sexta-feira, 23 de setembro de 2005

Massagem

Da Série As Aventuras de Múcio Bortolini (o nome verdadeiro dele não é esse)

Múcio Bortolini (o nome verdadeiro dele não é esse) estava ficando velho. Tinha jogado futebol na tarde de domingo e o resultado foi uma segunda-feira de agonia e sofrimento. Sabia que seus músculos não conseguiriam se recuperar sozinhos e que para livrar-se da dor teria que recorrer a um especialista.
Mencionou, a um colega de trabalho, que estava procurando uma boa massagista. O amigo prontamente indicou a Neusa, uma japonesinha (a JapoNeusa!)de um metro e meio que entendia de massagem, acupuntura, cinesiologia, sacanagem e kung-fu. Só não entendia bem o português, como o Múcio pode comprovar na hora de marcar a consulta. O telefonema demorou mais de uma hora só para acertar o horário, o endereço Múcio perguntou para o amigo.
A Neusa atendia em casa mesmo. Um quarto-e-sala modesto, mas arrumadinho. Quando Múcio chegou, a televisão estava ligada a todo volume e a japonesinha o atendeu à caráter, vestida só de quimono. Com um gesto de cabeça pediu para que ele entrasse. Múcio tentou ser educado:
— Boa tarde. Eu...
A japonesa interrompeu-o bruscamente, gritando:
— Tila tudo!
— Como?
Ela apontou para as roupas de Múcio e repetiu:
— Tila!
— Tirar tudo? Até a cueca?
Ela não se abalou. Respondeu, ainda gritando:
— Se quelê lelax, tila cueca. Se não quelê, não tila.
— Lelax?
Neusa foi mais específica:
— Você quelê que eu mexe no passalinho? Se quelê, pinto pla fola. Pla eu chutar você.
— Chutar? Que é isso?
— É... Chutar com a boca.
— Pra chu... Não! Não! Olha, você não entendeu, a dor é nas costas! – Gritou Múcio, gesticulando. Ela sorriu e balançou a cabeça, como se tivesse entendido.
— Então tila a loupa, deixa cueca e deita.
Múcio olhou em volta.
— Deitar? Onde?
— No chão.
— No chão?
— É pla eu pisar você.
Múcio não tinha certeza se o que ela estava dizendo era o que realmente queria dizer.
— Pisar com o pé?
— Com o pé, clalo.
Múcio deitou no chão gelado e a pisação começou. E ele gemia e gritava e a japonesa gritava de volta:
— Lelaxa! Lelaxa!
E ela apertava e puxava as orelhas de Múcio e dava murros em suas omoplatas e espremia a panturrilha e, num determinado momento, os olhos de Múcio encheram-se de água. Ao final, sua musculatura parecia realmente mais leve e menos dolorida, mas Múcio estava emocionalmente abalado.
Foi só quando estava voltando para casa, pensando em como iria explicar para a esposa porque suas orelhas estavam tão vermelhas, que caiu a ficha: quem troca os “erres” pelos “eles” não é chinês? Nem precisou perguntar muito para descobrir que a Neusa havia nascido em Piracicaba e que todo o lance de japonês ou era gênero ou maluquice. Mas a massagem era uma beleza.

