sábado, 30 de janeiro de 2010

As 5 melhores histórias de videogame de todos os tempos

Nos seus primórdios, ninguém jogava videogame pela história. Jogava pela catarse de ver uns quadradinhos coloridos representando algo grandioso que associávamos a alguma coisa que tínhamos lido ou visto em outras mídias. O pixel virava apenas uma referência remota ao herói de ação do filme ou livro (esses sim verdadeiros veículos inspiradores das histórias que montávamos em nossas cabeças).

Mesmo após sua evolução e incursão no universo dos gráficos 3D, o desafio, a ação e a busca por uma melhor pontuação ainda eram apelos mais fortes que a "história" de qualquer joguinho. E dá-lhe salvar princesas!

Vale lembrar que, no computador, os primeiros jogos eram efetivamente só de história, porque não tinham gráfico nenhum, mas a interatividade desse jogos era muito limitada e eles eram muito mais uma versão digital dos livrinhos "agora você decide" que qualquer outra coisa. E a maioria dos temas era fantasia – e embora alguns tivessem bons textos, o desenvolvimento da trama era relativamente previsível.

Mas nos últimos 10 anos a tecnologia e o investimento de dinheiro por trás dos jogos aumentaram tanto, que a contratação de roteiristas profissionais e/ou a possibilidade de mesclar interatividade com narrativa criou experiências impressionantes.

Meu critério para a avaliação que faço a seguir é simples; perguntei-me: que joguinhos dariam grandes filmes? E aqui vai a resposta (juntos com os famosos "major spoilers"). E eu não coloquei cinco, foram sete (me processe).

Grand Theft Auto (Vice City, San Andreas e IV)

Embora eu ache tão divertido quanto qualquer um pagar uma prostituta para recuperar a saúde só pra depois bater nela para que ela devolva o dinheiro, sempre achei que os joguinhos da série ficavam um pouco chatos e repetitivos depois das primeiras horas. Acho o amalucado Saint's Row um jogo até mais divertido (embora de produção mais pobre), mas as histórias e os personagens do universo de GTA (Grand Theft Auto) são simplesmente espetaculares. Eu tinha vontade de ter um CD com todos os cineminhas só pra assistir a tudo sem as interrupções do jogo no meio. As tramas de todos esses jogos dariam filmes de gangster espetaculares e algumas interpretações dignas de Oscar. O drama pessoal de Nico Belic, tentando largar uma vida de violência militar investindo no American Dream é tocante, engraçado e violento. O jogo também parece agradar, já que é uma das séries mais vendidas de todos os tempos, mas confesso que a enormidade de coisas para fazer (embora ajudem a estabelecer um elo emocional com o personagem) me entedia um pouco. Façam logo um filme preservando os diálogos originais.

Final Fantasy X

Final Fantasy VII tem uma das reviravoltas mais marcantes da história do videogame – a personagem principal morre no meio da história e não ressuscita - algo meio impresisonate pra época e, pra ser sincero, pouca gente tem coragem de fazer isso até hoje. Uma vez que videogame é pra ser um troço comercial, a tendência é deixar os caras vivos pra alimentar a franquia. Bom, o elenco do jogo era grande, mas, mesmo assim... Porém o resto da história do jogo não era lá essas coisas, era o tradicional se juntar pra salvar o universo, coisa e tal. Outros Final Fantasy também tem detalhes marcantes na história. Tem um, salvo engano, no qual os heróis falham. É isso aí, os caras até ganham a batalha final, mas o continente ou país que eles defendiam vai pras cucuias também. Ou seja, a ousadia é uma característica da série. Além de heróis com cara de mulherzinha, cabelos esdrúxulos, heroínas peitudas, adolescentes insinuantes, alguém chamado CID e a porra do Chocobo (que é uma espécie de pintinho que nunca vira galinha).

Mas a história de Final Fantasy X realmente surpreende. No melhor estilo de Os Suspeitos, é apenas nos minutos finais que você terá a revelação que dará sentido a toda história. E o pior é que faz sentido mesmo! Não fica aquela narrativa cheia de buracos comum aos videogames e desenhos japoneses. Tá, tem alguns buracos, mas são poucos. No jogo, você junta um bando de rejeitados pra tentar salvar o planeta de um ciclo vicioso no qual as almas dos mortos precisam ser dadas de alimento a uma criatura barra-pesada, sob pena de destruição total da porra toda. Na maior parte do tempo você atua como guarda-costas de uma sacerdotisa que performa o ritual de enviar essas almas para o descanso, sendo que ela mesma tem como destino se sacrificar para a tal criatura ao final da peregrinação. A narrativa do jogo é magistral, mostrando todo mundo bem-humorado no começo da aventura e ficando cada vez mais deprê à medida que eles se aproximam do final da peregrinação, morte certa para a heroína.

