sexta-feira, 28 de julho de 2006

Super o quê, mesmo?

Não dá para enrolar e nem dizer de outra maneira: Superman, O Retorno é um dos piores filmes que já tive a oportunidade de assistir em toda a minha vida. É tão extraordinariamente ruim que quase chega a ser bom, daquele jeito ridículo, como, por exemplo, O Ataque dos Tomates Assassinos ou um filme do Ed Wood. Mas nem isso ele consegue ser. Trata-se simplesmente de uma experiência desagradável e uma completa perda de tempo. Vamos aos fatos.
A história: completamente desconjuntada e absurda. Está certo que a trama gira em torno de um alienígena invulnerável e tudo o mais, mas não é deste tipo de absurdo que estou falando. Não existe coerência nenhuma, não há o menor respeito pela lógica do personagem e a trama não impressiona, não emociona e não empolga em momento algum.
A direção: pobre e decepcionante. Cenas previsíveis, ritmo lento e Brian Singer usou praticamente todos os clichês do manual.
Os atores: Para você ter uma idéia do tamanho da desgraça, o melhor deles é o cara que faz o Ciclope no filme do X-men. A Lois Lane é bonitinha, mas inexpressiva. O Superman tenta imitar o Cristopher Reeve com resultados constrangedores e Kevin Spacey até emula bem o Luthor do Gene Hackman, mas seus diálogos são imbecis demais. Em uma ou outra cena, se você estiver já de muito bom-humor, pode ser que ele te arranque um sorriso. Tímido. Nem o garotinho bonitinho se salva – o coitado era o próprio clichê ambulante.
Os efeitos: Alguns são bons, mas nenhum é verdadeiramente interessante ou impressionante. Os melhores momentos acontecem quando Singer imita o visual das ilustrações do Alex Ross. Alguns são mal-feitos mesmo.
Trata-se de um filme infantil, que é pior que todos os outros filmes infantis que circulam atualmente. Diverti-me assistindo a A Era do Gelo Dois, com seus personagens surreais, e a Os Sem-Floresta, com seu tom político-light. Ora, até o abobalhado Escola de Heróis, com o Kurt Russel, é mais interessante. De qualquer maneira, acredito que uma criança de até dez anos de idade possa achar o filme divertido – eles assistem Rebeldes, pelo amor de Deus! Não é preciso muita coisa para diverti-los.
O tom inocente do primeiro filme (com o Marlon Brando) condizia com a época e com a incrível novidade dos efeitos especiais que faziam um homem voar. Junte a isso uma história legalzinha e boas interpretações e você tem um clássico. O filme que assisti hoje é uma caricatura tão grande do outro, que, em alguns momentos, chega a parecer um besteirol, tipo Aperte os Cintos, o Piloto Sumiu. Duvida? Então preste atenção na cena em que a Lois Lane encontra as perucas do Luthor, com direito a musiqueta de terror ao fundo. Ou então a cena do capanga tocando piano com o seqüestrado... Mas, o que estou dizendo? É claro que você não vai prestar atenção em cena nenhuma, pois você vai considerar tudo o que estou dizendo aqui e nem vai assistir ao filme, certo?
Certo?

