Por onde começar? Sexta-feira assisti ao filme do ano. Tudo bem que ainda não vi quase nada do Oscar e ainda estamos em março, mas vai ser difícil algo superar o documentário de Kevin Smith que vi no Cinemax.
Smith, cineasta e roteirista de HQ, responsável pelo extraordinário retorno do Arqueiro Verde, entrevistou ninguém menos que Stan Lee, diretor de criação da Marvel Comics e o criador do Homem-Aranha, Thor, Hulk, Vingadores, X-Men e Quarteto Fantástico, só para citar os mais conhecidos.
O cenário da entrevista foi, apropriadamente, uma comic shop e durante quase duas horas fiquei hipnotizado vendo aquele senhor de oitenta anos falar sobre histórias em quadrinhos, torcendo para que a conversa não chegasse ao final.
Para alguém que proclama que é um grande fã de si mesmo, Lee mostrou ser extremamente simples, humilde, honesto e um imenso brincalhão, revelando sem frescuras ou pudores todos os segredos da indústria de quadrinhos e como foi o processo de criação de cada um de seus personagens. Algumas histórias são inesquecíveis.
Como escrevia literalmente dezenas de revistas ao mesmo tempo, Lee tinha dificuldade de se lembrar dos nomes de seus personagens, por isso a maioria deles tem iniciais duplas. Peter Parker, Reed Richards, Susan Storm, Bruce Banner... E por aí vai.
Os heróis da DC, rival da Marvel, têm origens diversas. Superman é de outro planeta, Batman criou-se por causa de uma tragédia, Mulher-Maravilha é uma semi-deusa grega. Mas os heróis de Lee têm, quase todos, origens baseadas na ciência e na tecnologia – e Lee explica porquê: ele era fã de ficção científica. O detalhe é que, apesar disso, não tinha nenhum conhecimento de ciências e, segundo ele próprio, não sabe diferenciar uma bomba gama de um abacate. Os fenômenos que criaram o Quarteto Fantástico (raios cósmicos), o Hulk (bomba gama) e o Homem-Aranha (aranha radioativa) tiveram esses nomes porque Lee achou que eles soavam bem. Tinham uma sonoridade legal. Não havia pesquisa ou lógica envolvidos no processo.
Para Lee, inventar a forma como os personagens tinham adquirido seus poderes era, inclusive, muito chato. Ele queria era desenvolver personalidades e não se ocupar do pano de fundo. Finalmente, sem idéias para novas origens secretas, decidiu que ia criar um grupo de heróis que já tivessem nascido com poderes – mutantes. Nasceram os X-Men – que foram batizados assim porque o editor da Marvel na época achou que “mutante” era uma palavra que a população não compreenderia. Como se alguém fosse saber o que significa X-Men...
Na década de sessenta, Lee andava chateado com a Marvel, pois os editores não deixavam que ele desenvolvesse suas idéias. Achavam que quadrinhos era coisa de criança ou de adultos bobos e impediam que ele fosse mais ousado. Lee andava insatisfeito e entendia que estava escrevendo apenas bobagem. Em uma tentativa de ser demitido, criou o Quarteto Fantástico, juntando em uma única revista tudo que era “proibido”. Heróis sem identidade secreta, muito texto, histórias com continuação, crítica política, drama familiar. As revistas venderam tanto que, em vez de ser demitido, Lee foi promovido a presidente da empresa, cargo que ele declinou dois anos depois, para voltar a criar histórias. “Eles queriam que eu fizesse um planejamento para os próximos cinco anos e eu não sabia nem o que eu ia comer no almoço”.
Humildemente, Lee afirmou que todo o seu sucesso foi apenas sorte. “Sou um bom contador de histórias, mas existem melhores. Tive a sorte de trabalhar com os mais incríveis desenhistas da minha época, Jack Kirby, Gene Colan, Steve Ditko, John Buscema. Houve um momento na história no qual tudo o que fazíamos parecia dar certo, mesmo quando errávamos”.
Modesto, Lee pareceu esquecer que suas estratégias de marketing são as linhas mestras da indústria de quadrinhos até hoje, como a introdução da sessão de cartas dos leitores e os recordatórios, no início de cada história, que falam um pouco sobre o herói e atualizam o leitor da trama. “Mas isso não é redundante?”, perguntou Kevin Smith, “Todo mundo sabe quem é o Homem-Aranha”. Ao que Stan Lee respondeu, com um sorriso: “Tenha sempre em mente que toda revista em quadrinhos é sempre a primeira revista em quadrinhos de alguém”. Se eu já não fosse fã, teria virado.
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