No apagar da luzes, o mocinho descobre que a criatura do mal é o pai dele!!

Tchans!

E aí? Surpreendente, hein?

Calma que eu não ia fazer isso com vocês! Essa não é a revelação bacana da história. Star Wars já fez isso de forma definitiva. Em todo caso, a criatura do mal é mesmo o pai do Zé Mané principal, mas a grande sacada da trama vem logo depois, quando você acha que já está partindo pro final feliz. E aí você pára e pensa: putaquepariu! E joga o troço todo de novo (70 horas) só pra ver as referências ao final que você perdeu porque estava prestando mais atenção na peituda que na história. Ou, se for preguiçoso que nem eu, faz um review no youtube e aproveita pra ver as cenas digitalmente alteradas da peituda sem sutiã.

Dica: a criatura do mal é uma entidade antropormófica de 30 metros de altura que aterroriza o planeta há centenas de anos e o mocinho filho dele é um humano de uns dezessete (com boa vontade). Como? Como? E a explicação é bem razoável.

The Prince of Persia – The Sands of time

Aparentemente, outras pessoas concordam comigo, pois estão fazendo uma superprodução cinematográfica do jogo. Isso não é referência, claro, pois já fizeram filmes de Mortal Kombat e DOOM, mas, nesse caso, pode funcionar. As cenas de ação só precisam copiar a coreografia do joguinho que serão incríveis. A roupa semi-transparente da princesa também não precisa mudar. E, claro, é importantíssimo deixar o final intacto, mas não sei se Hollywood vai ter coragem. A trama do jogo é meio pra baixo: o príncipe é um babaca arrogante que manda o reino inteiro do pai pro espaço (ou, no caso, pras areias do tempo), consumido pela culpa, tenta consertar o estrago, se apaixona no meio do caminho e, bem, já vi finais mais felizes (mas não tão legais). A trama faz bom uso do conceito de viagem no tempo (conceito que se integra ao jogo, permitindo que você volte no tempo para refazer movimentos fracassados) e é mais uma daquelas que só entregam o ouro nos últimos minutos.

Mass Effect 1 e 2

Mass Effect está longe de ser o melhor jogo de todos os tempos, mas é o jogo que tem os melhores personagens, inclusive o que você controla. A história do Comandante Sheppard é clichê de ficção científica: sua missão é salvar o universo de uma ameaça que só você consegue ver. Aí você junta uma tripulação de rejeitados sociais e prova pra todo mundo que o perigo era real só para, na seqüência, ninguém acreditar em você de novo, você ter que reunir uma galera ainda mais esquisita e salvar o universo todo outra vez. A terceira parte tem tudo pra ser a mesma porcaria. E eu vou comprar no dia que sair e não vou descansar enquanto não terminar de jogar.

Se você for parar pra pensar, a história do Poderoso Chefão também não é lá essas coisas. A saga de uma família de gângsteres na qual o pai fica doente, o filho mais velho morre e o trono vai para o filho bonzinho que não queria se envolver com o crime – e depois o pai morre. Mas o filme tem o Marlon Brando com a prótese na bochecha, tem uma das trilhas sonoras mais espetaculares de todos os tempos, tem uma fotografia que virou sinônimo de filme de gângster e é copiada até hoje, tem o James Caan, tem o Al apcino – e diálogos fantásticos.

Em Mass Effect é a mesma coisa. Não é o que, é o como que faz a diferença. Gráficos excelentes, dublagem fenomenal e opções de diálogo interessantes fazem o jogo.

O primeiro era bastante ambicioso e falhou em algumas coisas. O combate era meio mais ou menos, o sistema de estoque de itens era bagunçado e outras chateações. Mas você podia se envolver romanticamente com uma alienígena azul gostosíssima (com direito a ceninha de sexo) e, enquanto trabalhava nisso como objetivo maior, conduzir seu personagem da forma que mais te interessasse: babaca, herói, herói e babaca, violento, diplomata, diplomata e violento, etc.