terça-feira, 25 de julho de 2006

A lógica do burocrata

Como sou um sujeito humilde e admito meus erros, reconheço que o título desta crônica está errado, pois o burocrata e a lógica não devem ser mencionados em uma mesma sentença. A lógica deu origem ao sujeito organizado e uma terrível mutação, provavelmente derivada do cruzamento entre o sujeito organizado e um funcionário público, deu origem ao burocrata.
O sujeito organizado criou o manual de procedimentos, acreditando que isso possibilitaria aos que viessem depois dele a possibilidade de dar continuidade ao seu trabalho. O burocrata olhou para o manual de procedimento e viu que aquilo era bom e adotou tudo aquilo que estava escrito nele como verdade absoluta.
Ora, nem mesmo o melhor dos manuais é capaz de prever todas as situações com cada uma das variáveis, das nuances e dos contextos possíveis. O manual precisava ser entendido como referência e não como verdade indiscutível, mas o burocrata é incapaz de entender isso.
Vejamos um exemplo simples, como o da fila. Diz o manual que idosos, gestantes e deficientes físicos devem ser atendidos primeiro, mas eis que chega ao estabelecimento um homem (eliminando a possibilidade de que seja uma gestante), de 30 anos (jovem, portanto) e com todos os membros posicionados onde se podia esperar e perfeitas funções motoras e cerebrais (não se tratando, portanto, de um deficiente), mas muito doente, encurvado de dor e febre e com uma tosse encatarrada.
Fosse o responsável pela fila uma pessoa que fizesse pleno uso da lógica, passaria o infeliz à frente, poupando-o de mais sofrimento e reduzindo a possibilidade de que os outros no recinto fossem também infectados com a moléstia. Mas, como se trata de um burocrata, ele assistirá, impassível, o calvário do indivíduo, tossindo sobre seus companheiros de fila e até sobre o próprio burocrata, eventualmente.
Até mesmo a lei é passível de interpretação, o que gerou uma outra criatura abominável conhecida como o advogado, que detesta a lógica e sofre de uma espécie de daltonismo grotesco, no qual não consegue diferenciar justiça de interesse.
Com tudo isto dito, fica fácil entender porque dormi muito mal esta noite. Meu salário, dinheiro que me possibilita seguir neste vale de lágrimas com um mínimo de hombridade e decência, não deve chegar às minhas mãos na data de sempre. Está preso no meio de um entrevero entre burocratas e advogados.

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Metal Gear Solid

Tive a oportunidade de ler hoje uma entrevista banal. O que obviamente não seria digno de menção se o entrevistado não fosse brilhante – Hideo Kojima, o criador e diretor de uma das séries de videogames mais aclamadas de todos os tempos, Metal Gear Solid, que mistura bom-humor, excelência técnica e roteiros existencialistas.
Digo que a entrevista foi banal porque o jornalista, ele próprio um fã declarado de Kojima, estremeceu diante do japonês e limitou-se a perguntar o óbvio. Kojima é que não desperdiçou a chance de transformar o óbvio em algo interessante.
Ao ser indagado se ele achava que videogames poderiam ser considerados arte, Kojima (considerado por muitos um artista) respondeu sem ficar em cima do muro: não.
Para ele, não importa a quantidade de elementos artísticos que um jogo possa utilizar, são apenas ferramentas. Um game não é arte porque não é perene, ele simplesmente reflete um momento cultural. Ninguém irá olhar para um jogo feito há vinte anos atrás e dizer “UAU”. Algumas qualidades poderão ainda estar em evidência, mas serão tratadas apenas como curiosidades e apreciadas somente pelo seu significado histórico. Videogame é um produto de consumo, como um carro ou uma cadeira – ele toma elementos emprestados da música e do cinema, mas não é nenhum dos dois.
Gostei. E gostei mais ainda porque me ajuda a defender aquela afirmação que lancei aqui há um tempo atrás – a de que futebol poderia ser considerado arte. Era impressionante ver o Pelé jogar em 70 e continua sendo até hoje – e acho que será sempre.
Kojima falou outras coisas interessantes na entrevista, mas nenhuma delas me beneficia tão diretamente quanto essa e, por isso, não as mencionei.

quarta-feira, 19 de julho de 2006

O Escolhido (Parte 2)

