A história que você vai ler a seguir é baseada em fatos reais.
Estava eu na banca de revistas quando, súbito, entra um senhor, com toda pinta de coronel aposentado. Talvez o homem não fosse coronel, talvez não fosse sequer militar, mas a imagem mental que você faz de um coronel aposentado irá possivelmente corresponder à realidade e me poupar o trabalho de uma descrição mais detalhada. Mais tarde, neste mesmo texto, falaremos sobre preconceitos e estereótipos e talvez você venha a criticar essa minha preferência pelo modelo pronto, mas o importante não era a aparência do homem e, sim, o que ele gritou no momento em que pôs os pés na banca:
— Clodovil para presidente do Brasil!
O brado foi, sem dúvida, inusitado. Tanto por sua natureza quanto por sua origem. Mas bastaram mais alguns segundos para entendermos (eu, o atendente e mais uma meia dúzia de clientes) que se tratava de uma ironia.
— Um país que vota no Clodovil – continuou o suposto coronel – só pode estar como está. Que ponham logo então esse sujeito na presidência... Vão ver o que é bom para a tosse...
Explicada a comoção, todo mundo deu-se por satisfeito, menos o homem que iniciou a barulheira, que ainda flava alto:
— E é bem capaz de ganhar... Essa classe do Clodovil é muito unida.
A frase me incomodou de tal forma que reagi, antes que pudesse pensar muito a respeito. Em tom claro, para que todos ouvissem, comentei:
— Senhor, qual classe?
— Hã?
— A qual classe o Clodovil pertence?
Ele sorriu:
— A das bichas, ora!
— Bom, caso o senhor não saiba, ser gay não é posicionamento político, é orientação sexual.
Anos e anos de trabalho com ONG haviam preparado meu discurso, mas aquela era a primeira vez que eu o usava à paisana, fora do ambiente de trabalho. Senti-me meio deslocado, como um policial que se vê obrigado a parar um assalto enquanto está passeando no parque com os filhos. Mas era tarde. O homem já me olhava de cima abaixo tentando determinar se eu era ou não homossexual. Parecendo não encontrar resposta, acusou-me, em tom ofensivo, mas um pouco tímido:
— Você é gay, não é?
— Não. Sou apenas melhor informado que o senhor.
Já visivelmente irritado, o homem ainda parecia perdido quanto às minhas verdadeiras intenções:
— Quer dizer então que achei alguém que vota no Clodovil?
— De jeito nenhum. Jamais votaria nele, mas não porque ele é gay. Não voto porque não concordo com as idéias dele. Mas também não concordo com as idéias do senhor – e o senhor não é gay... Ou é?
Foi a ofensa máxima. Nervoso e com o rosto rubro, presenteou-me com a resposta mais civilizada que lhe era possível naquele momento:
— Você vai tomar no meio do olho do seu cu, seu babaca escroto. Não respeita os mais velhos, não?
Eu ainda explicaria que o simples fato de ser ou não gay não é desrespeitoso, mas o homem já havia saído, enfurecido.
Fato surpreendente: a meia dúzia de pessoas presentes ficou do meu lado e elogiou minha postura. E, como acho pouco provável que todo mundo ali fosse gay, acredito que ainda há esperança para a humanidade.
E uma última palavra sobre estereótipos: se é verdade que existe a bicha louca, que se veste de rosa e toma chá fazendo biquinho, também é verdade que existe o estereótipo do coronelão branco. Sabe quais foram as revistas que ele comprou? Coleção Heróis da Segunda Guerra e a mensal Armas de Fogo.
Estava eu na banca de revistas quando, súbito, entra um senhor, com toda pinta de coronel aposentado. Talvez o homem não fosse coronel, talvez não fosse sequer militar, mas a imagem mental que você faz de um coronel aposentado irá possivelmente corresponder à realidade e me poupar o trabalho de uma descrição mais detalhada. Mais tarde, neste mesmo texto, falaremos sobre preconceitos e estereótipos e talvez você venha a criticar essa minha preferência pelo modelo pronto, mas o importante não era a aparência do homem e, sim, o que ele gritou no momento em que pôs os pés na banca:
— Clodovil para presidente do Brasil!
O brado foi, sem dúvida, inusitado. Tanto por sua natureza quanto por sua origem. Mas bastaram mais alguns segundos para entendermos (eu, o atendente e mais uma meia dúzia de clientes) que se tratava de uma ironia.
— Um país que vota no Clodovil – continuou o suposto coronel – só pode estar como está. Que ponham logo então esse sujeito na presidência... Vão ver o que é bom para a tosse...
Explicada a comoção, todo mundo deu-se por satisfeito, menos o homem que iniciou a barulheira, que ainda flava alto:
— E é bem capaz de ganhar... Essa classe do Clodovil é muito unida.
A frase me incomodou de tal forma que reagi, antes que pudesse pensar muito a respeito. Em tom claro, para que todos ouvissem, comentei:
— Senhor, qual classe?
— Hã?
— A qual classe o Clodovil pertence?
Ele sorriu:
— A das bichas, ora!
— Bom, caso o senhor não saiba, ser gay não é posicionamento político, é orientação sexual.
Anos e anos de trabalho com ONG haviam preparado meu discurso, mas aquela era a primeira vez que eu o usava à paisana, fora do ambiente de trabalho. Senti-me meio deslocado, como um policial que se vê obrigado a parar um assalto enquanto está passeando no parque com os filhos. Mas era tarde. O homem já me olhava de cima abaixo tentando determinar se eu era ou não homossexual. Parecendo não encontrar resposta, acusou-me, em tom ofensivo, mas um pouco tímido:
— Você é gay, não é?
— Não. Sou apenas melhor informado que o senhor.
Já visivelmente irritado, o homem ainda parecia perdido quanto às minhas verdadeiras intenções:
— Quer dizer então que achei alguém que vota no Clodovil?
— De jeito nenhum. Jamais votaria nele, mas não porque ele é gay. Não voto porque não concordo com as idéias dele. Mas também não concordo com as idéias do senhor – e o senhor não é gay... Ou é?
Foi a ofensa máxima. Nervoso e com o rosto rubro, presenteou-me com a resposta mais civilizada que lhe era possível naquele momento:
— Você vai tomar no meio do olho do seu cu, seu babaca escroto. Não respeita os mais velhos, não?
Eu ainda explicaria que o simples fato de ser ou não gay não é desrespeitoso, mas o homem já havia saído, enfurecido.
Fato surpreendente: a meia dúzia de pessoas presentes ficou do meu lado e elogiou minha postura. E, como acho pouco provável que todo mundo ali fosse gay, acredito que ainda há esperança para a humanidade.
E uma última palavra sobre estereótipos: se é verdade que existe a bicha louca, que se veste de rosa e toma chá fazendo biquinho, também é verdade que existe o estereótipo do coronelão branco. Sabe quais foram as revistas que ele comprou? Coleção Heróis da Segunda Guerra e a mensal Armas de Fogo.
Nada a acrescentar. :-)
ResponderExcluirO WW nao era gay???
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