Mass Effect não foi o primeiro jogo a te dar esse tipo de liberdade (o primeiro lugar da lista foi um dos primeiros), mas fez isso de forma envolvente, com personagens carismáticos. O ex-agente de polícia frustrado, a soldado exemplar discriminada por ser mulher, a alienígena gostosinha que não pode sair da roupa de isolamento porque não tem sistema imunológico, o cara com fortes poderes mentais por causa de implantes de quinta categoria, a já mencionada alienígena azul pertencente a uma raça só de mulheres gostosas (que não se incomodam em ir pra cama com outras mulheres), um mercenário de uma raça que glorifica a violência e por aí vai. A cada vez que você conversa com cada um deles você tem a opção de escolher sua atitude e os outros personagens podem gostar, detestar ou ser influenciados pelo o que você diz.

Na segunda parte, os diálogos melhoraram, os personagens também e o jogo abandonou um pouco o lado RPG para investir em um combate melhor. Não foi uma decisão muito sábia, pois acho que o jogo em si perdeu em complexidade estratégica. Mas o elenco da segunda parte é bem legal. Olha só: uma mulher geneticamente alterada para ser perfeita que é a cara do Michael Jackson (e, não me pergunte como, é uma gata!!!!), um soldado de uma corporação pró-humanos, uma assassina psicopata que anda pelada da cintura pra cima (o corpo dela é todo coberto de tatuagens), um cientista que criou uma praga genética para esterilizar uma raça (a do mercenário do primeiro jogo), uma criatura produzida em laboratório com sérios problemas de controle de raiva, uma inteligência artificial que era seu inimigo no primeiro jogo, uma alienígena daquela raça da mulherada azul cujo objetivo é matar a própria filha e um assassino com memória perfeita, que acredita que seu corpo é apenas uma ferramenta e, por isso, não sente remorso em matar.

As decisões na segunda parte também são menos preto e branco. Sua raça está em guerra e um grupo mercenário infiltrado consegue disparar duas ogivas nucleares contra um planeta, você só conseguirá deter uma: você escolhe salvar a metrópole habitada por milhões de pessoas ou salvar a cidade industrial, que constrói naves, armamentos e refina combustível para o esforço de guerra? A decisão, e o rumo da história está em suas mãos.

O mais legal é que Mass Effect consegue implementar isso de forma coesa, com uma direção de arte que não deixa nada a dever para os grandes filmes de FC. Trata-se, sem dúvida, de um videogame único.

Knights of the Old Republic

Essa é, simplesmente, a melhor trama de Star Wars desde o segundo filme. E uma das melhores histórias de ficção científica de todos os tempos. Você começa como um cara (ou mulher) meio velho pra ser Jedi, mas que demonstra um talento fora do comum para controlar a força. Acaba sendo aceito pelo conselho Jedi e ganha uma Mestre para acompanhá-lo em suas aventuras. Uma trama maior vai se revelando e você vai tendo que fazer opções pelo bem ou pelo mal, que vão determinando os seus poderes e o seu caminho para o lado bom ou mal da força. À medida que você progride você pode perder aliados ou corrompe-los/salvá-los dependendo da sua influência sobre eles.

Se isso soa familiar é porque essa foi a estréia do sistema de escolhas desenvolvido pela Bioware que, mais tarde, foi parar em outros jogos como Mass Effect e Dragon Age. Aqui, o sistema ainda está em sua infância e ou você é bom ou é mal, mas para o conceito de Jedi funciona muito bem. Mas o grande barato da história é outro: durante todo o jogo você vive as conseqüências de um recente conflito entre os Jedis e um Lorde Sith fodão chamado Darth Revan. Conversa vai, conversa vem e você descobre no meio do jogo que o tal do Revan é você, garotão! O Conselho apagou sua memória depois de te derrotar e aí você se vê diante de uma grande decisão: a redenção e virar um Jedi bonzinho ou o caminho da vingança, se tornando mal como o pica-pau. A revelação consegue ser surpreendente e te pega de calças curtas – e o andamento do jogo até o final ainda tem uma ou outra surpresa interessante. E, sim, você pode dominar a galáxia como um lorde Sith.

Planescape Torment

Você começa o jogo morto. Não falo mais nada que é pra não estragar. Vá jogar se conseguir achar uma cópia.