— Pai, tem dois dragões brigando no quintal! – Gritou o Luiz Marcelo, mais animado que com medo.
— E o dragão verde acaba de dar um pau no vermelho. – Completou Michele. E ainda acrescentou, em tom professoral: - Deve ter sido uma bola de fogo de um desses dragões que incinerou a vovó. Tadinha.
Mas não havia tempo para lamentações. Neste momento, a campainha tocava novamente. Tratava-se de Sir Ostvald, Cavaleiro da Cruz Dourada, dono do dragão verde.
— Vim buscar o escolhido – disse, sem cerimônia.
— Quem? – Perguntou o Almeidinha.
— O escolhido. O Almeida.
— Almeida sou eu, mas escolhido para quê?
— Gente, será o caminhão do Faustão? – Perguntou a Tereza, olhando lá fora e vendo apenas os dragões (o vermelho caído), a vizinhança que começava a se acumular e o que parecia ser um exército de zumbis dobrando a esquina.
Luiz Marcelo estava incontrolável:
— O escolhido, pai! Igual o Frodo, igual o Neo no Matrix. Pô, velho, da aí um chute em câmera lenta, vai...
Almeidinha, que media um e sessenta e oito e pesava noventa quilos tinha a impressão de que toda a sua vida havia sido em câmera lenta, mas não sentia disposição alguma para chutar. Era preciso, primeiro, botar alguma ordem nas coisas. Aquilo tudo estava ficando fora de controle.
— Olha, seu Cavaleiro, vamos entrando que o senhor vai me explicar isso direitinho. Mas antes o senhor não prefere estacionar o dragão na garagem? Essa vizinhança não anda fácil... Tereza, um cafezinho, por favor.
Tereza nem discutiu. Sabia que, mais tarde, teria que providenciar o enterro da mãe, mas, assim como o Almeidinha, era uma pessoa prática e entendia perfeitamente a prioridade das coisas. E são raras as situações onde o cafezinho não é prioritário. Na sala, o cavaleiro Ostvald tentava explicar a situação para o Almeidinha:
— Mas o senhor não teve nenhuma premonição sobre o dia de hoje?
— Não.
— Não notou nada de diferente nos últimos dias? Sonhos estranhos? Poderes se manifestando? Alterações no fluxo de energia do planeta?
— Não, nadinha.
— Mutações?
— Pai – interrompeu a Michele, que não desgrudava o olho do cavaleiro e lamentava o fato dele não ter vindo pelado, a exemplo do presente – e aquele caroço na sua bunda? Aquilo pode ser uma mutação.
— Michele, aquilo é um furúnculo. E furúnculo não é mutação e também não é na bunda, é na parte alta da coxa. Além do mais, isso é conversa de adulto. Por que você não vai ver onde está o seu irmão? Ele e o presente desapareceram.
Desconsolado, o cavaleiro Ostvald não sabia o que fazer. Parecia que as coisas não estavam saindo conforme sua expectativa. Pensou por alguns momentos e decidiu que precisava de orientação. Tirou de sua túnica um papel amassado e perguntou para o Almeidinha, humildemente:
— Posso usar seu telefone?
— É para celular? – Indagou abrubtamente a Tereza, que chegava com a bandeja de café.
— Tetê! – Repreendeu o Almeidinha, bravo. O escolhido tava que tava.
(continua)

terça-feira, 18 de julho de 2006

Páginas da Vida

O depoimento que a Rede Globo exibiu no último sábado, na novela Páginas da Vida é criminoso. Seduzida pela possibilidade de aparecer na TV, uma senhora humilde expôs detalhes de sua vida íntima, em uma declaração real. Nada contra o orgasmo na velhice ou que a novela trate de sexualidade de forma direta, mas Manoel Carlos e a Globo não precisam de uma senhora de sessenta anos para isso.
A cena já virou piada no site Kibeloko, mostrando que a falta de respeito da emissora só poderia resultar mesmo em ridicularização e mais falta de respeito.
É relativamente fácil para um homem de 30 anos seduzir uma menina de doze, fazendo-a acreditar que está indo para a cama com um homem mais velho por sua própria vontade. É o que a Globo faz. Usa seu poder de fascinação para convencer pessoas a se exporem em cadeia nacional. O Big Brother faz isso oferecendo dinheiro e, para mim, é um programa que se equilibra perigosamente na estreita linha da ética, mas o que aconteceu na novela é imperdoável.
Os responsáveis se justificarão dizendo que era uma coisa que precisava ser dita, para afastar o véu de hipocrisia que cobre a sociedade, etc. Discurso barato e fácil. Independentemente da necessidade da mensagem, a verdade é que a senhora foi usada.
Repito. Manoel Carlos e a Globo não precisam de uma senhora de sessenta anos para criar polêmica sobre a sexualidade na velhice, mas preferiram fazer isso porque é mais fácil. É chocante, agressivo e dá audiência e não há necessidade de se criar bons textos ou de colocar bons atores à frente da tela – tudo isso dá muito trabalho. Mais fácil explorar uma pessoa humilde, recurso que vem sendo utilizado pela TV brasileira com freqüência em vários tipos de programas.
O ser humano tem uma curiosidade mórbida. Reduz a velocidade do carro quando passa diante de um acidente e senta na frente da TV para ver o ridículo dos seus pares em exibições de calouros e reality shows. Mas é preciso lutar contra isso. Infelizmente, a ética não é um comportamento natural – se fosse, não seria algo que precisa de regulamentação. Para ter ética é preciso refletir, considerar e, muitas vezes, tomar decisões difíceis.
Mas o que mais me revolta é que, neste caso, a decisão era fácil. Trata-se simplesmente de aplicar um princípio ético repetido por nossos pais, avós e bisavós: respeitar os mais velhos.

