quarta-feira, 25 de abril de 2012

O melhor emprego do mundo


Há alguns dias atrás, vazou um documento interno da Valve: uma cartilha que eles dão para os novos funcionários da empresa. Pra quem não sabe, os caras da Valve são os criadores de uma pequena franquia de jogos chamada Half-Life, dos fenômenos online Team Fortress e Left 4 Dead e, claro, do mais eficiente sistema de venda de jogos online que existe, conhecido como Steam.

A empresa fatura milhões por ano, é sinônimo de qualidade e de respeito ao usuário e é considerada por muitos como um dos melhores lugares do mundo pra se trabalhar. E agora a gente sabe por quê.

A cartilha, escrita com muito bom humor, avisa aos novos funcionários para não entrar em pânico, pois eles têm certeza de que você nunca trabalhou em um lugar assim e que é normal levar um tempo pra se acostumar. Olha só algumas das diretrizes da empresa:

. Não existe chefe na Valve. Você não presta contas a ninguém e ninguém te diz o que fazer. Você trabalha no que você quiser e não precisa ser nem dentro da sua especialidade. Eles, inclusive, encorajam você a trabalhar fora da sua especialidade. Os donos da empresa não são seus chefes – se eles te pedirem pra fazer alguma coisa, você pode dizer não.

. As mesas e cadeiras têm rodinhas. Elas são um símbolo de liberdade, mas também são usadas para, literalmente, mudar sua mesa de lugar quando você bem entender. Todos os seus sistemas (telefone, computador) são ligados por uma única tomada – você despluga a tomada, leva sua mesa para onde bem entender e liga em outra tomada de novo. Para achar alguém dentro da empresa você precisa recorrer à Intranet da empresa, que rastreia onde os computadores estão ligados.

. A empresa conta com sala de massagem, área de entretenimento, área de Buffet, área de descanso e academia. Eles encorajam você a usar todos esses espaços sem sentir culpa, quantas vezes por dia você quiser.

. Eles consideram trabalhar até tarde todos os dias sinônimo de ineficiência.
. Quando você tiver a fim, pode trabalhar de casa – não precisa inventar desculpa pro seu chefe – até porque você não tem um.

. Você recebe participação nos lucros da empresa. Como isso é feito? A solução é genial: uma vez por ano você é avaliado por todo mundo que trabalhou junto com você em alguma coisa. Essas pessoas te dão nota em uma série de itens e também apontam onde você pode melhorar. Os itens formam um “score” e o seu salário é revisto de acordo com a sua pontuação. Além disso, você recebe, de forma anônima, todas as dicas que te deram para melhorar. Ou seja, ultimate peer evaluation. Não tem chefe pra puxar saco e, se você abusar da liberdade que te deram, sem responsabilidade, isso vai refletir direto no seu bolso.

. Ninguém nunca foi demitido da empresa por cometer um erro. Eles incentivam o pensamento criativo e atitudes de risco.

. Tudo o que você fizer precisa ser feito com o consumidor em mente.

Funciona? Os salários da Valve são os maiores do mercado e, como eu falei antes, os caras estão nadando em dinheiro e reputação. A empresa não é muito ágil, mas eles também não precisam ser – ao menos por enquanto. O segredo está em quem contratar, pois não é qualquer pessoa que consegue se adaptar a esse tipo de ambiente: tem que ser alguém criativo, altamente motivado, que sabe trabalhar em equipe e que, principalmente, gosta e acredita no que faz. E aí? Vai mandar seu currículo?

terça-feira, 24 de abril de 2012

Sacanagem é não ter profissionalismo


Às vezes eu gostaria que mais coisas fossem feitas com o profissionalismo dos filmes pornôs italianos.

No filme de sacanagem italiano, a fotografia é boa, a maquiagem é bem-feita, o figurino é de primeira e os caras ainda capricham na locação. Não é superprodução, não. Mas é bem feito, profissional, arrumado.

De acordo com fontes que vão permanecer anônimas, os diretores até tem a preocupação de encontrar atores com membros de tamanhos similares para as cenas de ménage – pra tudo ficar esteticamente mais equilibrado.

