sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Resoluções

Tenho um conjunto de resoluções que repito todo final de ano: ficar milionário fazendo o que gosto, comer pelo menos duas supermodelos (pode ser ao mesmo tempo) e mandar o chefe tomar no cu na frente de todo mundo. Mas, invariavelmente, alguma coisa sempre atrapalha meus planos: a falta de mercado para escritores de nível mediano, minha esposa e um chefe gente boa, por exemplo.
Tudo isso ilustra o ponto no qual quero chegar, que é a fragilidade das resoluções de fim de ano. Não por causa da nossa força de vontade (ou da ausência dela), mas porque o resto do mundo não ajuda. De que adianta decidir qualquer coisa se o universo não colabora?
Peguemos um exemplo popular: “Neste ano vou emagrecer”. Mas o Porcão, por acaso, vai fechar as portas? Vão parar de vender chocolate e sorvete? Sua avó vai parar de fazer aquele lombinho do domingão com pavê de nozes de sobremesa? O mundo não pára pra você passar, meu amigo.
Você pode até optar pelo caminho mais difícil e fazer exercícios e dieta, em detrimento do que se passa ao seu redor, mas aí não é mais resolução, é penitência.
Tem gente que, sabendo que é difícil ver uma resolução concretizada, trapaceia. “Vou ficar seis meses sem beber”! Grande coisa! É só, como na piada, beber dia sim, dia não. Ou então é vago. “Serei feliz”! E como é que se mede isso? Ninguém é feliz todos os dias do ano, a não ser que seja meio bobão. Basta estar feliz no último dia do ano que vem? Não, não. Esse objetivo é vago, questionável e pode te trazer conflitos internos desnecessários. Mesmo sendo mais feliz que a média, como não existe parâmetro para medir a felicidade, você pode achar que ainda não é feliz o suficiente. Ou seja, essa resolução está mal formulada.
É um desafio e, por isso mesmo, é preciso levar nossas resoluções de fim de ano muito a sério. Temos que usar metas SMART para as resoluções. Meu objetivo está claro? É mensurável? No caso de realizações proporcionais, qual é a minha linha de base? Tenho um cronograma definido? Qual é o primeiro passo?
Como todo o planejamento, sua resolução (assim como as minhas lá em cima) podem estar sujeitas às flutuações do mercado, mas, se algo der errado, você tem certeza de que não foi culpa sua.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Retrospectiva 2006

Não falarei das minhas realizações pessoais, que não foram muitas, mas valeram a pena – e dariam até um bom registro. Só que isso aqui não é meu diário. Trata-se de um site sério e tão confiável e imparcial quanto a Istoé (talvez até mais confiável, já que a Istoé elegeu Lula o homem do ano). Portanto, essa é uma retrospectiva que fala do que é acessível a todos, apareceu na mídia e circulou pelos e-mails, praticamente igual às milhares de retrospectivas que os veículos de comunicação farão. A única diferença é que a comissão julgadora desta retrospectiva é composta apenas por mim e meu alter ego, o Alceu.

O Homem do Ano: Empate entre Maria Bethânia e Mick Jagger, dois dinossauros que conseguiram se destacar no cenário musical, desbancando muita gente mais nova. Jagger comandou o show do ano no início de 2006 e, agora no final do ano, Bethânia lança um disco que é sucesso de crítica e de vendas. É a força da terceira idade.

A Mulher do Ano: Empate entre Daniela Cicarelli e Juliana Paes. As duas mostraram a perereca, o que é sempre um bônus em minha humilde opinião, mas, convenhamos, teve muito mais gente mostrando a perereca neste ano. Mas as duas, sem dúvida, foram as que mais propagaram o way of life da mulher gostosa, exibida e doida para dar, o que é sempre um bônus na minha humilde opinião.

O Gibi do Ano: Os Supremos só não leva o título porque desapareceu alguns meses das bancas. Crise de Identidade, da DC fica com as honras. Tá certo que a minissérie começou em 2005, mas sua conclusão apoteótica só rolou neste ano. Sensacional a cena do Batman tentando chegar a tempo de evitar a morte do pai do Robin, ouvindo pelo rádio tudo o que o assassino estava fazendo.

O Livro do Ano: Neste ano não li nenhum lançamento, preferindo revisitar os clássicos, como o Manual do Sexo Manual, do Casseta e Planeta.

O Fracassado do Ano: Carlos Alberto Parreira. Conseguiu montar um time que jogava mal até quando ganhava. Saiu com o rabo entre as pernas da Copa e ainda por cima pagou o mico de publicar o livro “Formando Equipes Vencedoras”.

O Pior Filme: Superman – O Retorno. Não deveria ter voltado.