O Escolhido

Almeidinha, contador, trinta e sete anos. Sua última surpresa na vida foi há doze anos atrás, quando o irmão mais velho revelou, na festa de Natal, que era gay e estava morando com um outro homem há mais de quatro anos. A surpresa não foi porque o irmão declarou-se homossexual, disso ele já sabia, ou pelo menos desconfiava. Mas quem diria que o inconstante do Arthur seria capaz de manter um relacionamento por tanto tempo?
De lá para cá, nenhuma surpresa. Um ou outro sustinho, um imprevisto aqui e ali, mas nada realmente surpreendente. Por isso não é difícil entender porquê ele ficou paralisado por alguns segundos ao abrir a porta de casa naquela manhã de sábado.
Parada em frente à soleira, com a mão ainda estendida próxima à campainha estava uma mulher alta, morena, de seios bem redondos e firmes e rosto angelical, completamente nua. Peladinha, peladinha.
Mas Almeidinha era um homem prático e a paralisia durou apenas alguns segundos:
— Pois não? – Disse ele, em tom cordial.
— Sou um presente do Psicopomp de Sv’ah Ah Akrabshah. Sou sua para atender a todos os seus desejos – e, dizendo isso, curvou-se, reverente.
— Meidinha, quem é... MEU DEUS! O que é isso, Meidinha? O que é isso? – Vociferou a Tereza, esposa do Almeidinha, que tinha acabado de chegar à porta.
A mulher pelada não se alterou e respondeu, ainda de forma doce e humilde:
— Sou um presente do Psicopomp de Sv’ah Ah Akrabshah. Sou do Meidinha para atender a todos os desejos dele.
A Teresa quase desmaiou, mas ficou só no quase. E era sempre assim. Desmaiar mesmo, não desmaiava. À sua maneira, Teresa também era bem prática. Ficou meio enciumada da intimidade da moça com o seu Meidinha, mas fazer o quê? Presente é presente. Ainda mais do Psicopomp de Sv’ah Ah Akrabshah, que ela não sabia quem era, mas, pelo tamanho do título, deveria ser importante.
— Então vamos entrando, vamos entrando – disse Tereza, ainda se abanando.
“Que coisa!”, pensou o Almeidinha enquanto olhava para a bunda da moça, referindo-se, obviamente, não apenas à bunda, mas à toda aquela situação.
As crianças ficaram em polvorosa, especialmente o Luiz Marcelo, de quinze anos, que perguntou ao pai se poderia guardar o presente no seu quarto. Michele, a mais velha, de dezessete, ficou interessada em saber o que o presente fazia para evitar a celulite. A Tereza foi ver se achava alguma roupa para o presente e o Almeidinha coçava a cabeça, tentando lembrar o que poderia ter feito para merecer um presente daqueles.
Só a sogra do Almeidinha, dona Severina, cogitou a hipótese de devolver o presente, pois isso de entregar o presente já aberto, não sei não, não era coisa de gente séria.
E foi quando uma bola de fogo arrebentou a janela e consumiu a dona Severina, transformando-a em cinzas no meio da sala.
— Mamãe! – gritou a Teresa, enquanto se perguntava, em silêncio, se aquilo mancharia o tapete.
(continua)

