domingo, 22 de outubro de 2006

O pulo

Existe uma história de humor negro sobre um homem que acredita ser a última pessoa na face da Terra. Desesperado e solitário, resolve se jogar da janela de um arranha-céu. No momento em que ele pula, se arrepende. Por quê? Porque o infeliz ouve o telefone tocar, a prova definitiva de que ele não estava sozinho no mundo.
Caso o telefone tocasse alguns segundos antes, o homem o atenderia, lógico, mas, dependendo de quem fosse, poderia voltar à janela com ânimo renovado, se é que podemos associar animação com suicídio.
Poderia ser um operador de telemarketing. Sempre achei que, na hipótese do holocausto, tanto as baratas quanto os operadores de telemarketing teriam grandes chances de sobreviver. As baratas, pela sua resistência natural e os operadores de telemarketing por viverem trancados em bunkers subterrâneos e mal-iluminados, eternamente tentando preencher sua cota de ligações.
Já me disseram que minha visão sobre os operadores de telemarketing não é muito acurada, mas, se eu fosse dar crédito ao que me dizem, estaria agora estudando para o concurso do TCU a fim de garantir um futuro razoável à minha filha, e não escrevendo isso aqui.
Poderia ser o Clodovil ao telefone. Por que não? Poderia ser qualquer um, já que nada afeta a credibilidade de uma história hipotética. Poderia ser um candidato à presidência pedindo o seu voto. Poderia ser seu chefe lembrando que, fim do mundo ou não, amanhã o expediente é normal, hein?
Mas o fato é que o homem não atende ao telefone. Melhor assim. Provavelmente era engano.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

O que falta

Descobri o ingrediente que falta para os outros me considerarem um escritor genial (pois eu já me considero): a arrogância. É só olhar para todos os colunistas e cronistas por aí, do Jabor ao Mainardi, passando pelo Jô Soares. Nariz empinado é pouco. Pergunto-me como o Veríssimo conseguiu sobreviver nesse ambiente. E me respondo, porque eu sou foda: ele é tímido – e timidez é muitas vezes confundida com arrogância.
Está decidido – só me falta a arrogância. E, se continuar escrevendo textos como esse, daqui a pouco não faltará mais nada.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Gays e Coronéis

A história que você vai ler a seguir é baseada em fatos reais.
Estava eu na banca de revistas quando, súbito, entra um senhor, com toda pinta de coronel aposentado. Talvez o homem não fosse coronel, talvez não fosse sequer militar, mas a imagem mental que você faz de um coronel aposentado irá possivelmente corresponder à realidade e me poupar o trabalho de uma descrição mais detalhada. Mais tarde, neste mesmo texto, falaremos sobre preconceitos e estereótipos e talvez você venha a criticar essa minha preferência pelo modelo pronto, mas o importante não era a aparência do homem e, sim, o que ele gritou no momento em que pôs os pés na banca:
— Clodovil para presidente do Brasil!
O brado foi, sem dúvida, inusitado. Tanto por sua natureza quanto por sua origem. Mas bastaram mais alguns segundos para entendermos (eu, o atendente e mais uma meia dúzia de clientes) que se tratava de uma ironia.
— Um país que vota no Clodovil – continuou o suposto coronel – só pode estar como está. Que ponham logo então esse sujeito na presidência... Vão ver o que é bom para a tosse...
Explicada a comoção, todo mundo deu-se por satisfeito, menos o homem que iniciou a barulheira, que ainda flava alto:
— E é bem capaz de ganhar... Essa classe do Clodovil é muito unida.
A frase me incomodou de tal forma que reagi, antes que pudesse pensar muito a respeito. Em tom claro, para que todos ouvissem, comentei:
— Senhor, qual classe?
— Hã?
— A qual classe o Clodovil pertence?
Ele sorriu:
— A das bichas, ora!
— Bom, caso o senhor não saiba, ser gay não é posicionamento político, é orientação sexual.
Anos e anos de trabalho com ONG haviam preparado meu discurso, mas aquela era a primeira vez que eu o usava à paisana, fora do ambiente de trabalho. Senti-me meio deslocado, como um policial que se vê obrigado a parar um assalto enquanto está passeando no parque com os filhos. Mas era tarde. O homem já me olhava de cima abaixo tentando determinar se eu era ou não homossexual. Parecendo não encontrar resposta, acusou-me, em tom ofensivo, mas um pouco tímido:
— Você é gay, não é?
— Não. Sou apenas melhor informado que o senhor.
Já visivelmente irritado, o homem ainda parecia perdido quanto às minhas verdadeiras intenções:
— Quer dizer então que achei alguém que vota no Clodovil?
— De jeito nenhum. Jamais votaria nele, mas não porque ele é gay. Não voto porque não concordo com as idéias dele. Mas também não concordo com as idéias do senhor – e o senhor não é gay... Ou é?
Foi a ofensa máxima. Nervoso e com o rosto rubro, presenteou-me com a resposta mais civilizada que lhe era possível naquele momento:
— Você vai tomar no meio do olho do seu cu, seu babaca escroto. Não respeita os mais velhos, não?
Eu ainda explicaria que o simples fato de ser ou não gay não é desrespeitoso, mas o homem já havia saído, enfurecido.
Fato surpreendente: a meia dúzia de pessoas presentes ficou do meu lado e elogiou minha postura. E, como acho pouco provável que todo mundo ali fosse gay, acredito que ainda há esperança para a humanidade.
E uma última palavra sobre estereótipos: se é verdade que existe a bicha louca, que se veste de rosa e toma chá fazendo biquinho, também é verdade que existe o estereótipo do coronelão branco. Sabe quais foram as revistas que ele comprou? Coleção Heróis da Segunda Guerra e a mensal Armas de Fogo.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Política