Gravidade

Depois de uma certa idade (cada vez mais reduzida) ninguém mais tem dúvidas sobre de onde vêm os bebês. Sexo, certo? Pois aí é que você se engana.
Sexo é apenas uma ferramenta. Fundamental e, em se tratando de ferramenta, uma das mais interessantes, mas não passa disso: uma chave-de-fenda (sem trocadilhos). E, se a gente parar para pensar, sexo não é nem mesmo fundamental, está aí a inseminação artificial para provar.
Outra prova de que sexo é apenas uma ferramenta é que ele pode ter outras aplicações, além de produzir bebês, assim como uma chave-de-fenda pode ser usada, por exemplo, para arrombar a porta dos fundos (sem trocadilhos). É só uma questão de criatividade.
Mas, então, de onde vêm os bebês? Ora, do nosso instinto de preservação. Um bom banho e roupas de marca podem enganar por um tempo, mas, no fim do dia, somos todos animais.
O humano heterossexual feminino médio está, desde a adolescência, preparado para procriar. Mas fatores ambientais como o custo de vida e comportamentais, como a farra com os amigos, os estudos e a opinião dos outros, impedem que o instinto tome conta do indivíduo.
Qualquer gravidez durante este período pode ser classificada como acidente, irresponsabilidade, safadeza ou falta de luz, dependendo da área geográfica e do círculo de convivência do espécime.
A partir dos dezoito, o instinto começa a ocupar seu espaço e atinge seu ápice aos trinta. Nessa idade, a fêmea humana que ainda não procriou se torna extremamente agressiva e passa a ser uma das criaturas mais perigosas da face da Terra. Se não estiver casada, vai casar e, se não estiver grávida, vai ficar. A opinião do macho não interessa.
E, por falar no macho, é justamente neste mesmo período que ele está mais vulnerável, ao perceber que está deixando para trás o auge de seu vigor físico. A fêmea sente o cheiro dessa insegurança a quilômetros de distância e parte para a ofensiva com roupas decotadas, marquinha de biquíni, streap tease, a disposição para realizar fantasias e até, veja o ponto em que as coisas chegam, com diálogo. Daí para transar sem camisinha é um pulo.
Os bebês nascem porque são necessários. Todo o resto, os ritos, o sexo, o romantismo - tudo é acessório para garantir a preservação da espécie. Curiosamente, uma vez que o filhote é concebido, o instinto acomoda-se, passa para segundo plano e uma outra coisa, ainda inexplicável para a ciência, toma seu lugar.
Alguns chamam essa outra coisa de amor, mas quem tem um filho sabe muito bem que não existem palavras para descrever o sentimento que toma conta da gente.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Bandidos e Mocinhos

O Planalto Central anda um verdadeiro faroeste. Mas é um faroeste de produção barata e poucos atores, o que gera uma situação curiosa: o mesmo ator às vezes é bandido e às vezes é mocinho.
Roberto Jeferson, por exemplo. Até o nome é de bandido, mas se não fosse seu ataque suicida ao Álamo do Governo, os outros bandidos teriam permanecido entocados e intocáveis.
Marcos Valério, outro nome de dramalhão mexicano, também teve lá o seu momento de mártir. Não colou, mas ele tentou.
Comédia e sexo também estiveram presentes, com os dólares na cueca e as prostitutas de luxo das festas do PT. Sem esquecer da secretária, que quase tirou a roupa.
E tem o Buani, o dono de restaurante que foi a ruína de Severino, o Breve, Presidente da Câmara. Esse, para mim, não é nem mocinho, nem bandido. Nesse bangue-bangue maluco, ele é o índio.
No programa do Jô Soares da última quarta-feira foi tratado como bandido. Foi pressionado e desrespeitado, com perguntas agressivas e, algumas vezes, até mal-formuladas. Fiquei incomodado. Quando Jefferson foi achincalhado pelos seus pares, aquilo não me abalou. Jefferson posou de mocinho, mas todo mundo já sabia que, neste filme, ele morreria no final.
Já o índio, no bangue-bangue, pode até cometer alguns crimes, mas sua conversão para o lado dos mocinhos é mais honesta. Acho que é o caso de Buani. Ele aceitou ser coagido por Severino e só denunciou o esquema quando lhe foi conveniente. Mas denunciou. Buani é um homem relativamente comum que teve coragem de romper o esquema e eu acho isso louvável.
Somos obrigados a reconhecer que o brasileiro convive com a irregularidade a ponto de não saber mais o que é certo e o que é errado. Feiras de produtos piratas, muambeiros, doleiros, jogo do bicho – que atire a primeira pedra aquele que nunca usufruiu destes serviços, todos ilegais. E não vou nem falar de sonegação do imposto de renda.
Buani rompeu com o esquema e acho isso, repito, louvável.
Só não vamos misturar as coisas. Acho digna a denúncia e não a anterior conivência com a extorsão. Se ele cometeu algum crime, deve pagar por isso, mas sua dívida agora é com a justiça - e não mais comigo. Eu o teria tratado com mais respeito.

