quinta-feira, 30 de julho de 2009

Inimigo mesmo

O filme Inimigos Públicos, de Michael Mann, é ruim. Não só porque é pretensioso, pois Miami Vice também era e funcionou, mas pelos motivos que listo a seguir, em detalhes, para o deleite dos mais sádicos:

1. O elenco: Johnny Depp não emplaca como gângster. O rapaz é bom ator, mas ficou tempo demais interpretando tipos esquisitos e não consegue mais fazer o básico. Na pele de Dilinger, ele não consegue ser nem charmoso (como Warren Beaty, Robert Redford, Paul Newman e outros tantos atores que já interpretaram criminosos simpáticos), nem intimidador (como Joe Pesci, Robert DeNiro, Marlon Brando, etc.). Chega uma hora que você fica meio com pena do personagem, mas é o máximo que dá pra sentir. Ele tentou fazer um tipo contido e ficou estranho, melancólico. Tom Cruise, no filme Colateral (também de Michael Mann) faz um vilão muito mais interessante.

Tem uma hora no filme que algo muito importante acontece em função do medo que um policial sente de Dilinger. Pela interpretação de Depp, o medo é completamente injustificado. Até mesmo quando ele tenta intimidar a namorada, a impressão que dá é que ela vai começar a rir na cara dele a qualquer momento.

Christian Bale parece o Batman que trocou a capa e as orelhinhas por um sobretudo e chapéu. Desperdício, já que o cara é bom ator. E desperdício duplo porque o personagem que ele interpreta tinha tudo pra ser ótimo. O caçador de bandidos e um dos primeiros agentes do Bureau of Investigation, Melvin Purvis, é uma figura histórica interessantíssima: altamente eficiente, vivia deprimido e amargurado por se ver obrigado a compactuar com as medidas, mais políticas que policiais, tomadas por J. Edgar Hoover, seu chefe e criador do FBI. No filme, o personagem de Bale é linear e, ao final, quando aparece um textinho dizendo que ele se matou, ninguém consegue entender por que, já que ele parece estar sempre muito confiante e seguro de si.

2. A fotografia: O filme é excessivamente escuro e os supercloses acompanham mal a ação, dando a impressão de que o filme é parado e arrastado até nas cenas de tiroteio. Além disso, é muito cansativo tentar acompanhar o que acontece na tela, e vários personagens vestidos de preto contra o fundo escuro transformam a identificação dos atores em adivinhação. Algumas tomadas são muito interessantes, mas não salvam o todo.

Por conta dos tons escuros, a personagem de Marion Cotillard (a namorada de Dilinger) parece estar o tempo todo de olheiras. No fim do filme, quando jogam uma luz direta em sua cara, é que podemos ver o quanto ela é bonita (justamente no momento em que ela deveria parecer estar com olheiras, cansada e deprimida).

3. A cena de sexo: Dispensável e sem graça. Se não for pra dar tesão, é melhor não ter. O Poderoso Chefão não tinha cena de sexo e, quando quiseram colocar, quase acabou com o filme. Se não deu certo nem em O Poderoso Chefão...

4. O roteiro: Esse era para ser fácil, pois se trata de uma história real. Mas a idéia de dar um "ritmo próprio" ao filme cagou tudo. Tem uma hora que o Dilinger é preso – um dos pontos mais importantes do filme – e não dá pra entender direito o que aconteceu. Parece que teve um incêndio no prédio, os bombeiros vieram, viram as armas de um dos capangas em um dos quartos, chamaram a polícia, a polícia chegou, deduziu quem eram os outros membros da gangue que estavam nos outros quartos, invadiu e prendeu todo mundo. Nesse meio tempo, Dilinger estava olhando a namorada tomar banho. Nada disso é mostrado no filme (apenas a namorada na banheira) e tudo precisa ser deduzido no diálogo entre Dilinger e um dos seus parceiros no crime enquanto eles, aos gritos, são enfiados nos carros de polícia, numa cena que dura 5 segundos. Outros momentos importantes do filme são igualmente anticlimáticos ou, pior, arrastados e previsíveis, como os 15 minutos finais.

Além disso, o roteiro falha em identificar bem os atores coadjuvantes, que vão ficar sem nome ou confundidos com outros personagens até quase o final do filme quando, misteriosamente, as pessoas começam a se tratar pelos nomes, definindo melhor quem é quem, quando você já não está mais se importando tanto assim.

5. O encontro entre Dilinger e Purvis: o que era pra ser um dos pontos altos do filme soa como farsa. A idéia é que Dilinger aparente ser um cara perigoso e intimidador, mas tá na cara que o Batman cobre ele de porrada a qualquer hora do dia e em qualquer lugar. Christian Bale até se esforça para fazer cara de medo, mas não convence (até porque não dá pra ter medo mesmo do personagem de Depp).

Mas o que é bom? Cotillard e o agente do FBI que contracena com ela no fim do filme estão muito bem, a reconstituição de época é impressionante (especialmente os veículos), alguns diálogos são ótimos e a cena inicial é bacaninha, mas o filme é absolutamente dispensável, ganhamos todos muito mais utilizando esse tempo para rever Os Intocáveis, que é um filme de gângster de verdade.