quinta-feira, 13 de julho de 2006

Corvos

Pode ter sido outro, mas até onde sei tudo começou com Edgar Alan Poe. “Tudo o quê?”, perguntaria qualquer pessoa normal, visto que não expliquei absolutamente nada. Bem, o “tudo”, neste caso, são os corvos. Ou, mais especificamente, os corvos que falam.
O corvo do Poe, no poema homônimo, fala “Nunca mais”. Inclusive, “Nunca mais” é a única coisa que ele fala. Faz sentido que o precursor dos corvos falantes seja pouco versado na linguagem humana e que tenha um vocabulário limitado. Talvez seu último dono tenha sido alguém que votou no Lula na última eleição e, pela repetição da frase, o corvo acabou sendo capaz de imitar o som das palavras “nunca” e “mais”.
Mas o que estou dizendo? Não pode ser isso. O poema é, por incrível que pareça, mais antigo que o PT e, ao contrário de quem votou no Lula, o corvo de Poe parecia saber o que estava fazendo, tinha o firme propósito de atormentar o narrador com seu ar nobre e diabólico pousado sobre a estátua de Atena. O corvo de Poe não apenas falava, mas o fazia de forma consciente.
Fantástico, especialmente para um corvo. Como todos sabem, a gralha é capaz de imitar certos sons humanos, tendo assim uma vantagem biológica sobre o corvo, o que, ao que parece, pode ser muito interessante na vida real, mas não conta muito na literatura. O corvo é o primeiro pássaro sombrio a falar inglês. Nada mais natural, já que o inglês é uma das línguas mais fáceis da humanidade. Também não vamos querer que o pobre corvo fale servo-croata, não é mesmo? Note também que me refiro aos pássaros sombrios, por isso não fiz referência a papagaios e ao Pato Donald, bichos mais simpáticos e menos freqüentes em pesadelos.
Mas os corvos, não satisfeitos em simplesmente falar, ainda dão bons personagens. Já citei o do poema, mas que tal Mathew, o corvo do Sonhar, da série de quadrinhos Sandman? Curioso, simpático e apreciador de olhos de rato, Mathew é um dos personagens mais carismáticos de uma série onde o que não falta são personagens carismáticos.
E, ainda ontem, terminei de jogar no computador Dreamfall – The Longest Journey. Mais uma aventura interativa que um jogo propriamente dito, Dreamfall se destaca pela incrível direção de arte, pelos diálogos curiosos e, você adivinhou, pelo corvo, que atende pelo muito apropriado nome de... Corvo. Devido ao seu cérebro pequeno, ele foi obrigado a esquecer a linguagem das aves para aprender a humana e nunca é capaz de guardar muitas informações ao mesmo tempo, o que torna seus diálogos deliciosamente surreais.
Fiquei tão empolgado que hoje pela manhã minha primeira atitude foi providenciar um corvo para mim. Achei que daria um animal de estimação bem legal (além de gótico, sombrio e deprimente, claro). Mas meu corvo ainda não disse uma palavra. Fica só ali, me encarando com seus olhos vermelhos, parado em meus umbrais... Só isso e nada mais.

3 comentários:

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