. Eventualmente, para evitar processos, seriam lançados modelos especiais, para provar que o ser humano tem potencial, sim, para a perfeição e que qualquer problema era provavelmente culpa do usuário.
— E diminui o tamanho da Terra e a quantidade de recursos disponíveis – sugeriu o Anjo da Guerra.
— E depois vamos conversar sobre essa história do Universo todo também ser perfeito. Não vai combinar – disse o Anjo Consultor de Moda.
Enfim, olha aí o que deu. Menstruação, barba, cabelo no sovaco, doenças, intolerância e a coisa fugiu ao controle. No Paraíso, a área que mais cresceu foi o call center e os executivos não têm mais como resolver o problema.
— Vamos fazer logo o homem imortal!
— Então tem que fazer parar de nascer gente, o que vai ser complicado, pois ninguém quer parar de fazer sexo. E não diga “homem”, diga ser humano ou o lobby das feministas nos massacra.
— Quem foi o gênio que teve a idéia de fazer o sexo ser bom?
— Foi o Anjo das Vendas, a idéia era construir uma base de clientes de forma mais rápida. Parecia boa na época.
O tiro saiu pela culatra. O homem virou um eterno insatisfeito e a sua relação com o Paraíso é, no mínimo, conflituosa. Deus chegou a mandar o próprio filho para ver o que podia ser melhorado. Ao fim de sua estada entre nós, Jesus comentou:
— Fiz o que pude, mas os caras são osso duro de roer – não dá para fazer milagre...
— Pelo menos entregou o manual de instrução?
— O pessoal achou a versão que você deu pro Moisés muito simples e que escrever na pedra era pouco prático. Fizeram um novo modelo com ilustrações e em policromia.
— Entregou ou não?
— A gráfica não terminou a tempo. Tive que ir falando e eles foram anotando...
— Ai, ai, ai...
Somos uma máquina estranha. Até quem cuida bem de si mesmo não tem garantias de que vai durar mais, ou que vai funcionar melhor. Freqüentemente, são os nossos defeitos que determinam nossas virtudes. E a coisa toda ficou tão complexa que já não dá mais para saber o que é defeito de fábrica e o que é mau uso do equipamento. Agora só começando tudo de novo.

quinta-feira, 20 de abril de 2006

Pizza e pipoca

Um dos acontecimentos mais divertidos nesse festival de macaquices que tem sido o governo Lula foi o episódio dos dólares na cueca. Ridículo, embaraçoso, mas engraçado, sem dúvida. Seria mais engraçado se tivesse acontecido em outro país e não tivéssemos que passar pelo constrangimento moral da história. Um país tem que ter orgulho de seus bandidos.
Em segundo lugar, bem perto, foi a bengalada do velho no José Dirceu. Inclusive, acho que falta aos nossos dramas políticos mais ação, a exemplo do que fazem os americanos, que sempre têm uma bomba explodindo para acompanhar suas cagadas.
Não precisa morrer gente, mas uma perseguição de carros ou uma briga no boteco cairia bem. Já pensou? Diogo Mainardi contra o Lula? Eles encontram-se casualmente em um shopping center e, após trocarem olhares fulminantes, atiram-se um contra o outro. Acompanharíamos tudo depois, nos noticiários noturnos, por meio das câmeras de segurança. Colocaria meu dinheiro no Lula, pois o nariz de janota do colunista da Veja não me parece agüentar um direto bem dado. E o Lula tem jeito de ser bem casca grossa. Mas, no geral, tivemos pouco movimento nessas CPIs e escândalos. Muita sacanagem, mas pouca ação. Se ainda tivesse alguém preso, vá lá. Mas se é para acabar em pizza tinha que ser no mínimo mais divertido para quem fica em casa assistindo.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Carminha e sua gangue