Fallout

O pai dos jogos de liberdade. Cara, nesse jogo você podia mirar no saco dos outros, colocar granadas nos bolsos das pessoas, bater na esposa, ter relações homossexuais e, enfim, deu pra entender. Mas, mais do que isso, a história do jogo avançava de forma orgânica, pelas suas ações e diálogos. A tensão sobre o que fazer e o que não fazer era permanente, pois você tinha um número contado de dias para cumprir uma missão: trazer um chip purificador de água para o seu Vault. Caso contrário, todo mundo que você conhecia iria morrer. Os vaults eram construções que sobreviveram ao holocausto nuclear. Dentro deles, a vida continuava (apesar de certa disciplina militar), mas fora deles o mundo havia se transformado em uma terra de ninguém: escorpiões gigantes, mutantes, gangs, radiação pra tudo quanto é lado.

Para um cenário tão sombrio, o jogo tinha um bom humor extraordinário e a história culmina em um dos finais mais emocionalmente pesados da história dos videogames. O combate tático também era – e ainda é – muito bom. A revisão feita recentemente tem gráficos fantásticos, mas não tem 2% da ousadia do jogo original.


 


 


 


 

 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Percepção

Essa história começa com um homem olhando para cima. Ocorrência, dizem, incomum no cotidiano das grandes cidades, mas eu não posso realmente confirmar isso. Olho pouco para as pessoas e a verdade é que não sei para onde eles voltam suas cabeças enquanto andam pelas calçadas. Mas um homem olhou para cima e viu, no beiral do prédio da operadora de celular, dois outros homens. Alguma coisa na posição deles parecia suspeita e ele logo percebeu o que era. Parecia que estavam sem aparato algum de segurança a bem uns quinze andares de altura. Talvez mais.

Sua sensação de estranhamento deu lugar a um frio na barriga quando um deles fez menção de saltar, o que fez com que o outro se aproximasse bruscamente. Estaria ele diante de uma tentativa de suicídio? Sinalizou para o guarda que estava perto, que chamou os bombeiros. Logo, logo, a equipe da rede de televisão também estava a postos. Nos dez minutos que levou tudo isso, os homens pareciam conversar, e a distância entre os dois parecia ter diminuído. Começava uma preparação das autoridades para subir ao prédio, mas, súbito, os dois deram-se as mãos e saíram do beiral.

A multidão que se juntou estava agitada. A polícia e a imprensa entraram no prédio. A porta de acesso àquela parte do telhado, antes trancada por fora, abriu-se revelando um homem beirando seus quarenta, de aparência assustada e cabelos desgrenhado e um outro, de olhar triste e distante. Foi este último que disse, numa voz emocionada:

— Este homem é um herói. Salvou-me de minha própria estupidez...

A Câmera de TV focou no rosto do herói e os jornalistas dispararam perguntas. O que ele havia dito ao suicida? Fazia o que da vida? Como tinha subido também ao beiral? Que presença de espírito! Descobriram rapidamente que ele havia sido demitido naquele mesmo dia e que, como se encontrava deprimido, havia subido ali para apreciar a vista da cidade. Ter outra perspectiva, falou. Para sua surpresa, havia um outro homem ali. Mas o que havia dito para o suicida? Não quis comentar.

Virou herói. Recuperou seu emprego, pois a empresa não queria a mídia negativa que demitir um homem tão valoroso poderia gerar. Sua esposa e filhos, que o consideravam um fracasso, passaram a olhá-lo de forma diferente e não sem certa reverência. Foi a programas de entrevistas. Tudo o que falava passou a ser mais considerado.

O outro foi julgado um coitado. Ganhou um pito da polícia e uma ameaça de processo da operadora de celular. Conseguiu, a muito custo, manter seu nome fora da mídia, o que poderia ter-lhe arrumado mais problemas pessoais. Afinal, era um fraco.

E, neste momento, voltamos ao primeiro dos três homens que protagonizam essa narrativa, aquele que olhou para cima. Este acabou por sair do local do tumulto quieto e bastante pensativo. "Que coisa", falou consigo próprio, "Poderia jurar que quem fez menção de pular tinha sido justamente o outro".



terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O experimento

Aos dezoito anos Katrina Savinski acreditava que tinha muitas opções pela frente. Mas seu destino estava sendo discutido em um armazém, a cerca de dez quilômetros da sua casa. Um homem gordo, de barba farta e mal cuidada, dentes tortos e amarelados, trajado com roupas esfarrapadas conversava com uma mulher alta, de cabelos cuidadosamente presos e um vestido preto de cinco mil reais. A improvável dupla conversava educadamente.

— Como ela está fisicamente? – Perguntou a mulher, de forma desinteressada.    