O Melhor Filme: 007 Cassino Royale. Só a cena da tortura já vale o ingresso – e o resto do filme também não é nada mal. Um James Bond meio troglodita, diálogos espirituosos e cenas de ação bem dirigidas resultaram em uma combinação interessante. Em segundo lugar, próximo: Tudo Dentro 4, com destaque para a cena de sexo grupal em gravidade zero - você não pode morrer sem antes ver isso, é genial!

O Melhor Desenho Animado: Os Supremos 2. Mas precisa ver o primeiro para entender a história.

A Melhor Música: As melhores músicas deste ano foram todas regravações, como provaram os Homens do Ano lá em cima e todo o clima revival dos anos 80, que seguiu com força total em 2006 e não parece que vai parar tão cedo.

O Melhor Ator de Novelas da Globo: qualquer coadjuvante. Nesse caso, o melhor é quem fala menos e aparece menos.

O Programa de Ficção do Ano: Jornal Nacional.

O Game do Ano: Oblivion. É praticamente uma overdose de tecnologia e diversão. Um jogo no qual você pode colher flores, apreciar o pôr-do-sol e jogar mortos-vivos morro abaixo é digno de minha admiração.

A Revista de Mulher Pelada do Ano: a Playboy se redimiu no fim do ano, com a Karina Bacchi e a edição de verão, mas vou ficar com a opção virtual Morango, do IG, que é bastante variada, sensual e dá para ver em qualquer lugar, inclusive no trabalho. Basta minimizar quando o chefe estiver por perto.

A Mania do Ano: YouTube. Tão interessante quanto deprimente, o YouTube dominou os monitores da galera. Quem não acessou que atire a primeira pedra.

O Homem de Negócios do Ano: os coreanos que controlam a pirataria mundial. Só no Brasil, a indústria alternativa movimentou mais de um bilhão de reais – e tem gente que tem coragem de dizer que a economia nacional não anda aquecida. No ano que vem, analistas prevêem ainda mais oportunidades para quem utiliza mão-de-obra sem carteira assinada e notas fiscais frias.

O Seriado Americano do Ano: Para mim, o maior mistério do Lost é o sucesso do seriado. Achei a série viajandona pelo prazer de ser viajandona. O prêmio vai para 24 Horas. Descobri o seriado neste ano e consegui assistir a todas as cinco temporadas (120 horas) em cerca de seis meses. Destaque para o Jack Bauer atirando na Nina, o Jack Bauer interrogando a Nina, o Jack Bauer torturando a Nina e o Jack Bauer matando a Nina. Fora essas cenas, achei interessante também as vezes em que a Nina sacaneou o Jack Bauer.

A Imagem do Ano: Páreo duro. Tivemos os dólares do PT, a trepada da Daniela Cicarelli, o acidente da Gol e um sem-número de tragédias e mazelas diversas. Nada me marcou tanto quanto o olhar de fascinação da minha filha no dia de seu aniversário de três anos. Sei muito bem que prometi não incluir nada pessoal nessa retrospectiva, mas quem presenciou o fato concorda que ele tem todo o direito de ser mencionado aqui.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Sexo classificado

Já fazia tempo que queria escrever sobre esse assunto, não me pergunte porquê. Agora apareceu a oportunidade, não me pergunte como. vamos lá, então.
Os anúncios de sexo pago no jornal revelam que existe um universo paralelo do erotismo, com siglas e vocabulário próprio, além de uma imensa criatividade para fisgar o cliente pelo fetiche certo.
Alguns truques são clássicos. Inventar um nome com a letra a, para aparecer primeiro nos classificados – o meu preferido é Aaron, para homens e, para mulheres, a gaguinha Aalana. Ou colocar cinco estrelinhas, como se o serviço fosse aferido por algum sistema de controle de qualidade que não o da própria acompanhante. Já pensou? Fica como idéia para uma edição adulta do guia 4 rodas (seria o guia de 4 rodas, rá, rá). E as taras tradicionais: iniciante, japonesinha, pedolatria, etc. Mas alguns argumentos de venda vão além do tradicional.
Demorei para descobrir o que significa uma mulher completa. Um amigo, mais experiente, ajudou: completa é que faz sexo anal. Esclarecido. Nas minhas elucubrações cheguei a imaginar que, se levasse um cesto de roupas sujas, a profissional completa as lavaria. Eu sei, eu sei: preconceito, machismo, me processe.
Mas que tal o “abro a porta peladinha”? Isso é que é desespero. BBG (bumbum grande), gata malhada (branca com manchas pretas?), extremamente linda!!!!!! (assim mesmo, com vários pontos de exclamação), “18 anos comprovados no RG” (ai,ai), pompoarista (legal!), ambiente de luxo (sinônimo de quitinete dividida com mais três amigas em cima da barbearia) e por aí vai.
Tudo isso prova minha tese de que a indústria do sexo caminha sempre sobre uma linha tênue entre o bom-humor e o deprimente, entre a satisfação e a solidão. Ao mesmo tempo em que o sexo pago é uma alternativa importante para saciar os desejos da humanidade, é também um dos melhores exemplos da falta de alternativa para alguns humanos, dos dois lados da negociação.
Mas, enfim, não sou contra o sexo. Sou contra o mau uso dele, pago ou não.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Jingle Bells

