quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Contas

Se você parar para fazer as contas, pode chegar à conclusão de que a vida não é tudo isso que andam anunciando por aí. Vamos supor, por exemplo, que você chegue aos sessenta nos de idade, e, se o Mick Jagger chegou lá, é de se imaginar que, hoje em dia, qualquer um possa chegar. Enfim, sessenta anos. Não é uma meta, trata-se apenas de um exemplo.
Aos 60 anos, você terá dormido cerca de 20 anos, trabalhado e estudado 15, passado de quatro a seis anos no trânsito e é seguro dizer que perdeu pelo menos três anos em filas, cadeiras de consultório, doenças e outras mazelas sortidas.
Isso te deixa, na melhor das hipóteses, com um saldo líquido de vinte anos que, além de tudo, provavelmente não foram só de diversão. Nesse meio tempo você ficou deprimido, rompeu relacionamentos, ficou mal-humorado, foi a funerais, leu livros ruins e deve ter assistido ao Domingão do Faustão várias vezes. Ou seja, não foram exatamente vinte anos de êxtase.
O tempo de vida médio do ser humano é uma estatística inútil. Queria que tivessem me dito muito claramente e há algum tempo atrás qual era a minha expectativa de vida líquida. O máximo que ouvi foi um genérico “a vida é muito curta”, uma frase até meio falsa. A vida não é curta – mas é mal distribuída e pouco aproveitada.
A alternativa (sempre existe uma) é trapacear. Trabalhar com o que gosta e divertir-se no trânsito ouvindo uma boa música são formas de aumentar a, enfim, longevidade da vida. Dormir tranqüilo e ao lado de uma pessoa querida também ajuda. Evite combinações improváveis como, por exemplo, fazer sexo com o carro em movimento. Se estiver em um congestionamento, você pode ser preso. Se o carro estiver em movimento, você pode sofrer ou causar um acidente. As duas coisas vão contra o princípio do que estamos discutindo aqui que é, justamente, fazer a vida render.
Pois é, com uma boa dose de improviso e bom-humor é possível viver bem, mas isso não afasta a sensação de que me passaram um produto incompleto, como uma lanterna sem pilhas. E, volta e meia, também me bate a sensação de que estou montando um quebra-cabeça sem ter uma imagem de referência. Fico horas com um pedacinho da vida na mão, sem saber onde encaixá-lo, perdendo mais tempo ainda.
Por enquanto – e apesar de certa insatisfação – não penso em devolver. Já lido com minha vida há trinta e poucos anos e acabei me afeiçoando a ela, aceitando-a apesar de seus defeitos. Mas que deveria vir com manual de instruções, deveria.

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