Precisava disso tudo? Claro que não. A prova são os filmes de sacanagem americanos e brasileiros que são feitos com muito menos atenção e têm o mesmo sucesso (quando não fazem mais sucesso ainda por causa do marketing exagerado). Outra barreira de entrada para os filmes italianos é que eles têm diálogo (até diálogo tem!) e só quem fala italiano é italiano e uma menina que conheci uma vez na praia que era doidinha de tudo.

Enfim, os caras têm capricho e respeitam a própria profissão. E tem gente que ainda acha que filme de trepa-trepa não tem lição de moral.

Itália: luz indireta, filtro de luz e contra-luz.

Buttman: vamos fimar na praia que tem luz natural!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Entendendo o Mangá e o Anime – a linguagem japonesa de narrativa ilustrada

Você sabe por que o Mangá e o Anime são mais bem aceitos pelos mais jovens? A resposta é simples, os mais jovens têm menos preconceitos culturais. Alguém que já está muito acostumado à linguagem narrativa ocidental (especialmente a importada dos Estados Unidos) pode estranhar muita coisa quando lê um mangá ou assiste a um Anime pela primeira vez e, muitas vezes, não consegue absorver o que está sendo mostrado, pois não consegue se livrar de suas pré-concepções sobre como uma história ou cena devem se desenvolver.

Hoje em dia, os elementos artísticos andam bem misturados, graças a artistas ocidentais que importaram referências orientais (como Frank Miller e Tarantino), graças à pesada influência dos videogames japoneses no ocidente (muito diminuída nos últimos dez anos, infelizmente) e graças também à forte penetração da cultura ocidental no Japão que, habituado a tratar tudo com certa reverência, absorveu de maneira quase religiosa uma série de elementos da cultura pop americana.

Mas os japoneses foram pioneiros em uma série de técnicas – e de manias - narrativas e hoje vou falar sobre algumas delas. Por quê? Porque ninguém perguntou, claro.

Representação do tempo

Mesmo antes da MTV, o ocidente já tinha a mania de contrair o tempo em suas narrativas, exibindo em minutos o transcorrer de horas e em poucos quadrinhos o que seria uma longa cena de ação. Quem nunca viu nos quadrinhos os recordatórios falando “horas depois...” ou “no dia seguinte...”? Ou, no seriado antigo do Batman, aquela vinhetinha que envolvia toda a cena em uma espiral para reapresentá-la no segundo seguinte já bem adiantada?
No Japão, a representação do tempo é muitas vezes bem diferente. O tempo é distendido. E por dois motivos muito fortes:

1. A preocupação com o que se passa na cabeça do personagem no momento da ação e não apenas com a ação em si.

2. A necessidade do autor de detalhar uma ação. Não basta mostrar que o Batman deu um soco no vilão. O autor de mangá e anime quer mostrar a tensão do músculo, o ponto de impacto, a técnica marcial exata utilizada, a expressão de raiva no rosto do atacante, a expressão de dor no rosto de quem levou o soco e, não raro, a reação de todo mundo que estava presente na cena e viu o soco sendo dado.

Esse elemento cultural pode resultar em momentos sublimes, como os estudados duelos de samurai que os westerns tipo spaguetti copiaram (câmera na arma, câmera nos olhos, câmera nos dedos se movendo, câmera nos olhos, câmera na platéia se escondendo, câmera na boca mascando o tabaco, etc.) a momentos que desfiam a lógica linear, como o herói que dá um pulo e parece que passa meia hora no ar, porque antes de cair no chão ele fala dos seus ensinamentos, relembra a infância e explica a técnica do pulo. Se você entende que o tempo ali naquela cena está distendido e que o narrador está apresentando contexto misturado com a ação, as coisas fazem bastante sentido. Se você não consegue perceber isso, a primeira reação é classificar o que viu como coisa de maluco (o que talvez até seja, mas agora você sabe que existe uma lógica por trás da loucura).

Expressões exageradas
Por trás das expressões exageradas dos desenhos japoneses existe um motivo cultural e um motivo estético.