— Não tão bem como poderia. Leva uma vida parcialmente sedentária, mas seu material genético é realmente muito bom. Os níveis de gordura são baixos e as taxas de LDL e HDL são ótimas. O Tônus muscular é flexível e o quadril tem uma largura bem adequada à procriação eficiente.

— Doenças?

— Poucas. Na infância, catapora e caxumba e algumas viroses. Como quase todos desse grupo, é suscetível ao câncer, mas já passamos a considerar isso inevitável. Fora do ambiente hostil de estudo, acreditamos que possa viver cerca de 150 anos.

— É o mais próximo que já chegamos.

— Como ela, temos cerca de outras trinta mil pessoas nessas condições em todo o mundo.

— Chegamos perto dessa vez, mas ainda é muito pouco.

— Sim, essa também é minha avaliação, mas Mercúrio não concorda.

— Isso me surpreende. É a primeira vez que vejo vocês discordarem.

— Sim, é a primeira vez que isso acontece.

— Onde está Mercúrio neste momento?

— Ele está desaparecido há dois dias.

— Como assim, desaparecido?

— Encontramos o biotransmissor dele jogado em uma lata de lixo. Acionamos todos os nossos agentes, mas foi inútil.

— O que você sugere?

    — Pegar a garota e sair. Imediatamente.

    — De acordo.


 

Em casa, Katrina conversava com o namorado animadamente ao telefone. Um sujeito magrelo, de óculos de aro grosso, alto e narigudo chamado Frederico. Fã de filmes de ficção científica e jogos de RPG, Frederico era calado a tão anti-social quanto um nerd poderia ser. Ninguém entendia suas piadas, ninguém tinha paciência para suas conversas estapafúrdias, que sempre giravam em torno de complexas teses sobre o comportamento humano. Mas Frederico exercia um estranho fascínio sobre Katrina. O envolvimento dos dois começou por causa do conhecimento enciclopédico de Frederico sobre rock. Depois de uma conversa casual Katrina se viu mais e mais recorrendo a Frederico para dicas de música. Ele sempre tinha uma banda desconhecida para indicar cujo repertório sempre casava com o gosto particular de Katrina.

Certo dia, Frederico pediu um beijo em troca de mais uma dica. Uma proposição ridícula que Katrina se viu, inexplicavelmente, compelida a aceitar. Talvez fosse pena, talvez um carinho acumulado ao longo dos encontros musicais e talvez fosse até mesmo interesse. Fosse o que fosse, Katrina deixou-se ser beijada e surpreendeu-se. A boca de Frederico era inesperadamente suave e o beijo a seduziu imediatamente. Um calor inusitado percorreu seu corpo e ela chegou até a deixar escapar um suspiro de prazer. Isso foi há três meses atrás.

O namoro, oficializado depois de três encontros, teve como efeito colateral longas e apaixonadas conversas ao telefone, como a que acontecia naquele momento, sob o olhar de leve censura da mãe de Katrina, que preparava um chá para a filha. Um costume antigo. Toda noite, por volta de umas onze horas, mãe e filha se encontravam na cozinha para conversar. A mãe preparava um chá para as duas e depois de um animado bate-papo sobre o dia, Katrina ia dormir e a mãe, normalmente, ver televisão. Katrina sempre dormiu muito cedo e sua mãe sempre gostou de assistir à TV madrugada a dentro. Ultimamente, a mãe vinha reclamando que esses momentos andavam cada vez mais reduzidos, por conta do "namoro telefônico". Katrina sorria e virava para o lado, dando pouca atenção às queixas da mãe, de forma pouco sutil. Naquela noite, os dois estavam particularmente falantes. Katrina falou de seus sonhos e de suas desilusões e Frederico parecia ler seus pensamentos, falando sempre a coisa certa no momento certo. Até o ponto em que Frederico alterou levemente o tom de voz, ficando repentinamente menos delicado e mais sério, até um pouco ríspido:

— Kat, você confia em mim?

— Ora, mas claro!

— Se eu te pedir para fazer uma coisa completamente absurda, você faz?

— Eu, hein! Que papo besta Fred.

— Você faz?

— Bom, depende do que é. Não vou sair pelada pelo meio da rua, por exemplo.

Ele riu.

— Não é nada disso! É algo até bastante simples, só não vai fazer muito sentido.

— O que é?

— Só vou dizer o que é se você prometer que vai fazer. Sem pensar e sem questionar.

— Não tem nada a ver com sexo?

— Não.

— Ok. Prometo.

— Abaixe-se!


 

Continua no próximo capítulo.