Normalmente não falo sobre política aqui no site por dois motivos. Primeiro, porque política é coisa séria, coisa que o site não é. E, segundo, porque trabalho para o governo. E aí não é medo de ser demitido ou nenhum conflito ético mais complicado. Estamos em uma democracia e, contanto que eu não revele aqui nenhuma informação privilegiada, me sinto bem à vontade para falar bem ou mal de qualquer um. O problema é ser trabalho – escrevo isso aqui para me divertir e, na medida do possível, divertir os outros. O Ninguém Perguntou não é uma extensão natural das minhas mesquinharias cotidianas.
Mas pensei em abrir uma exceção. Eleições presidenciais, segundo turno, sabe como é. Todo mundo só fala nisso, ninguém iria me acusar de nada se o assunto aparecesse por aqui também.
Cheguei a ensaiar uns discursos e mandei uns e-mails, dizendo que eleição não é comparação – é escolha responsável, dizendo que tem muita gente votando hoje com o que sobrou da ideologia da eleição passada, dizendo que não consigo comprar o argumento de que “todo mundo rouba”, dizendo que os ideais são mais frágeis que as ideologias, enfim, dizendo que a situação tá feia.
Mas esse é o tipo de coisa que dá trabalho escrever, pois sua argumentação tem que ser muito extensa e completa. Ninguém vai simplesmente ler e refletir sobre o que foi proposto. Nada disso! Vão querer contra-argumentar, exigir retratações, balançarão a cabeça em aprovação e em desaprovação, relerão o texto procurando incongruências e, no fim, ninguém vai mudar de idéia.
Não falarei, portanto, da minha preferência pessoal (que não é tão óbvia quanto o texto dá a entender), mas como já cheguei até aqui, vou concluir o raciocínio de uma forma mais geral.
O destino da eleição está nas mãos da imprensa – e do atual presidente. Se conseguirem provar o envolvimento direto do Lula em alguma coisa ou se o Lula escorregar em algum pronunciamento, os indecisos podem resolver tomar uma decisão. Ao concorrente, Alkmin, resta sair de perto, tapar os ouvidos e torcer para a bomba explodir.
Esta eleição (e muitas outras) poderia ser diferente se os jornais tivessem dado mais espaço para as realizações deste governo e os planos dos candidatos para o próximo, mas, como sempre, ficamos acompanhando pela televisão a corrida de cavalos, vendo pelas pesquisas quem está na frente, quem ganhou o debate, quem tem, finalmente, a proverbial cabeça de vantagem, com muito barulho e pouca argumentação. Do jeito que é, em vez de conversarmos calmamente sobre o assunto, ficamos gritando das arquibancadas. Uns torcendo para o seu cavalo preferido e outros só querendo que a corrida acabe, seja lá qual for o resultado.
Se bem que eu acho que uma reflexão inteligente e ponderada sobre tudo o que está aí podia era dar o maior índice de votos em branco da história.

