sábado, 29 de março de 2008

Servir bem para servir sempre

A equipe de marketing de Deus é fenomenal. De alguma forma eles conseguiram nos convencer de que tudo de ruim que acontece com a gente é para o nosso próprio bem (ou um bem ainda maior).

Perder o emprego, bater o carro, perder um filho, qualquer coisa. Tudo faz parte de um plano fantástico que nós não entendemos ainda porque não estamos lá muito avançados na escala evolutiva.

E mais: o sofrimento que todas essas perdas provocam não é culpa e nem vontade de Deus. Tudo isso recai sobre nós mesmos que somos falhos e não seguimos o manual de instruções direito. O homem é ciumento vaidoso e egoísta – e isso gera o sofrimento.

Não sei, não, mas suspeito que, de acordo com as leis da física (também obra de Deus), mesmo que todos nós nos amemos muito, ainda seria possível morrer caindo da escada, por exemplo. Se fosse alguém próximo de mim, eu sofreria do mesmo jeito.

Mas ainda não acabou. Não só nada do que é ruim é culpa de Deus, como tudo que é bom é responsabilidade direta dele. Isso é brilhante.

Aumento de salário? Graças a Deus! Passou no vestibular? Graças a Deus! Sobreviveu a um acidente de carro? Graças a Deus!

Claro que também reconhecemos o nosso esforço – e às vezes até o supervalorizamos (lembram da vaidade e do egoísmo?). Mas Deus e equipe sempre ficam com os seus 10%.

É a lógica do otimista. A esperança de que no final tudo vai dar certo. É a convicção de que, se alguém nos colocou neste mundo, este alguém não pode ser nem malvado e nem indiferente. É a nossa maneira de seguir em frente.

E o mais irônico é que pode ser verdade.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Impressões

Tenho um amigo que de vez em quando me liga. Até aí, normal.

Quando ele me liga, conversamos trivialidades e ele sempre me pergunta como estou e deixa claro que, qualquer coisa, ele está aí para me ajudar. Até aí, normal. Ou quase.

O que me incomodava nessas ligações era o fato dele se colocar à minha disposição, como se ele soubesse que eu estava com algum tipo de problema. E fiquei com isso na cabeça. Será que ele me acha uma pessoa problemática? Alguém que precisa constantemente de um ombro amigo? Ou haveria alguma outra coisa que estivesse gerando essa impressão? Algum amigo em comum que fosse meio fofoqueiro, talvez?

O fato é que, apesar da aparente intranqüilidade do meu amigo em relação à minha vida, a grande maioria das vezes em que ele me ligava, eu estava bem, sem nenhum problema maior à vista. E foi então que me toquei: ele lia o Ninguém Perguntou.

Bastava eu postar aqui algo um pouco mais reflexivo ou pessimista que ele passava a se preocupar comigo. E me ligava.

No passado, já falei por aqui que, como gosto de escrever em primeira pessoa, as pessoas tendem a achar que o que escrevo aqui é exatamente o que penso ou como me sinto, o que não é muito bem a verdade. Explico-me melhor: literatura é sempre a verdade, mas nem sempre é a minha verdade.

Posso estar feliz e escrever um texto triste, posso estar cansado e escrever um texto vibrante e posso até estar chateado e escrever um texto pessimista. Meu estado de espírito pode ou não combinar com o que escrevo. E o que escrevo pode ou não estar ligado a um momento pessoal. Mas eu não me preocupo com isso e seria difícil, até mesmo para mim, classificar quando meus textos são mais ou menos relacionados com minha própria vida (com algumas exceções óbvias).

Ocorreu-me que essa impressão que o Ninguém Perguntou deixava sobre meu amigo poderia estar acontecendo com outras pessoas. Por isso, deixo o esclarecimento (citando eu mesmo): o Ninguém Perguntou é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A não ser, é claro, que a carapuça sirva.

Agora, tenho um outro amigo que de vez em quando me liga quando passo muito tempo sem escrever. Esse me conhece!

quinta-feira, 20 de março de 2008

Amigos, amigos...

João comprou uma máquina de encontrar amigos. Ele não precisava da máquina, pois era uma pessoa muito popular e tinha muitos amigos, mas achava que seria um excelente presente para um primo seu, que vivia sempre muito triste e desanimado.