Um observador desatento pode achar que as toneladas de e-mails inúteis que recebemos todos os dias são o produto de milhares de mentes desocupadas em todo o mundo. Errado! Apesar de existirem zilhões de blogs e outras tantas comunidades virtuais, a grande maioria destes desocupados é, como eu, anônima e conhecida apenas de um pequeno grupo. Além disso, blogueiro não fica mandando e-mail pra todo mundo. Bom, eu fico, mas é diferente. Enfim, estávamos falando dos e-mails.
São três os principais fornecedores de e-mails que atuam no Brasil. O publicitário do Kibeloko é responsável por noventa por cento das piadinhas com fotos e montagens e é o único que tem a cara de pau de aparecer abertamente. Tem o blog e agora uma participação no programa do Luciano Huck.
Tem a figura dos textos (contos, poesias e crônicas), que nunca credita a autoria certa nos e-mails que distribui. Texto do Jabor vira do Veríssimo, do Veríssimo vira do Drummond e por aí vai.
E tem a Carminha, responsável por cerca de 80% da produção de PowerPoint. Nada me tira da cabeça que a Carminha é a líder do bando. Seus e-mails são os mais pesados, os mais suscetíveis à ação de vírus e os mais difíceis de deletar, porque são “bonitinhos” e cheios de mensagens edificantes. “Paciência é uma virtude”, “Pipocas da Vida” e “Te Cuida Palocci” estão entre os mais disseminados, mas a produção da Carminha é impressionante. Especialistas calculam que ela deve fazer dois a três PowerPoints por dia, e sua rede de distribuição conta com mais de duas mil tias solteiras em todo o país, além de casais apaixonados, puxa-sacos e representantes da renovação carismática. Um PowerPoint da Carminha leva, no máximo, três dias para chegar ao seu computador.
Eventualmente Carminha assina seus trabalhos, colocando ao final da apresentação o já famoso “By Carminha – favor respeitar a autoria”. Ela mesma não respeita os direitos autorias das fotos, dos textos e das músicas que usa, o que demonstra que essa mulher não conhece limites quando o assunto é encher o saco.
Isso tem que acabar! Ofereço uma recompensa para quem me enviar uma foto da Carminha. Ainda não sei o que vou fazer com ela, mas provavelmente mandarei para o cara do Kibeloko para ser sacaneada (não deve existir honra entre eles).Dobro o valor da recompensa para quem me enviar provas de que o cara dos textos é o Paulo Coelho.

segunda-feira, 17 de abril de 2006

Decepções avulsas

Quase chorei vendo o William Bonner conversando com o astronauta na televisão. Não foi de emoção, foi de tristeza. Estava lá a Globo tentando transformar em glória o nosso mico de dez milhões de dólares, o astronauta que, como na fábula, usa o pé de feijão para chegar ao céu. Pode-se dizer que a situação do programa espacial brasileiro não era muito diferente da do Joãozinho que, desesperado e sem alternativa, troca a vaca pelo pé de feijão. No nosso caso, trocamos dez milhões de dólares pelo direito de ir plantar feijão no espaço, mas existem duas diferenças importantes.
A primeira é que o governo de um país não pode pensar como uma criança de dez anos de idade e a segunda é que eu já não acredito mais em fábulas. Para mim, o governo brasileiro mandou para o espaço, junto com o astronauta, mais um pouco da sua credibilidade.