A Ala Oeste

Tem um estado de espírito que não é bem depressão, não é exatamente tristeza e nem desilusão. É uma emoção sem nome que mistura um pouco das três coisas e acrescenta uma dose de estupefação. Estava me sentindo assim ontem.
Assisti pela primeira vez o seriado americano The West Wing. Ele já está no décimo ano a ganhou inúmeros prêmios, mas eu nunca tinha visto. O apelo da série é mostrar a rotina da ala oeste da Casa Branca e os personagens principais da série são, nada menos, o presidente dos Estados unidos e seu staff imediato – assessores de imprensa, puxa-sacos, etc.
O presidente é magistralmente interpretado pelo veterano Martin Sheen. Mas aí é que está o problema – é magistralmente demais. Ele fala não sei quantas línguas, converte escalas métricas e de temperatura de cabeça, é ágil nas decisões, compreensivo, conciliador, diplomata, sonhador, ousado e agressivo quando necessário (só quando necessário). Enfim, é o presidente que todo mundo gostaria que os EUA tivessem. E mais: todo o staff também é competentíssimo – parece mais um grupo de executivos da AOL Time-Warner, que funcionários públicos.
E é por isso que o programa te deixa assim, meio esquisito. A gente assiste e é bombardeado por eficiência e compromisso e, então, olha pro lado e vê o Bush, o Lula, o Severino... A série é como um documentário invertido, onde a mentira é tratada de forma tão realista, que você fica desejando que fosse verdade. Rapaz... Não é fácil.
Uma amiga minha sempre disse que, para ler Caras, a pessoa precisa ter uma cabeça muito boa. Não é qualquer um que agüenta incólume aquela enxurrada de gente rica, bonita e feliz. Pois é, o seriado The West Wing também não é para qualquer um. Bom, pelo menos o Severino renunciou.

Reuniões

Já disseram que o camelo é o cavalo planejado por um grupo de trabalho. Muita conversa, muito palpite e pouca objetividade. Não sei se gosto muito do exemplo, pois tenho uma certa simpatia pelo camelo e nenhuma pelo grupo de trabalho.
Talvez seja trauma. Na escola, os trabalhos em grupo funcionavam assim: todo mundo queria ficar no grupo do CDF. Aí, ele fazia o trabalho sozinho e o resto da galera tinha uma desculpa para se encontrar e fazer bagunça. De lá para cá, tenho a impressão de que pouca coisa mudou além da ordem das palavras – de “trabalho em grupo” para “grupo de trabalho”.
A democracia, a troca de idéias e uma equipe integrada são ingredientes importantes para uma ação de sucesso. Pra ser sincero, até gosto de uma boa discussão sobre um tema polêmico e de juntar a equipe para, juntos, acharmos a solução para um problema particularmente cabeludo. Poucas coisas são mais gratificantes em um ambiente de trabalho do que atingir um objetivo difícil com um time azeitado. Nem mesmo o chefe dizendo que a gente não fez mais que a obrigação apaga o brilho de uma equipe em sintonia.
Mas os inúmeros bonequinhos cabeçudos desenhados na minha agenda de reuniões mostram que alguma coisa está errada. A maioria das reuniões que participo são desinteressantes, lentas e sem produtividade. Cheguei a considerar se não sou eu que estou no lugar errado, pois algumas pessoas parecem animadíssimas nessas reuniões. Talvez. Mas talvez seja apenas o pessoal exercitando a vaidade.
De qualquer forma, tem horas que eu daria o braço esquerdo pra fugir de uma reunião ou de um grupo de trabalho. Especialmente daqueles que tratam de cavalos. Me chamem para o do camelo, que deve ser bem mais divertido.