Sabia que o presente era absolutamente maravilhoso e que seu primo ficaria muito feliz, mas... E se a máquina não funcionasse? O vendedor parecia ser um sujeito honesto –e João nunca duvidava de pessoas que pareciam honestas, mas talvez a máquina precisasse de pilhas novas. Ou talvez tivesse vindo com algum defeito de fábrica.

Precavido, João resolveu testar o presente.

No dia seguinte, procurou o vendedor com cara de honesto:

— Senhor, a máquina que me foi vendida está com defeito.

— A máquina de encontrar amigos? Impossível!

— Pois veja o senhor que ontem eu estava dando uma festa em minha casa e liguei a máquina. A luzinha não acendeu nenhuma vez! E não é assim que ela deve funcionar? Quando um amigo se aproxima, a luz acende. Pois bem, estava cercado de amigos e a luz não acendeu nenhuma vez.

O vendedor com cara de honesto examinou a mercadoria de perto e confirmou que a máquina estava realmente quebrada. O que era uma pena, pois aquela era a última que ele tinha em estoque e ele não iria receber uma reposição, pois já não se fabricavam mais máquinas de encontrar amigos. E, dizendo isso, apressou-se em devolver o dinheiro para João.

— Que pena! – Disse João – Bem, vou procurar outro presente para meu primo. Até logo!

— Até logo.

— Que curioso!

— O que foi?

— Veja. A luz da máquina está acendendo agora!

— Ela está obviamente desregulada, uma vez que só estamos nós dois aqui.

João, que era simplório, mas não era bobo, devolveu o dinheiro para o homem com cara de honesto e perguntou:

— Qual o seu nome?

E convidou seu mais novo amigo para ir tomar uma cervejinha no bar ali da esquina. Pois naquele tempo era costume ir beber uma cervejinha com os amigos no bar. E, naquele tempo, para ser amigo não bastava ter cara de honesto, era também preciso prová-lo com atitudes.

Não é de hoje...

Hoje assisti a 10.000 A.C.

Ao que parece, tem uma história de amor e heroísmo em algum lugar do enredo, mas eu não estava prestando muita atenção nisso.

Interessei-me mais pelas profecias e pelo comportamento dos homens diante delas. O filme não deve ser baseado em fatos reais, mas, pelo pouco que me lembro das minhas aulas de história, essa coisa de viver e morrer de acordo com a vontade dos deuses tem certa veracidade... Muitos de nossos ancestrais construíram suas vidas em torno do misticismo, em torno de uma crença inabalável baseada nas informações que lhes eram disponíveis.

E surpresa: 12.000 anos depois e continuamos nos comportando do mesmo jeito. Hoje em dia, temos mais informação, mas não temos toda a informação (só achamos que temos). E é claro que atualmente somos muito mais egoístas e autocentrados, uma vez que não precisamos mais do resto da tribo para nos ajudar a caçar (podemos nos virar muito bem indo ao mercado).

Mas ainda morremos de medo de ter uma opinião diferente do resto do grupo. Ainda dormimos abraçados com nossos preconceitos e estamos prontos a tirar conclusões definitivas sobre situações das quais não sabemos a metade.

E continuamos a achar muito estranho quando alguém diz que o Xamã é só um velho bêbado. Ou que o Rei está nu.

É... Já contaram essa história várias vezes. Um dia a gente aprende.

terça-feira, 18 de março de 2008

Escrevendo

Toda vez que escrevo para adolescentes recebo as mesmas críticas: "o vocabulário está muito elaborado", "os adolescentes não falam assim", etc.

Bem, em minha defesa, só posso dizer que procuro escrever para os adolescentes – e não como se fosse um adolescente. Dos meus quinze anos pra cá, meu vocabulário claramente aumentou, e isso só aconteceu porque li livros onde os personagens falavam de forma elaborada e inteligente. Isso me motivou a procurar escrever de forma elaborada e inteligente (nem sempre com sucesso, obviamente).