O Homem da Parede

Por onde anda o Homem da Parede? Talvez eu esteja perguntando para a pessoa errada, pois, como eu acabei de inventar esse personagem, é provável que você não tenha a menor idéia do paradeiro deste indivíduo.
Mas, na verdade, inventei apenas o nome – o Homem da Parede, ou alguma instituição que o representa, realmente existe.
E este é o momento do texto em que começo a me explicar, antes que todo mundo pare de ler e me mandem para aquele lugar.
Todos os dias, no meu caminho para o trabalho, passo por uma caixa de luz, em frente ao autódromo Nelson Piquet. A cada semana uma mensagem religiosa diferente é pintada na parede dessa caixa. Ás vezes um versículo de uma passagem famosa da Bíblia, ou trechos de algum salmo particularmente interessante. Não sei o porquê disso. Não conheço o mistério por trás dessas mensagens de otimismo que aparecem no meu caminho, trocadas com mais freqüência que qualquer outdoor ou front-light.
Talvez a caixa de luz seja de propriedade de alguma igreja, talvez seja um pregador solitário patrocinado por uma loja de tintas. Nada indica, inclusive, que seja um homem, pode ser a Mulher da Parede. Mas seja o que for, faz mais de três semanas que o texto não muda.
Alguma coisa aconteceu com o Homem da Parede.
Se na semana que vem a citação ainda estiver lá, compro eu umas latas de tinta e assumo o legado da parede da caixa de luz. Só não garanto manter os textos bíblicos, andei pensando nuns poemas concretistas... Ou quem sabe, o Hino do Flamengo.
Não é heresia, não, gente. É que eu acredito que a parede é neutra, laica, um espaço democrático que aceita o discurso que ninguém mais quer ouvir. Tomara que tenha sido por isso que o Homem da Parede abandonou sua tela – tomara que ele tenha encontrado alguém disposto a ouvir seu discurso. Tomara que ele não precise mais falar para as paredes.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Coisa de cientista

Descobri que o preço do macaco está pela hora da morte. O macaco (ou, no caso, a macaca) tem poucos filhos e demora para chegar à idade adulta. Por outro lado, o rato é baratinho, pois se prolifera de forma praticamente desenfreada e, em poucos meses, já está bem desenvolvido, pronto para levar injeções, tomar eletrochoques e ser enfiado em labirintos.
O problema é que o macaco é uma cobaia mais eficiente, por se parecer mais com o ser humano (e especialmente comigo, que sou cabeludo). Pense neste problema e, se chegar à alguma conclusão, não me informe.

Interessante

Confesse que de vez em quando você gostaria de ser uma pessoa mais interessante. Conhecer um pouco mais sobre vinhos e sobre história antiga, ter fotos suas no Egito e na Ilha de Páscoa e, sem dúvida, ter mais telefones de supermodelos em sua agenda. Ou, pelo menos, um telefone de supermodelo.
Na verdade, vemos filmes e comerciais demais ao longo de nossa vida e acabamos tendo uma visão meio capitalista sobre o que é interessante. E, sem dúvida, comparada à do 007, nossa vidinha é bem mais ou menos. Mas carros exclusivos e paisagens exóticas à parte, me parece que ao sonhar com a megasena e o dia em que finalmente mandaremos tudo à merda (ou, pelo menos, o chefe), ás vezes perdemos a perspectiva de que o mais interessante da vida já foi, possivelmente, conquistado.
Ontem mesmo passou pela minha cabeça o seguinte pensamento: “Não vejo a hora de ficar multimilionário para deitar no sofá, ler um bom livro e comer camarão no jantar”. E eu estava no sofá, lendo um bom livro, me recuperando do camarão ao alho e óleo e bacalhau que tinha acabado de comer. Comprei o prato na promoção do Visa, o livro era emprestado e o sofá estava sujo de biscoito (sobra de campanha do lanche da minha filha), mas, mesmo assim...
É claro que ainda quero ganhar toneladas de dinheiro sem fazer esforço, mas não vou esperar isso acontecer para declarar minha vida interessante.