O motivo cultural: embora isso tenha mudado um pouco nos tempos modernos, a sociedade japonesa sempre foi bastante reservada e a arte de uma forma geral sempre foi um outlet para a expressão mais desinibida e, muitas vezes, caricata, como um contraponto a esse universo de constante repressão social.

O motivo estético: a obsessão japonesa pelos detalhes e pelo desenvolvimento psicológico de seus personagens. É mais fácil partir para a caricatura quando você quer ter plena certeza de que a audiência entendeu o seu recado. Embora possam parecer ridículo os olhões esbugalhados e bocas gigantes, enquanto os quadrinhos americanos tinham três expressões: feliz, sério e zangado, o mangá japonês já conseguia mostrar coisas como: tesão, decepção, inveja, surpresa, constrangimento e loucura - veja a capa de A Piada Mortal, uma das histórias em quadrinhos mais aclamada de todos os tempos. A cara do Coringa na capa, magistralmente desenhada pelo Brian Bolland é puro mangá.

Hipersexualização
Essa coisa da mulher ser tratada desde novinha para servir o homem (em todos os sentidos) é um elemento cultural forte do Japão. E a presença dele nas ilustrações narrativas é reflexo dessa obsessão pela submissão feminina.

A Europa também sempre gostou do sexo e da sacanagem nos seus quadrinhos (herança da nobreza libidinosa), mas na Europa o sexo quase sempre aparece retratado como uma coisa que acontece entre adultos.

No Japão, a sexualidade é quase exclusivamente fetichista, e o fetiche normalmente envolve pré-adolescentes, dominação e, contraditoriamente, inocência. Essa mistura rende bons momentos quando cria interações complexas e provocantes entre os personagens, mas também freqüentemente gera cenas embaraçosas e constrangedoras para as nossas sensibilidades ocidentais.

Violência

Essa é simples. No Japão, assim como na Europa, quadrinhos e animação não são necessariamente coisas de criança. Esse conceito está mudando também por aqui no ocidente, mas por lá já é assim há muito tempo.

Além disso, lá existe um respeito muito grande à visão do artista e há menos revisões editoriais e menos preocupação em falar apenas sobre o que é politicamente correto. Por isso, não só violência como outros temas considerados tabu por aqui, por lá são “fair game”. Temas como homossexualidade, racismo, depressão, depravação e morbidez são comuns – até em desenhos considerados “infantis”. Na série O Pirata do Espaço, em um dos finais os dois personagens principais morrem. No final oficial, mais light, os personagens que cultivaram um amor platônico durante todo o desenho ficam separados para sempre. Esse desenho passava no Clube da Criança, apresentado pela Xuxa (na época que ela ficava pelada).

Essa mocinha com cara de inocente
matou o ex-namorado e deixou o garotão
aí chupando o dedo no final de
O Pirata do Espaço.
Um dia desses, o filho de dez anos de um amigo meu me perguntou, na frente do pai, o que era sodomia e apartheid, na mesma frase. Na hora deduzi que ele andou lendo a série Eden que emprestei pro pai dele. E se ele leu até a parte do apartheid, significa que ele também já tinha lido sobre genocídio, estupro, traição e fascismo. Essa revista foi parcialmente editada aqui pela Panini e qualquer moleque de dez anos poderia tê-la comprado na banca. Ou seja, não são os produtos japoneses que são inapropriados – inapropriada é a maneira com a gente consome esses produtos, sem entender para que público eles foram feitos.

E com isso, encerro esse post. Espero que tenha sido, como sempre, inútil, mas interessante.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Sabedoria

