segunda-feira, 19 de março de 2007

De mal a melhor 3

Vocês deveriam ler os comentários que fizeram sobre a minha crônica "De mal a melhor 2". Primeiro, porque são bons e, segundo, porque complementam bem a idéia da crônica e, terceiro, se vocês não lerem nem a crônica e nem os comentários não vão entender direito o que vou escrever aqui.

É claro que, quando afirmo que o mundo está melhorando, esta não é uma frase completamente isenta de ironia, pelos motivos que o Fred apresentou muito bem – e muitos outros. Por outro lado, acho mesmo que estou melhor hoje do que estaria há, digamos, sessenta anos atrás. Para dar um exemplo egoísta e imediato, os remédios que tomo hoje para a diabetes não haviam sido sequer inventados na época. Hoje, esse remédio é distribuído de graça pelo governo. Há sessenta anos eu não teria chegado aos trinta.

Estamos melhor hoje, então. Mas por que parece que não estamos?

A verdade é que bom e ruim são conceitos relativos e, com a peste negra assolando a cidade ou não, se alguém diz que as coisas não vão bem, as coisas não vão bem e pronto. Fatos não servem para medir a felicidade e é por isso que tanto ricos quanto pobres estão sujeitos à tristeza e à depressão. O ser humano se adapta muito facilmente a qualquer situação, seja ela boa ou ruim.

Além disso, a adversidade não nos dá tempo para pensar e, freqüentemente, faz vir à tona o que temos de melhor. Se os Vikings vão invadir a aldeia, toda a aldeia irá se unir. O egoísmo não tem espaço em uma situação de catástrofe. O individualismo não tem espaço dentro da senzala. O isolamento não consola os sobreviventes da enchente. A situação antigamente era preta, mas os esforços da humanidade para se consolar e buscar a realização eram maiores. As famílias comiam juntas à mesa, os namoros eram longos e repletos de poesia, os aldeões se reuniam em torno da fogueira para contar histórias.

Nos tempos modernos, onde a tribo não tem mais que sair em bando para caçar, o individualismo nos traz um tipo de problema completamente novo: a catástrofe individual. A depressão, a angústia e a dominação econômica e cultural. Em uma sociedade onde temos muito (até o mendigo de hoje tem mais que o mendigo da idade média), ainda ficamos com a sensação de que temos pouco – e não sabemos exatamente o que queremos. A solução é ter dinheiro, pois ele compra qualquer coisa.

A cultura praticamente inexiste porque, embora a produção cultural seja o produto de indivíduos, antes, esses indivíduos estavam imersos em uma sociedade mais coletiva. A angústia dos artistas era a angústia da humanidade.

Quem escreve no blog, trancado dentro de casa, sem botar o nariz para fora, inventando seu próprio vocabulário, está produzindo um texto com uma visão muito estreita. Bandas de música que não se reúnem para ensaiar (cada um grava sua parte em casa e alguém mixa tudo no computador) estão livres até da autocrítica.

Enfim, é por isso que disse, no primeiro texto, que o mundo estava possivelmente melhor. Talvez não esteja. Talvez esteja apenas com problemas diferentes com o agravante de estar, a cada dia que passa, mais próximo do fim – sem a perspectiva de uma melhora realmente significativa adiante.

E talvez a beleza esteja realmente nos olhos de quem vê.

Um comentário:

  1. Zinho, com relação a "(cada um grava sua parte em casa e alguém mixa tudo no computador)", consegui marcar um ensaio e todos fomos felizes para sempre nas duas horas da sala! Hehehe, me inclua fora dessa como diz o Millôr!

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