Quem viu só os resultados do Oscar desse ano deve ter ficado com a impressão de que a cerimônia foi previsível, já que os ganhadores foram mesmo os mais cotados em suas categorias.
Mas esse olhar superficial não traduz o que foi a cerimônia – uma das mais interessantes que já assisti. Hollywood provou mais uma vez que está amadurecendo e mudando. Ainda é uma indústria que se preocupa essencialmente com o dinheiro, mas que não tem mais vergonha de admitir e homenagear o talento que gera esses bilhões de dólares – de forma honesta, emocionada e cada vez mais abrangente.
Questões políticas e morais, que costumavam constranger a academia (alguém se lembra da índia que foi receber o Oscar do Marlon Brando?), hoje são o fio condutor da premiação, o que fica bem claro no discurso de abertura de Helen Degeneres: “Se não houvesse negros, judeus e gays, não haveria cinema. Ou haveria, mas seria muito chato”.
Pulp Fiction puxou, nos anos noventa, o bonde dos bons roteiros, que quase sepultaram Stallone e sua turma (quase. Rocky voltou – mas com um bom roteiro). Depois, a queda das torres gêmeas fez com que a comunidade artística, sempre a primeira a reagir às desgraças do mundo, abraçasse as causas políticas e a consciência social de maneira aberta e declarada. As edições mais recentes do Oscar refletem bem isso – nos discursos e nos filmes indicados (Syriana, Crash, etc.).
A conseqüência natural disso foi um olhar mais crítico à sociedade americana e filmes como Boa Noite, Boa Sorte e Cartas de Iwo Jima. E, claro, o tão adiado reconhecimento do talento negro, corroborado neste ano por Jennifer Hudson e Forest Whitaker.
Neste ano tivemos ainda a tradicional justiça tardia, com Scorcese e Morricone. Martin Scorcese teve seu talento finalmente premiado em um filme bom, mas menor. E Ennio Morricone ganhou um emocionante prêmio pelo conjunto de sua obra – e que obra, mais de 400 composições em filmes. Destaque para o discurso de Morricone, elegantemente traduzido do italiano por Clint Eastwood (o Dirt Harry está com tudo). A alegria e a emoção dos dois premiados também foram prova de que receber um Oscar está longe de ser alguma coisa banal e que a estatueta é, sem dúvida, o prêmio máximo do cinema.
Mas o que me empolgou foi o aspecto internacional da cerimônia. Discursos em chinês, em italiano, em alemão, uma montagem feita por Tornatore com todos os filmes estrangeiros, O Labirinto do Fauno abocanhando estatuetas, indicados de todas as nacionalidades... Foi legal ver Hollywood reconhecer que o cinema não tem dono nem fronteiras.
É uma festa bonita, da qual, infelizmente, pouca gente participa. Exclusiva para famosos, ricos e bem-sucedidos, que podem até se dar ao luxo de se preocupar com o aquecimento global, já que não têm mais que se preocupar em como ganhar o pão de cada dia. Mas assistir só uma vez por ano não faz mal. Ainda mais se eles continuarem se comportando assim tão direitinho.
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