Inclusive, muitos desses livros e gibis eram feitos para adolescentes. No livro O Gênio do Crime, um dos sucessos mais perenes da literatura infanto-juvenil brasileira (mais de um milhão de cópias vendidas), João Carlos Marinho faz uma alusão ao tráfico de drogas usando o tráfico de figurinhas de futebol como exemplo. Seus personagens não usam gíria (nem os bandidos) e me lembro claramente de, por causa desse livro, ter ido procurar no dicionário o significado da palavra "inescrutável", que, na época, me pareceu, bem, inescrutável.

Outra experiência marcante foi o gibi da Marvel e da DC no qual os personagens das duas editoras se fundiam (a mistura do Batman com o Wolverine se chamava Garra Noturna). O nome da série? Amálgama. Lembro do meu pai me explicando o significado dessa palavra, depois de pedir próxima para ler o gibi.

Outros motivos que me levam a dosar onde coloco a gíria e onde relaxo um pouco na escrita são puramente técnicos. Tem a ver com facilitar o entendimento da história (usar a palavra certa, em vez de um sinônimo simplificado pode fazer diferença), ritmo (ler "véi" no final de cada frase é tão chato quanto ouvir), conveniência (escrever exatamente como falamos é algo que requer espaço. Brian Michael Bendis faz isso nos quadrinhos e suas Graphic Novels têm mais de 200 páginas) e, por último, estilo (gosto de estimular os neurônios de quem está lendo).

Além disso, não tem nada mais ridículo que um cara de trinta e tantos anos tentando ser adolescente, mesmo que seja só escrevendo.

Dito isso, acho importante, ao escrever para quem ainda não desenvolveu o hábito da leitura (em qualquer idade), que o nível de complexidade não seja muito intenso, que o texto seja curto e que a história faça um elo com o universo cognitivo do leitor.

E que, ao escrever para jovens, especificamente, as idéias permaneçam frescas, ousadas e bem-humoradas, independentemente de estilo.

Mas isso é só minha opinião. E tanto eu quanto minha opinião já estivemos errados antes.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Material girls

Ok, se vocês espalharem por aí que fui eu quem escreveu o que vou dizer a seguir, eu desminto. Lá vai:

Não vejo problema nenhum na objetificação da mulher. Veja bem, não é tratar a mulher como se fosse uma lamparina, mas como se fosse um objeto de desejo, mesmo. Um muito próprio, sem substitutos. Tratar a mulher, como, hm, como é mesmo o nome? Ah, sim! Tratar a mulher como mulher. Como um exemplar do sexo oposto que é cobiçado e desejado.

Também não tenho nada contra a objetificação do homem e, para mim, acho que todo mundo adoraria ser objetificado, mas nem todo mundo é bonito o suficiente.

Atrair olhares na rua, deixar uma pessoa sem fala e ser o tema das conversas depois de ter saído da sala é algo para poucos. Tá, eu sei que você pode conseguir o mesmo resultado pendurando um abacaxi no pescoço, mas você sabe que não é esse tipo de atenção que está em pauta aqui, não seja engraçadinho.

Reclamamos do padrão de beleza estabelecido pela novela, mas tô pra ver alguém reclamar quando aquela beleza de padrão resolve dar mole.

— Tá vendo aquela loura, de olhos azuis, corpo monumental, roupinha minúscula, boca carnuda e seios literalmente esculpidos à mão?

— Aquela que está te encarando e piscando pra você?

— Essa mesma. Será que ela não se tocou que eu não vou ficar com ela?

— Mas por que não?

— Muito estereotipada. É a típica loura da propaganda de cerveja.

E é claro que você até encontra gente que repete a frase aí de cima. A única diferença é esse cara nunca teve uma loura dessas dando em cima. Ou teve tantas que enjoou. Ou tá tirando onda e vai pegar o telefone da loura depois que você for embora.

Só tem mesmo um único tipo de pessoa que não cai nas garras da mulher-objeto: eu, que sou casado e fiel à minha esposa, que lê o meu blog todo dia. Até porque ela própria é um belo exemplar de mulher-objeto, que eu não vendo, não empresto e não troco.

Feministas, favor mandar as cartas de reclamação para o Diogo Mainardi, na redação da Veja. Ele falou que lê tudo o que escrevem pra ele.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Faxina

No mês do meu aniversário costumo fazer uma faxina em minha cabeça para abrir espaço para as coisas que virão no próximo ano. Faço como todo mundo: tristezas e raivas, jogo fora. Penduro as alegrias na parede e deixo as idéias na varanda (só pra arejar).