Popular

Há alguns anos atrás, se me perguntassem onde eu preferiria passar as férias, Disney ou Paris, teria respondido, sem pestanejar: Disney!
Hoje, tenho minhas dúvidas. Mas, principalmente, porque já conheci Paris e percebi que se trata de uma cidade ímpar, um lugar que precisamos conhecer nessa nossa excursão pela vida. Não tinha essa noção antes. Mas continuo interessado na Disney. Não pelo Mickey, mas pelas montanhas-russas e atrações em massa. Pelos brinquedos dos estúdios de cinema, pelo universo pop.
Gosto dessas coisas. Dos seriados enlatados (Seinfield, CSI e 24), das produções Hollywoodianas, do Tom Clancy, de Coca-Cola (light) e, meu Deus, do American Idol. Não gosto de ópera, do Guimarães Rosa e nem do cinema iraniano. Assumo que é uma limitação. Não entendo o que os gordos gritam nas óperas, não tenho certeza se o que o Guimarães Rosa escreve é português e o cinema iraniano... Bem, o cinema iraniano eu entendo – só acho chato mesmo.
Mas tem outra coisa que eu não entendo.
Dia desses aluguei o filme Carga Explosiva 2 e chamei a família toda para ver. Morreram de rir e ficaram comentando as cenas depois, mas, se alguém perguntar, vão dizer que o filme é uma merda. Mentiroso, vazio e fútil. O filme só pretendia ser divertido e todos se divertiram (não podem negar - eu estava lá). Contudo, para todos os efeitos, o filme é uma merda. É o preconceito contra o pop, contra o entretenimento pelo entretenimento.
Bobagem. É preciso pegar no pé dos americanos por causa de sua política externa (e conseqüente alienação interna) e não porque eles produzem Máquina Mortífera 4. Esse é o lado bom dos caras. Alguém poderia argumentar que abriria mão da existência do Máquina Mortífera para não ter que vê-los tratando o mundo como a casa da sogra, mas esse alguém é doido, pois essa opção não existe e uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Diversão por diversão não é coisa só de americano, nosso carnaval que o diga. É uma necessidade do homem. Sou o primeiro a dizer que não dá para ficar só na bobagem, que um pouco de conteúdo faz bem à saúde, ao cérebro e à humanidade em geral. Mas uma bobagem pura e simples de vez em quando é bom demais. E você deve concordar comigo, senão não estaria lendo isso aqui.

quinta-feira, 6 de abril de 2006

Adjetivos

Finalmente descobri o que diferenciam os comerciais desses produtos vendidos por telefone das demais propagandas. Não se faça de desentendido, você sabe do que estou falando. Ab-Total, Manhattan Duster, Fast Não-Sei-Quê, etc.
Não é a animação do locutor, nem os modelos sorridentes e nem o Antes e Depois. Outros comerciais utilizam essas técnicas, se é que isso pode ser chamado de técnica. O que os comerciais de 0800 (ou 0900) têm e que ninguém mais usa são os adjetivos. Ou melhor, a quantidade absurda de adjetivos.
Cansado daquela mangueira pesada, molhada, e difícil de armazenar? Compre a Mega Rose, que é prática, resistente, moderna, retrátil e mais uma caralhada de adjetivos. Os produtos que você pode comprar por telefone nunca fazem uma coisa só e nem têm apenas um ou dois diferenciais. Eles fazem dezenas de coisas, trazem dezenas de vantagens e você pode dividir em dezenas de prestações.
Imagino que alguém que consuma todos esses produtos não deva morar em uma casa normal. Essa pessoa se transformaria em uma espécie de 007 do lar – nada seria o que aparentasse. O aspirador de pó espremeria laranjas, emitiria um sinal sonoro quando as crianças se comportassem mal e teria gravador de DVD – mas não apenas isso – ele também seria, simplesmente, o aspirador de pó mais eficiente, prático, modular e multifacetado que o dinheiro pode comprar. Ou no caso, o cartão de crédito, que é um dinheiro que não existe. Apropriado.
Inapropriadas são essas propagandas. Por mim, retirava-se todas elas do ar. Menos a do Ab-Total, que eu comprei, estou usando e já reduzi minha massa visceral em 0,3%.

O velho Irving

Um dos responsáveis pelo meu interesse em livros, tanto em lê-los quanto em eventualmente produzi-los, foi Irving Wallace.
Ele foi uma espécie de Tom Clancy das décadas de setenta e oitenta, escrevendo histórias absolutamente inverossímeis, mas tão bem pesquisadas e narradas de forma tão concatenada e realista, que você não tinha alternativa a não ser se deixar envolver por sua ficção e ser transportado para um mundo de sexo, intriga, conspiração e personagens memoráveis. Gosto mais dele que de Clancy, inclusive. Mas Clancy tem a seu favor o fato de que, depois do atentado às torres gêmeas e ao pentágono, suas tramas ficaram bem menos inverossímeis.
Irving Wallace morreu em 1990, mas a vantagem de escrever é que nunca se morre de verdade - é sempre possível reencontrar velhos amigos na literatura. Dias atrás, reli O Fã-Clube. Grande Irving, como pudemos ficar sem se falar por tanto tempo?