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Politicamente Incorreto 2

Não demorou nem 15 minutos e o pessoal do politicamente correto já respondeu com intensidade – e até certa agressividade - à minha crônica “politicamente incorreto”, o que só confirma minhas suspeitas de que essa gente não é razoável.
Vários argumentos surgiram de que comportamentos socialmente aceitáveis, respeito e direitos humanos são importantes. Concordo. Mas nada disso é politicamente correto. O politicamente correto usa tudo isso como desculpa para não ousar.
Vejam bem. Quando critico o politicamente correto, não estou criticando as mudanças provocadas na sociedade pelas minorias oprimidas. Só estou argumentando que as minorias provocaram essas mudanças justamente quando não foram politicamente corretas. A sociedade mudou quando alguém foi ousado, atrevido. Quando alguém não teve medo de provocações ou do que os outros vão pensar.
A religião do politicamente correto é a religião do “deixa disso”. Teve uma época em que exigir chamar “preto” de “afro-descendente” era romper com o estabelecido. Hoje, mudar o nome das coisas é apenas discussão acadêmica.
Contudo, sou obrigado a concordar com uma crítica recebida: a de que o exagero, muitas vezes, é do crítico. Ou seja, que meu posicionamento é muito radical e inflexível. Bom, vocês não poderiam esperar que, depois de tudo que disse, eu seria politicamente correto, né?

Politicamente Incorreto

O termo “politicamente correto” é uma contradição em si mesmo. Se é político, dificilmente vai ser correto. O Aurélio que me perdoe, mas, no Brasil, político é aquele que consegue o que quer e ainda agrada o outro, quase sempre sem se preocupar muito com o que é correto.
Quando falamos que alguém é muito político, estamos querendo dizer que a pessoa tem habilidade de negociação, que ele consegue cumprir seus objetivos sem criar atrito. O preconceituoso politicamente correto é aquele que consegue continuar sendo preconceituoso sem ofender ninguém. Termos e ações politicamente corretas são formas de disfarçar o preconceito para que ele continue caminhando entre nós, sem ser reconhecido.
O empresário pode chamar preto de afro-descendente e continuar não contratando. O porco capitalista branco é o animal mais político que existe. Trazer as discussões sobre racismo, preconceito e injustiça para o campo da política é levar a luta para o terreno do adversário.
Os partidários do politicamente correto dão, a todo momento, provas de que não estão familiarizados com as armas que decidiram usar. Recentemente participei de uma discussão para a produção de um folder sobre saúde e prevenção nas escolas, com foco no jovem e no adolescente. Argumentei que, se quiséssemos nos aproximar do público, teríamos que abandonar o politicamente correto. Em tese, a turma concordou, mas já era tarde, o politicamente correto já havia tomado conta do grupo – o inimigo estava infiltrado em nossas fileiras.
O resultado é que os jovens da tirinha não podiam dizer nada que fosse depreciativo ou supostamente depreciativo como, por exemplo, a palavra “Mané”. Não podiam ironizar nada e nem dizer coisas de duplo sentido. Não podiam se comportar de maneira tola, fazer caretas e nem peidar e arrotar. Não podiam, enfim, ser jovens. No fim, demos um jeito, mas o material correu o risco de ficar politicamente correto e totalmente inadequado. Falso.
Sugiro que abandonemos os eufemismos e falemos a verdade. Muito mais pessoas ficarão ofendidas, mas as discussões que virão serão mais importantes e as propostas de mudança, mais ousadas. Ser politicamente correto é a maneira mais fácil de deixar tudo como está.

segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Sombras e reflexos

Um rei, vendo-se assoberbado e confuso com as inúmeras decisões que seus súditos exigiam dele diariamente, decidiu que precisava de um conselheiro.
Como iria dividir suas angústias pessoais a respeito de sua liderança, o rei sabia que este conselheiro não poderia ser qualquer um. Então, imaginou se não poderia consultar-se com sua própria sombra.
Companheira de todas as horas, sua sombra era discreta e eficiente, crescendo ou diminuindo, dependendo da situação. Mas o rei optou por não promover a sombra ao status de conselheira, pois ela o conhecia bem demais e ele tinha medo de que as críticas pudessem ser muito duras e difíceis de suportar.
Pensou, então, no seu próprio reflexo. Também era alguém próximo e familiar, mas tinha um distanciamento maior. Convidou o reflexo, que aceitou prontamente o cargo. Os problemas, é claro, não demoraram a aparecer.
O Rei havia esquecido que, diferente da sombra, o reflexo não era parte dele. O reflexo tinha sua aparência, mas era, na verdade, seu oposto. O Rei e o reflexo não concordavam em nada e o que um mandava fazer, o outro desmandava.
Os súditos tinham muita dificuldade em saber quem era o reflexo e quem era o rei. O reflexo era canhoto, mas quem presta atenção em detalhes?
O reino se dividiu, os exércitos do rei e do reflexo entraram em guerra e, ao final de muita disputa e muito sangue derramado, tudo que sobrou daquele reino tão belo e tão promissor foi esta história.
E, pouco antes de seu último suspiro, o rei finalmente entendeu que quem não confia nem na própria sombra também não pode confiar em si mesmo.

quinta-feira, 8 de setembro de 2005

É o Fim

Se até a pesquisa do IBOPE, que ouve a opinião de milhares de pessoas, tem margem de erro, o que dizer então das profecias, que são as opiniões de um cara só, normalmente meio doido.
Está todo mudo por aí, feliz da vida porque o mundo não acabou no final do século, mas eu ainda não relaxei. Se Nostradamus errou por, digamos, cinco por cento (que é uma margem razoável), o fim pode ser a qualquer momento. Se eu fosse você, começava a me preparar.
Mas como é que a gente se prepara pro final de tudo que existe?
Tem o básico. Fazer as pazes com parentes próximos, não economizar palavras de carinho, transar bastante e queimar o dinheiro da poupança naquela TV de plasma de quarenta polegadas. Eu, particularmente, tenho andado com um guarda-chuva dentro do carro, por causa da tempestade de enxofre. Fora isso, não sei, mas se me ocorrer mais alguma coisa indispensável, publico aqui.
Mas tem uma outra teoria que contradiz a minha. E essa outra teoria também é minha. É o seguinte.
Estava tudo pronto para o fim do mundo. Gafanhotos, sapos (engaiolados longe dos gafanhotos, para não dar confusão), trombetas, enfim, todo o aparato necessário pro Apocalipse. Mas nós trapaceamos.
— Vamos embora, pessoal! Rápido! O Fim dos Tempos chegou!
— Como assim, Peste? – Perguntou a Guerra. — Não é só no ano que vem?
— Eu também pensei que fosse. Não entendi nada, mas está todo mundo comemorando a passagem do século lá na Terra.
— Mas eles são loucos. Qualquer um sabe que o século só se inicia na virada do ano 2000 para 2001.
— Mas eles não querem nem saber. Olha lá – todo mundo comemorando. Vamos lá, já está quase tudo pronto mesmo. A gente acaba com o mundo rapidinho. Cadê a Fome?
— Foi fazer um lanche. Olha, não quero desanimar, mas não vai dar tempo. A gente pega esse povo no ano que vem, conforme o programado.
— Mas aí não vai ter graça.
Estrategicamente, a humanidade acabou com o clima para o Apocalipse. O bacana era todo ambiente de fim de século. Toda a mágica, toda a superstição. Os Cavaleiros do Apocalipse passaram a eternidade ensaiando sua grande entrada triunfal e a gente botou fogo no palco. Agora eles também não vêm mais – só de birra.
Mas, se eu fosse você, ficava atento. Ontem ouvi no rádio a última música da Kelly Key. E se isso não é um sinal de que o mundo está acabando, não sei mais o que é.