Jingle bells, jingle bells e aquela coisa toda. É Natal de novo. Todo ano tem e todo ano sou pego de surpresa, parando para pensar no significado da data aos quarenta e cinco do segundo tempo, esquecendo de desejar boas festas a alguns amigos e deixando para comprar presentes no dia 24 pela manhã. Nem sempre foi assim, claro.
Quando criança, começava a pensar no Natal em novembro, junto com os shoping centers. Na adolescência, questionador e interessado em teologia, ficava atento ao significado religioso da data, tinha até uma circunspeção imprópria para a idade, uma espécie de reverência pelo, enfim, nascimento do responsável por tudo isso aqui. O cara primeiro criou o mundo e depois nasceu nele! Metafísica, metafísica. Ou teologia, teologia. Mas tudo isso passou.
Hoje, é duro confessar, o que mais me empolga na data é o recesso de fim-de-ano e o chester com farofa molhada da minha avó, empatados.
Mas a verdade é que estou feliz por chegar ao fim de mais um ano com saúde e disposição para apreciar a paisagem e convicção de que ainda posso fazer diferença, se não para o mundo, ao menos para mim mesmo. Nada mal.
Desejo a todos um Feliz natal e um ótimo Ano-novo. São boas datas, com um simbolismo que temos que aproveitar, já que nem sempre esse espírito festivo e solidário sobrevive em outras épocas do ano.
Um grande abraço,
Zinho

Moderninhos

Estamos vivendo mais. O tempo passa, as descobertas científicas vão aumentando e nossa capacidade de adiar a morte com qualidade de vida também aumenta. Seria muito bom, se não fôssemos seres humanos, criaturas capazes de transformar qualquer coisa em má notícia.
É que em vez de distribuirmos a vida extra em partes iguais, mais infância, mais juventude, mais vida adulta e, porque não?, mais velhice, queremos concentrar tudo na juventude. Os resultados são variados.
Pessoas na casa dos oitenta anos sendo pegas pela polícia federal com contrabando de êxtasi e viagra. Gente por volta dos setenta se endividando para comprar carros esporte e conhecer o mundo. A turma dos sessenta fugindo do cardiologista pra encarar mais um rodízio de carne. O pessoal dos cinqüenta dando jeito nas costas, nas pernas e nos braços por causa da ioga e do jiu-jitsu. Os de quarenta anos sorrindo e sofrendo com o primeiro filho e os de trinta usando roupinhas adolescentes e falando gírias pseudo-moderninhas: beleiza, véio e outras. Estes últimos são, de longe, os piores.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Americanismos

Recebi um e-mail pedindo para que eu boicotasse o filme Turistas, que trata sobre um grupo de americanos que vêm passar férias no Brasil e se dão muito mal. O e-mail afirma que o filme é preconceituoso e mentiroso, não passa uma visão realista do país e só prejudica a nossa imagem lá fora. Seguem, então, algumas considerações:
1. Se você quiser que eu boicote alguma coisa não me mande um e-mail atiçando minha curiosidade sobre o assunto.
2. É bem provável que Hollywood nunca tenha passado uma visão precisa sobre nada, especialmente em filmes de terror de orçamento barato e sensacionalistas. Ou você acha que a Casa de Cera, com a Paris Hilton, passa uma visão acurada do meio-oeste americano?
3. Outras coisas mais importantes andam manchando nossa imagem lá fora. A primeira dama ter requerido nacionalidade italiana é uma delas, a corrupção rompante e impune é outra. Não vou negar que o filme dá uma forcinha, mas somos bastante capazes de denegrir, nós mesmos, nossa imagem.
4. Fosse eu um estrangeiro e assistisse Cidade de Deus, teria muito mais medo de vir ao Brasil. Cidade de Deus parece ser bastante real e é muito mais violento e angustiante que uma ficção barata. Falar mal do próprio filho pode, né?
5. Como bem lembrou um amigo, nossa discussão sobre cinema e nacionalismo tem que estar, ao menos, um nível acima de Turistas. Glauber no Cinemark!
6. Vale lembrar que Hollywood nunca foi tão crítica dela mesma e que a própria indústria cinematográfica americana anda valorizando esse espírito crítico, premiando filmes como Syryana, Boa Noite Boa Sorte, O Senhor das Armas, Crash, etc. Ultimamente não tá dando para atacar Hollywood de forma generalizada.
Olha, não me chame para nenhuma passeata, mas até que não sou totalmente antipático a essa indignação, não. A chamada para o filme é bem forçada mesmo, algo como “Em um país onde vale tudo, tudo pode acontecer”. Mas aqui, cá entre nós, só entre os brasileiros. Lembre dos dólares na cueca e responda com toda sinceridade: vai dizer que essa frase nunca passou pela sua cabeça?

