sexta-feira, 9 de junho de 2006

Outra Crônica

“Não se deve julgar um livro pela capa”. O espírito da frase é bom, mas a metáfora é infeliz. Não julgar uma pessoa por sua aparência externa é correto, mas a capa é justamente por onde devemos começar a julgar o livro. A começar pelo título.
Alguns atores dedicam quase o mesmo tempo que levaram para escrever a obra ao título. Outros desenvolvem todo o texto a partir do título. Outros, ainda, só dão nome ao seu trabalho após sua conclusão. O título é o nome da obra – e se não podemos julgar uma pessoa pelo nome que lhe foi dado, nada impede que já façamos um certo juízo de seus pais e, no caso do livro, do autor.
Títulos simplórios, como, sei lá, O Alquimista, minimizam a obra. Antes de abrir o livro sabemos do que se trata, a história de um alquimista e, ao terminarmos o livro, nada muda a impressão inicial que tivemos ao ler o título.
Títulos bons, como O Código Da Vinci, despertam nossa curiosidade, mas, depois da página vinte, desvendamos seu significado – e ele se cristaliza e permanece imutável até o final.
Ótimos títulos complementam, transcendem ou definem a obra. Um ótimo título é aquele cujo significado se torna nítido apenas quando lemos a última página do texto, ou quando não se torna perfeitamente nítido nunca. Um ótimo título fica permanentemente associado ao texto, tornando impossível que a obra seja reconhecida por qualquer outro nome.
O Código Da Vinci poderia se chamar O Enigma Da Vinci e nada mudaria, mas que outro nome poderíamos dar a “Guerra e Paz”, “O Nome da Rosa”, “Ensaio Sobre a Cegueira”, “O Longo Adeus”, “Sagarana”, “Eu, Robô”?
Outra coisa que devemos observar é o tamanho do nome do autor. Quanto maior a fonte e o destaque, mais livros o indivíduo vende.
Quer um clássico? Procure capas duras. Quanto mais dura, mais clássico. Biografias? É só conferir a foto ou ilustração do sujeito na capa. Infanto-Juvenis? Ilustrações de quadrinhos. Mistério? Cores escuras e ilustrações sombrias (mãos caídas no chão, armas, becos, etc.).
Isso acontece porque, ao contrário de quem escreve, quem publica não tem muita criatividade – e, sem criatividade, o que sobra é a verdade. No caso, o óbvio, que é a verdade pelada.É claro que o veredicto final sobre um livro só pode ser dado após o ponto final, mas não deixe a capa fora do banco dos réus.

Um comentário:

  1. Segundo o proprio Eco, o titulo de "O nome da Rosa" nao tem nenhuma importancia. Ele o escolheu so porque esse titulo é curioso... Numa entrevista ele recorda que num pais do oriente médio, nao me lembro qual, o titulo da traducao foi "Sexo no monastério" !
    "sem criatividade o que sobra é a verdade"...??? Isso me cheira a provocação! Confundir "verdade" e "fato", eis a essência da banalidade. Nao seria o contrario?: sem criatividade, nao ha verdade, e o que sobra sao os fatos, o banal, o obvio. Esses sao frutos da mediocridade; a verdade, ela, é fruto da imaginação e do gênio. (Vide: Oscar Wilde).

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