A esposa de Múcio Bortolini (o nome verdadeiro dele não é esse) havia deixado bem claro há um tempo atrás que não queria sequer ouvir falar na hipótese de comprar um Pleisteichion Dois. Bastava Múcio começar a conversa que ela disparava todos os argumentos contra: É caro, É coisa de criança, Você prefere gastar seu tempo com isso do que comigo?, Onde vamos colocar?, Começa assim e, já, já, vai querer também os acessórios, Aliena, Dá LER, etc. Podia recitar os argumentos contra de trás para diante ou em ordem alfabética.
Mas todos os amigos do Múcio tinham um e ele se sentia excluído da diversão. Um dia, depois de uma semana particularmente desinteressante no trabalho, o tédio e a angústia invadiram a mente de Múcio e ele não agüentou – apareceu em casa com uma caixa debaixo do braço.
— O que é isso, Múcio? – Perguntou a esposa estendendo o braço e fazendo o sinal de pare com a palma da mão aberta, antes que ele desse três passos para o interior do apartamento.
— É um negócio bem legal – respondeu Múcio, procurando ganhar terreno.
— É um Pleisteichion, não é?
— Não. É um PÊ ESSE DOIS slim.
— Um o quê?
— PÊ ESSE DOIS slim.
— E não é a mesma coisa?
— Claro que não!
— E qual é a diferença entre um Pleisteichion Dois e um PÊ ESSE DOIS slim, Múcio?
— Esse aqui é slim.
— Múcio, eu não te falei que não queria saber desse negócio de vídeogueime aqui em casa? Hein? Não falei? Hein? Não Falei?
— Você disse que não queria que eu usasse o nosso dinheiro...
— E de onde veio esse aí?
— Eu ganhei...
— De quem? Quem te deu um troço caro desses, homem. Fala logo e para de enrolação, que já ta me dando um calor de ver você parado em pé falando baixinho com essa caixa na mão. De quem, Múcio? De quem?
— Da minha vó.
A esposa do Múcio arregalou os olhos.
— De quem?
— Da minha vó.
— Sua vó? Mas sua avó morreu no ano passado, Múcio. E gente morta dá vídeogueime de presente?
— Antes de morrer, ela me deixou de herança quatro mil reais e falou para que eu gastasse como quisesse. Comprei um Pleisteichion Dois para mim, um relógio para você, comi camarão hoje no almoço e... Bem... Tive que completar com quinze reais e sessenta.
A esposa do Múcio estudou a situação. Era um momento delicado no relacionamento dos dois. Se deixasse o marido botar o vídeogueime dentro de casa, estaria admitindo a derrota e ela não era mulher de perder. Mas dinheiro de herança não era dinheiro deles e ele havia se preocupado com ela também, com o relógio. A próxima pergunta decidiria o futuro do relacionamento dos dois:
— Quanto custou o brinquedo?
— Novecentos reais, com dois controles analógicos, um mêmori card e dez jogos alternativos à minha escolha.
Isso só podia significar que o relógio custava bem uns três mil reais, já que o Múcio não estava com cara de quem havia comido trinta quilos de camarão no restaurante mais caro da cidade. Só podia entregar os pontos:
— Tem de corrida?
— Tem.
— Só não vai jogar na hora da minha novela, viu?
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