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Os Supremos

Se a sua locadora for decente, já deve ter nas prateleiras o desenho animado dos Supremos. Faça um favor a você mesmo e alugue a fita. Mas para você – mantenha as crianças afastadas, a não ser que não se importe que a meninada veja o Capitão América com crises de insegurança, o Thor enchendo a cara ou o Homem de Ferro passando a mão na bunda da Viúva Negra.
Os Supremos é a versão moderna dos Vingadores. Começou com uma história em quadrinhos realista e ousada escrita por Mark Millar e indecentemente bem ilustrada por Brian Hitch e chegou neste desenho animado, uma versão bem mais leve que o gibi, mas que tenta não comprometer demais o espírito do original.
É, muito provavelmente, bem diferente dos desenhos animados que você já deve ter assistido (a não ser que já tenha visto Ghost in the Shell ou Apple Seed) e experiências novas sempre deixam a vida mais interessante.
De nada.

Carreiras

Toshi Ito era uma pessoa sensível, poeta, amante das artes. Por força das circunstâncias, acabou parando na carreira errada: piloto kamikaze. O mundo estava destinado a jamais conhecer a poesia de Ito, pois ele morreria dentro de uma semana, sem nunca ter publicado nada.
Meio a contragosto, Ito aceitou seu destino e preparou-se para a morte. Era seu trabalho. O dinheiro garantia comida para a família e era uma maneira honrada de viver, mesmo que tivesse de morrer por isso. No fim, concluiu, não era tão ruim saber a data da própria morte. Pôde organizar tudo, botar as contas em dia e manter a correspondência atualizada. Estava pronto, podia morrer em paz.
Mas aconteceu o seguinte: os Estados Unidos soltaram as bombas e a guerra acabou e, com ela, a demanda para a especialidade de Ito. O pobre japonês viu-se, de uma hora para outra, sem mercado de trabalho.
Não era um bom piloto tradicional – suas aterrissagens eram péssimas, os trancos incomodavam os passageiros e danificavam o equipamento. Tinha treinado para trombar com as coisas e não para pousar delicadamente. Mas o pior não era isso. O pior era estar preparado para a morte e não morrer.
Ito não tinha planos para o final de semana. Não só para o próximo final de semana, mas para nenhum final de semana seguinte. Não tinha namorada e havia perdido o contato com seus amigos. Não tinha nem ânimo e nem disposição para freqüentar bares e festas. A vida, subitamente, parecia insossa e inapropriada. Passava por dificuldades financeiras, pois seu soldo havia sido reduzido e não tinha economias.
Chegou a pensar em se matar, mas era uma saída pouco honrada e Ito valorizava a honra. Foi por causa da honra que decidiu seguir a carreira improvável na aeronáutica. Se em vez de honra tivesse bom senso ou ambição pessoal, quem sabe um pouco de sorte... Mas, não. Tinha era honra, muita honra. E mais nada.
Voltou a escrever. Pouca coisa alimenta tanto a alma do poeta quanto a depressão. Obrigou-se a sair de casa e conhecer pessoas. Bebeu, drogou-se e experimentou um pouco de tudo no sexo. Acalmou-se, entrou para a Yoga, batalhou para ver seus poemas publicados e, um dia, distraído, voltou a sorrir. Morreu neste mesmo dia, à noite, em um acidente automobilístico, sem nem mesmo saber porque havia sorrido pela manhã.
Durante toda a sua vida, Ito teve dificuldades em conciliar o que se passava dentro de si mesmo com o que se passava no mudo à sua volta. Morreu de forma anônima e incômoda, como só os verdadeiros heróis morrem. Foi um exemplo de como o destino pode ser cruel ou aleatório e a prova de que qualquer uma das duas coisas é deveras perturbadora.
Existe um Toshi Ito dentro de cada um de nós. Um pedaço da gente que não está satisfeito com as coisas como estão, mas que também não vê alternativa para a mudança. Uma parte que aceita a morte, mas não a compreende e não sabe lidar com ela na prática. Fica, portanto, a lição, que deve ser interpretada de forma ampla e livre: mesmo para um piloto kamikaze é importante aprender a pousar suavemente.