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Uma rapidinha

Um amigo veio criticar meu interesse pelo seriado 24 Horas, dizendo que o enredo da série é muito inverossímil. Mas, meu filho, eu gosto justamente porque é inverossímil. Se estivesse procurando veracidade (ou verossimilhança) assistiria ao Discovery.
E como essa foi muito rápida, não custa dar mais uma, com o perdão do trocadilho.
Participei da parada gay de Fortaleza. Uma participação não-intencional – eu estava sentado no calçadão e a parada passou por cima – mas não menos engajada. Viva a comunidade gay de Fortaleza e arredores! Mas discordo da estatística gritada pela travesti que comandava um dos carros de som:
— Obrigada! Obrigada pela presença de todos vocês! Um milhão de pessoas aqui na nossa parada.
Tinha, no máximo, umas quinze mil pessoas. Isso contando comigo, minha esposa e um casal de amigos que nos acompanhava, que estavam meio ressabiados, mas que, no fundo, apóiam a causa e concordaram em entrar para a estatística para dar uma força. Mas nem assim chegamos no milhão. Mas o importante é fazer como a amiga travesti e manter o pensamento positivo – quem sabe no ano que vem?

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Corvos

Pode ter sido outro, mas até onde sei tudo começou com Edgar Alan Poe. “Tudo o quê?”, perguntaria qualquer pessoa normal, visto que não expliquei absolutamente nada. Bem, o “tudo”, neste caso, são os corvos. Ou, mais especificamente, os corvos que falam.
O corvo do Poe, no poema homônimo, fala “Nunca mais”. Inclusive, “Nunca mais” é a única coisa que ele fala. Faz sentido que o precursor dos corvos falantes seja pouco versado na linguagem humana e que tenha um vocabulário limitado. Talvez seu último dono tenha sido alguém que votou no Lula na última eleição e, pela repetição da frase, o corvo acabou sendo capaz de imitar o som das palavras “nunca” e “mais”.
Mas o que estou dizendo? Não pode ser isso. O poema é, por incrível que pareça, mais antigo que o PT e, ao contrário de quem votou no Lula, o corvo de Poe parecia saber o que estava fazendo, tinha o firme propósito de atormentar o narrador com seu ar nobre e diabólico pousado sobre a estátua de Atena. O corvo de Poe não apenas falava, mas o fazia de forma consciente.
Fantástico, especialmente para um corvo. Como todos sabem, a gralha é capaz de imitar certos sons humanos, tendo assim uma vantagem biológica sobre o corvo, o que, ao que parece, pode ser muito interessante na vida real, mas não conta muito na literatura. O corvo é o primeiro pássaro sombrio a falar inglês. Nada mais natural, já que o inglês é uma das línguas mais fáceis da humanidade. Também não vamos querer que o pobre corvo fale servo-croata, não é mesmo? Note também que me refiro aos pássaros sombrios, por isso não fiz referência a papagaios e ao Pato Donald, bichos mais simpáticos e menos freqüentes em pesadelos.
Mas os corvos, não satisfeitos em simplesmente falar, ainda dão bons personagens. Já citei o do poema, mas que tal Mathew, o corvo do Sonhar, da série de quadrinhos Sandman? Curioso, simpático e apreciador de olhos de rato, Mathew é um dos personagens mais carismáticos de uma série onde o que não falta são personagens carismáticos.
E, ainda ontem, terminei de jogar no computador Dreamfall – The Longest Journey. Mais uma aventura interativa que um jogo propriamente dito, Dreamfall se destaca pela incrível direção de arte, pelos diálogos curiosos e, você adivinhou, pelo corvo, que atende pelo muito apropriado nome de... Corvo. Devido ao seu cérebro pequeno, ele foi obrigado a esquecer a linguagem das aves para aprender a humana e nunca é capaz de guardar muitas informações ao mesmo tempo, o que torna seus diálogos deliciosamente surreais.
Fiquei tão empolgado que hoje pela manhã minha primeira atitude foi providenciar um corvo para mim. Achei que daria um animal de estimação bem legal (além de gótico, sombrio e deprimente, claro). Mas meu corvo ainda não disse uma palavra. Fica só ali, me encarando com seus olhos vermelhos, parado em meus umbrais... Só isso e nada mais.