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

Jogo do Brasil

A Turma do Siri estava eufórica. Tudo pronto para o tão esperado jogo da Seleção Brasileira em Brasília. O adversário era o Chile e o empate já garantia a classificação para a Copa da Alemanha. Todas as estrelas, com exceção do Ronaldinho Gaúcho, iam estar presentes. Adriano, Kaká, Robinho e Ronaldo, inclusive, começariam jogando. Enfim, oportunidade única.
A rapaziada tinha passado a semana inteira concentrada na casa do Nando costurando o bandeirão de vinte metros. Mas foi na manhã do jogo, enquanto o pessoal fazia bagunça na frente do hotel da seleção que o primeiro imprevisto surgiu. O Portuga teve um treco, um piripaque qualquer. Revirou os olhos, deu uns tremeliques e desmontou no chão. Já estava pra lá dos sessenta e tinha participado da noitada do dia anterior que, a rigor, ainda não tinha terminado.
O Otávio perdeu no palitinho e teve que levar o Portuga pro hospital. O Portuga não tinha família ou, se tinha, devia estar em Portugal. Otávio não podia largar o amigo desacompanhado e, pela gravidade do troço, já estava achando que ia perder o jogo, mas o Portuga foi um verdadeiro herói. Com os olhos cheios de água, segurou na mão do Otávio e disse:
— Vai sem mim...
— Pô, Portuga...
Os dois se abraçaram e o Otávio voltou correndo.
Já o Siri tinha um problema para resolver. Sem o Portuga, quem iria carregar a placa “Filma Nóis Galvão”?
O Bitoca tava com a corneta, o Zé Luís tinha problema de coluna e o Pudim, praticante amador de vale-tudo, precisava das mãos livres pro caso de ter uma confusão. O resto da galera estava comprometido com o bandeirão. A solução foi fazer uma vaquinha e pagar uma entrada para o Joca, que vivia duro e ia acompanhar a partida pela TV. O Bernardo foi escalado para ir buscar o Joca em casa.
Chegaram às duas horas no Estádio Mané Garrincha e a fila já estava imensa. E, no ritmo que estava andando, a turma ia dar sorte se entrassem no segundo tempo. Isso comprometeria toda a estratégia do grupo. Sem alternativas, acionaram o Pudim para intimidar o primeiro da fila. O Genésio disse que ameaçar “enfiar o nariz para dentro do cérebro” era uma atitude antiética. O Siri falou que o Genésio e a ética dele podiam ir pro final da fila, se ele quisesse. O Genésio ficou calado e, então, devidamente autorizado a usar força letal, se necessário, o Pudim partiu para negociar a entrada.
E nada do Bernardo e do Joca.
Entraram, instalaram o bandeirão, molharam a mão do ambulante da cerveja para garantir o fornecimento constante e esperaram a partida começar.
E nada do Bernardo e do Joca.
Foi só quando a Daniela Mercury tava cantando o Hino Nacional, em descompasso total com a galera, que o Bernardo e o Joca chegaram. As explicações só puderam ser dadas na segunda parte do Hino, pois, como ninguém sabia a letra, o estádio ficou mais silencioso.
— Que trabalhão! O Joca não estava em casa.
— Pois é, eu tava no motel com a patroa. Ia assistir o jogo lá, fazer uma social... Ainda bem que deixei o celular ligado, senão o Bernardo não me achava.
— E a patroa, não ficou brava?
— Quando acordar, vai ficar.
Esse era o Joca! Fugiu do Motel enquanto a esposa estava dormindo, só pra ver o jogo do Brasil.Daí em diante foi só festa. O Cabeção puxou o coro de “viadinho” quando o Latino entrou para cantar no intervalo e a Seleção deu de cinco a zero no Chile. Os preparativos da turma do Siri para a viagem à Alemanha já começaram. O Bigode ficou de arrumar o ônibus.

sexta-feira, 2 de setembro de 2005

Dança e Sacanagem

Já reparou como esses espetáculos de dança moderna se parecem com filmes de sacanagem?Nos dois é inacreditável o que os protagonistas fazem com o corpo, ninguém assiste nenhum dos dois por causa da história e, em ambos os casos, a performance tem que ser muito boa para prender sua atenção por mais de dez minutos.

Com tanto em comum, fico imaginando como seria uma apresentação que misturasse as duas coisas. Haja preparo físico, especialmente dos homens, que teriam que manter o... A... A haste do prazer enrijecida enquanto erguessem as mulheres no ar e se contorcessem sobre uma cama de água iluminada por tochas. A cenografia seria toda montada de pelos púbicos e... Tudo bem, tudo bem, a idéia é ruim. Mas que se parecem, parecem.