Se eu não sei o que estou fazendo...
... eu nem faço, disse o derrotista.
... eu peço para outro fazer, disse o líder.
... eu mando outro fazer, disse o chefe.
... eu mando outro fazer e digo que fui eu quem fez, disse o político.
... eu subcontrato, disse o gerente da empresa.
... eu subcontrato pelo dobro do preço para alguém que também não sabe fazer, disse o governo.
... eu choro, disse o maníaco-depressivo.
... eu faço e boto a culpa do resultado em outra pessoa, disse o carreirista.
... eu aprendo, disse o destemido.
... eu peço ajuda, disse o prático.
... eu fujo, disse o covarde.
... eu não posso me culpar por isso, disse o analisado.
... eu procuro um tutorial na Internet, disse o conectado.
... então ninguém mais sabe, disse o convencido.
... eu faço assim mesmo. O que vale é a intenção!, disse o otimista.
... eu convenço todos os outros de que quem não sabe são eles, disse o manipulador.
... eu marco uma reunião, disse o executivo.
... eu preencho o formulário em três vias requisitando alguém que saiba, disse o burocrata.
... eu não deveria ter assumido essa responsabilidade, disse o arrependido.
... eu deveria ser julgado como incapaz, disse o assassino orientado pelo advogado.
... eu visto a roupa e vou embora, disse o liberal.
... eu espero que ela também não saiba, disse o virgem.
... eu não deveria ter um blog, disse o escritor.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Mario? Que Mario?

Recentemente um amigo que gosta muito de videogames (sim, mais que eu) afirmou que o Super Mario 3 é o melhor videogame de todos os tempos. E completou a afirmação dizendo que isso é um ponto indiscutível entre os entendidos do assunto.

Bom, como não sou entendido, pensei em discutir o ponto. Na verdade, eu nunca nem joguei o Super Mario 3, o que me torna ainda mais qualificado para dissecar o tema sem nenhuma propriedade.

Vários personagens do mundo dos games, especialmente os que nasceram no século passado, antes dessa moda dos gráficos e histórias super-realistas, são definitivamente surreais. Os fãs diriam que são deliciosamente surreais, mas devo confessar que alguns desses personagens (e principalmente os da Nintendo) me assustam um pouco, com seu jeitão infantilizado e subtexto bizarro. E o Mario é um deles.

O bombeiro italiano começou sua carreira de videogame tentando salvar uma mulher de um macaco gigante (confesso que não sei se a mulher que o Donkey Kong capturava já era a princesa Peach). O macaco provou ser um incompreendido, regenerou-se e entrou para o clube dos bonzinhos da Nintendo – e o Mario foi fazer sucesso com o irmão, Luigi, que, pra mim, é uma versão cartoon do Seu Madruga.

Agora, me chamem de maluco, mas pra mim uma cena que começa com um bombeiro italiano chamado Mario é mais adequada pra um filme pornô que pra um videogame. Além disso, o cara fica fortão comendo cogumelos e mata os outros não com um desentupidor (o que seria compreensível dada a profissão do sujeito), mas com a bunda. Já pararam pra pensar nisso? A principal arma do sujeito é a bunda – a notória cuzada de morte.

Bom, dizem que no videogame o que importa não é a história, mas o gameplay, mas eu discordo. Super Mario 3 pode ser considerado o melhor videogame de todos os tempos porque é criativo, original, tem um bom ritmo, níveis inteligentes, gráficos charmosos, uma tremenda trilha sonora e uma curva perfeita de desafio, mas, galera, a história é uma merda.

Os fãs ignoram a esquisitice do Mario por causa do seu ar infantil e cara de bobo-alegre (o que, em minha opinião, só torna ele ainda mais esquisito), mas mesmo se o Mario fosse o Brad Pit e não tivesse o ímpeto de sentar na cabeça dos outros, a história do jogo é algo envolvendo os filhos do Bowser (uma mistura de jacaré com tartaruga) roubando os cetros mágicos do Reino dos Cogumelos (o porquê só Deus sabe), pra distrair o Mario e o Luigi enquanto o Bowser pega a Peach (de novo). Ou seja, uma trama, básica, pobre e lisérgica.

Talvez eu esteja perdendo o foco analisando a trama dessa forma, uma vez que, como dizem, o Diabo está nos detalhes. Ou seja, o que importa não é o “o que”, mas o “como”. Dentro do contexto do Super Mario 3 essa trama não só faz sentido como é até necessária para dar o tom certo do jogo de “mischievous innocence”, ou inocência sacana, na qual o pano de fundo é um contraste para a profundidade e desafio do jogo.

Ou talvez eu esteja só pegando no pé dos fanboys da Nintendo, o que também é sempre divertido.