segunda-feira, 10 de julho de 2006

Brasil e Itália

Vendo a Itália levantar a taça ontem não pude deixar de pensar em como nossos dois países são parecidos. Mulheres bonitas, políticos corruptos, crime organizado e futebol campeão. Acho que empatamos no item mulheres bonitas. Eles têm verdadeiros ícones internacionais como a Sophia Loren e a Mônica Belucci, mas nós temos a Bunchen (é assim que escreve?) e uma quantidade maior, graças ao tamanho do país. Além disso, parece que, de acordo com uma pesquisa aí, trepa-se mais no Brasil, o que ampliaria a relação custo/benefício das nossas mulheres. Só dá empate mesmo por causa da Sophia Loren a das bocas carnudas, que são peso dois.
O item políticos corruptos também empata. Temos mais, é verdade – e a impunidade por aqui também é maior. Mas na Itália rouba-se há mais tempo – e os esquemas políticos são mais elaborados. Os nossos ladrões da galinha jamais conseguiriam desviar dinheiro de forma tão complexa, e temos que dar pontos pela capacidade técnica.
Também consideraria empate o item crime organizado. De novo, por causa do tamanho, temos mais criminosos, mas por mais que tentemos nos aprimorar, os italianos são os pais do crime organizado – e os criminosos de lá ainda usam Armani. Os bandidos italianos também rendem filmes melhores, mas já provamos, com Cidade de Deus, que também podemos nos orgulhar de nossos fora-da-lei. Só empatamos mesmo por causa do Rio de Janeiro, pois não existe, nem na Itália nem em nenhum lugar no mundo, uma cidade tão entregue à bandidagem. No Rio, o crime não influencia o poder, o crime é o poder.
E o futebol? O nosso é criativo e o deles, objetivo, mas os dois são competitivos (se não nessa copa, pelo menos historicamente). Contudo, neste quesito, não dá para ter dúvidas: ainda somos melhores. Mas eles estão chegando perto.

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Já Podeis da Pátria Filhos

Está provado que Kaká é um dos mais inteligentes jogadores da seleção brasileira. Não porque tenha estudado mais ou em melhores colégios, mas por ser um dos poucos que entendem exatamente o que significa a Copa do Mundo para os brasileiros.
Ronaldo, Roberto Carlos, Cafu e vários outros não sabem mais o que é isso e desconfio que Roberto Carlos nunca soube. São ricos demais, vitoriosos demais, famosos demais, velhos demais. Eles entendem muito bem o que a Copa significa para eles próprios. Recordes, mais glória, mais um jogo e a possibilidade de provar que todos estão enganados a respeito deles e que são, na verdade, muito bons, porque se superaram, chegaram aonde pouca gente chegou, etc. Quanta bobagem. A vida é dura para todo mundo e é mais dura ainda para quem, por um motivo ou outro, não atingiu o sucesso. Para quem está do lado de cá, torcendo.
Não quero, com isso, desmerecer as conquistas individuais desses atletas – e muito menos as conquistas coletivas, que me alegraram muito, mas a verdade é que, no seu pedido de desculpas, Kaká foi muito maior que todos eles, mostrando que era o único que entendia que o único recorde que eles deveriam estar preocupados em aumentar era o de mais um título mundial para o Brasil. A seleção é dos brasileiros e, ao entrar em campo, os jogadores estão representando muito mais do que eles próprios. Ali, são embaixadores de uma nação.
Um cético poderia dizer que, se o atleta se dedica, joga bem e dá o melhor de si, não faz diferença se ele o faz por patriotismo ou interesse próprio. Talvez. Mas e quando não joga? Assim como um funcionário que é displicente em suas tarefas, o jogador da seleção que não se esforça tem o direito de ser questionado. Eu, como patrão, posso aceitar um ou outro funcionário eficiente, um Mané qualquer, que nem lembra o nome da empresa, mas ama o que faz. Porém, não tolero quem dorme em serviço.
Tá certo que o futebol corrompe. É dinheiro, prêmios, mulheres e vaidades. E a imprensa que critica é a primeira a lembrar ao jogador de que ele está a segundos de quebrar mais um recorde, contribuindo para tirar o foco do jogador do que interessa. E mais patrocinadores e blogs pessoais e assessores de marketing e a família visitando e a meia que ficou meio desarrumada. Mas nada justifica o futebol desinteressado do Brasil nesta Copa do Mundo. E os jogadores precisam parar de dizer que deram o “melhor de si” – isso não é verdade. Sabemos que o melhor desses caras é muito mais que isso. A Alemanha está dando o seu melhor. Nós... Ficamos vendo o Zidane jogar.
Isento Robinho, Fred, Juninho, Cicinho, Gilberto, Zé Roberto, Ricardinho, Gilberto Silva, Lúcio, Juan e, vá lá, o Dida (olha só, deu um time!). O resto que não me apareça mais lá em casa, com exceção do Kaká, que também ficou devendo – mas pediu desculpas.

