Sempre achei divertida a cara que as pessoas fazem quando descobrem que não tenho celular, mas um colega ontem quase perdeu o controle e me agrediu fisicamente só porque não tenho um aparelhinho desses. Ele, inclusive, quis me dar um de presente que eu, polidamente, recusei. O homem me olhava como se eu fosse uma criatura de outro planeta.
Talvez eu seja mesmo. Não conheço mais ninguém que não tenha um. Minha esposa, minha mãe, meus amigos, minha faxineira. Todos carregam um telefone, para cima e para baixo, como se sua vida dependesse daquele apêndice eletrônico. Com um cego e sua bengala, as pessoas e seus celulares são inseparáveis.
Acho até legal ter a capacidade de encher o saco de quem eu quiser, na hora que bem entender. E tirar fotos e botar o tema da vitória na chamada, essas coisas. Mas acho ainda mais legal poder dirigir ouvindo música e prestando atenção no trânsito.
— Mas e se algum parente seu morrer? – Perguntou meu colega do primeiro parágrafo, tragicamente.
Até onde sei, ainda não lançaram um modelo com a tecla ressuscitar e saber de um acidente mais cedo não vai mudar em nada o que aconteceu. Não tenho pressa de sofrer.
— Mas e se você precisar de ajuda, numa emergência? – Insistiu meu indignado colega, mais comedido.
Não duvido que o celular já tenha até salvado vidas, mas aposto que coletes a prova de balas, massageadores cardíacos e presença de espírito já salvaram muito mais e nem todo mundo tem. Além do mais, não estou sendo contra o uso do celular em geral – se você acha que o troço é útil para você então, por favor, use.
Já bati o carro, já furei o pneu em lugares ermos e já passei mal e o celular não fez falta. Não dependo dele, não é a primeira coisa que passa pela minha cabeça quando estou em apuros. Quando fura o pneu do carro, em vez de ligar pro guincho, eu troco.
Sei que um dia terei que ceder. Já tive um no passado e provavelmente terei outro no futuro. Sou um cara que gosta de tecnologia: tenho videogame, meu computador é de última geração. Um dia terei um telefone móvel. Um dia, não hoje.
É que me dá uma sensação estranha quando olho em volta e vejo todo mundo com um celular no ouvido ou a tiracolo. Vocês lembram daquele filme que passava de madrugada onde quem dormia era dominado por uma raça alienígena? No fim, todo mundo ficava sob o controle dos ETs, achando que era a coisa mais normal do mundo. Você já parou pra pensar se sua necessidade pelo celular é real ou se você apenas dormiu no ponto?
Ah! Quem sou eu para criticar? Sei há muito tempo que o bom-senso perdeu a guerra para o consumismo – fui uma das primeiras vítimas. Talvez seja até por isso que eu resista tanto. Sou como o pecador que já experimentou todos os pecados, menos um – justamente o mais usual, que é pro Diabo morrer de raiva. O Diabo e o meu colega, claro.
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