Outras semelhanças: jogo de futebol com casas de swing. Nos dois tem mais gente assistindo que participando e, nas duas situações, o homem raramente está acompanhado da sua esposa e... Não, não. Nunca fui a uma casa de swing. Me contaram.

Outras semelhanças: CPI e orgia. Em nenhum dos dois casos dá pra entender direito o que está acontecendo, nas duas situações você corre o risco de levar ferro a qualquer momento, nunca está muito claro quem está fudendo e quem está sendo fudido e quem participa dos dois tende a ter um ar cansado e arrependido.

Outras seme... Não, também nunca participei de uma orgia. E se tivesse participado teria sido há muito tempo atrás quando eu era jovem e influenciável e você não teria nada a ver com isso.Mas o que eu queria mostrar é que nada no Universo escapa da analogia com o sexo. Nem o próprio Universo, com seus buracos negros e seus corpos celestes se encontrando. O próprio Big Bang, uma explosão incontrolável de luz e fúria, tem tudo para ser comparado a um tremendo orgasmo – com direito, claro, a ver estrelas.

Isso significa que, dependendo da predisposição do indivíduo ele pode ver sexo em todo lugar e a qualquer momento e... Sim, minha esposa viajou e estou há um mês sozinho no apartamento, mas não entendi a pergunta.

Machismo

Você pode ou não ter recebido um e-mail que circula por aí com trechos tirados de revistas femininas da década de sessenta. Se não recebeu, não sou eu que vou mandar. Sou definitivamente contra estes e-mails não solicitados. A não ser, é claro, que seja um e-mail não solicitado de minha autoria, como o Ninguém Perguntou.
Mas a história é basicamente a seguinte: as frases estimulam a mulher a se comportar de forma cordata e complacente em relação aos “defeitos” de seu homem. Mensagens como: “se você perceber que seu marido anda te traindo, passe a dar mais atenção a ele. Seja mais carinhosa” e etc. O autor do e-mail conclui, com uma risadinha, que já não se fazem mais revistas como antigamente.
Discordo.
As revistas femininas de hoje continuam, em sua maioria, machistas e firmes no seu papel de treinar a mulher para satisfazer o homem. Na década de sessenta, poderia ser considerado vantagem ter uma esposa prendada. Mas hoje, ninguém quer ter em casa um piloto de fogão de noventa quilos. Com a chegada da entrega em domicílio, do forno de microondas, da comida congelada e da TV a Cabo, a sala e cozinha do macho moderno já tem tudo que ele necessita para uma vida agradável.
As revistas femininas perceberam essa tendência e mudaram seu foco, para melhor servir ao homem. Agora elas ensinam as mulheres a serem gostosas e boas de cama. Qualquer revista Nova tem mais mulher pelada que a Playboy e a Cláudia tem um suplemento de sexo que é uma maravilha. Aconselho qualquer homem casado a assinar essas revistas para suas esposas.
Mas e as matérias que estimulam a mulher a ter sucesso no mercado de trabalho? Todas são ótimas e contribuem para o staus quo do novo mundo masculino. Quem não quer ter uma mulher bonita, gostosa, ninfomaníaca e que ganha os tubos? Tô na fila (ou estaria, se já não fosse casado com uma mulher maravilhosa... Preciso dar um jeito da minha esposa parar de ler o que escrevo...). Além do mais, a maioria dessas matérias dão dicas do que a mulher deve fazer para conciliar o lar com o trabalho. Ensinam a como trabalhar e continuar a dar atenção aos filhos e ao maridão (ou namoradão).
A única coisa chata é que as mulheres também ficaram um pouco mais exigentes e o índice de infidelidade e de casamentos desfeitos subiu. Mas veja o lado bom: nunca foi tão fácil comer a mulher do vizinho ou aquela colega de trabalho boazuda. Com um pouco de sorte, talvez até as duas ao mesmo tempo.
Tempos modernos, revistas modernas, o velho machismo.