Com relação ao Kaká, nada me tira da cabeça que o famoso grupo tão unido do Parreira isolou o rapaz, por causa de sua declaração depois do primeiro jogo, afirmando o óbvio: faltou movimentação no ataque.
Não é desculpa para o futebol pequeno, mas explicaria muita coisa, inclusive a pequenez do futebol.

Parreira fez de tudo para livrar-se de sua responsabilidade. Botou o Juninho para jogar (a escalação dos “especialistas”, inclusive eu) e teve a cara-de-pau de dizer que já sabia que imprensa iria crucificá-lo, dizendo que, se o Brasil ganhasse a copa, seria por causa dos jogadores e, se perdesse, seria por causa do técnico. Bem, perdeu por causa dos jogadores e do técnico. Responsabilidade dupla do técnico, que é quem escolhe os jogadores.
E a imprensa nunca negou a participação do Felipão na vitória de 2002 e até hoje endeusa Telê Santana. Se o técnico faz um bom trabalho, não precisa se esconder atrás do discurso.

Não deve ser difícil para um brasileiro que consegue destaque internacional em sua profissão, especialmente um atleta, pensar que não deve nada ao Brasil. Teve vida difícil, não encontrou apoio, ralou muito, se não fosse o próprio esforço, etc. Mas quem pensa assim está confundindo governo com pátria e uma coisa não tem, necessariamente, que ver com a outra. Inclusive, muitos governos já foram derrubados em nome da pátria.
Pátria é o lugar de onde temos saudade. Onde fomos felizes primeiro, onde amamos primeiro e onde primeiro fomos amados – é por isso que precisa ser defendida. Quando representamos nossa pátria no exterior, não estamos defendendo um ideal político e nem uma localização geográfica, estamos defendendo um povo. Nossos pais, nossos avós, nossos amigos e nossos irmãos.
Ah, o povo brasileiro, com seus heróis milionários que vivem em outras terras (ou aqui mesmo, mas em condomínios fechados). Com seus políticos, seus empresários e seus jogadores de futebol. Quando vamos aprender?
De qualquer maneira, agora temos que encarar algumas verdades: o melhor do mundo é o Zidane, Ronaldo continua gordo (e deve voltar aos 95 bem rápido, agora que pode sair da dieta), Roberto Carlos é louco, Parreira jamais conseguiu transformar nossos jogadores em um time e o Cafu até continua simpático e em forma, mas Copa do Mundo não é concurso de miss.

“Você vai ver como é, Didi, Garrincha e Pelé, dando seu banho de bola. Quando eles pegam no couro...” E por aí vai.