Fazia muito tempo que não tinha uma decepção, mas nesse ano tive algumas. Fiquei impressionado com o espaço que elas ocupam e com a bagunça que elas fazem. Com muito custo, me livrei delas, mas, infelizmente, algumas amizades tiveram que ir junto.

Por sorte, algumas antigas amizades aumentaram de tamanho, ocupando os espaços vazios (curiosidade: você sabia que só as amizades verdadeiras são capazes de fazer isso?).

No mais, agora é só esperar as surpresas – e se a tranqüilidade vier visitar, tenho café e pão de queijo.

O que os olhos não vêem...

No episódio de hoje do House, um presidiário condenado à morte afirmou, solene, que não importa o tanto de coisas boas que realizamos, pois nós seremos sempre medidos pela pior coisa que fizemos na vida.

A frase é bonita, mas não sei não. Tenho visto por aí uma moçada fazer coisas bem estranhas e ficando cada vez mais populares...

Acho que a frase ainda vale – mas só se você for pego.

Interpretação

Há pouco tempo atrás, eu disse para um grupo de ex-amigos que uma coisa que precisa de muita explicação, ou se trata de um tremendo erro, ou é algo genial.

Pela reação do grupo, acho que eles entenderam que era genial. Eu devia ter começado a conversa explicando o que é sarcasmo.

Boas intenções 3

Vocês provavelmente não sabem disso, mas é muito fácil achar mulheres nuas na internet. E não só mulheres como homens também e, muitas vezes, mulheres e homens juntos nus e bem próximos, fazendo uma dancinha para a frente e para trás. E, ocasionalmente, qualquer combinação de homens, mulheres e alguns objetos e animais podem ser encontrados – sempre sem roupa e fazendo malabarismos divertidos.

Ouvi dizer que algumas pessoas passam horas à frente do computador por causa disso, por isso achei interessante dividir a informação com vocês. Não se esqueçam de continuar essa corrente bem-intencionada, passando essa informação para seus amigos e familiares.

De nada.

Boas intenções 2

Defina sacanagem.

Fui procurar no Houaiss (Aurélio é tão século passado) e achei coisas interessantes: de libertinagem a deslealdade, passando por maldade, pura e simples e fazendo uma pequena parada em masturbação.

Ou seja, sacanagem pode ser qualquer coisa, de uma divertidíssima punheta a um ato terrorista.

Finalmente entendi porque o sacana nunca acha que sua sacanagem é algo muito grave. Não é cara-de-pau e nem falta de bom-senso. É semântica.

quinta-feira, 6 de março de 2008

A volta do escritor

E, sem nenhuma explicação razoável, o Escritor simplesmente parou de escrever. Alguns de seus leitores não deram muita bola, outros, ficaram apreensivos, mas tinham certeza de que ele eventualmente voltaria a escrever. Mas um leitor achou aquilo muito estranho e resolveu ter com o Escritor.

Humildemente, o Leitor preparou sua mochila e iniciou sua peregrinação até a casa do Escritor. A jornada durou quinze minutos porque o trânsito estava bom e o Escritor morava perto.

Encontrou o Escritor assistindo a quarta temporada de American Idol. Ao ver-se frente a frente com o seu ídolo, o modesto Leitor fez a pergunta:

— Parou por quê? Por que parou?

Ao que o Escritor respondeu:

— Parei de escrever porque não há mais nada a ser dito.

— Nem sobre a natureza e os animais?

— Nem sobre a natureza e os animais.

— Nem sobre vicissitudes da alma humana?

— Principalmente sobre as vicissitudes da alma humana.

— Nem sobre o último quadrinho do Frank Miller?

O Escritor pareceu hesitar, mas finalmente respondeu:

— Nem sobre o último quadrinho do Frank Miller.

— E sobre os botafoguenses?

O Escritor refletiu por um segundo. Levantou-se sem dizer nada e dirigiu-se para o seu computador. Solenemente, desligou o programinha que baixa softwares ilegais e clicou duas vezes sobre o editor de texto.

Ainda havia muito a ser dito sobre os botafoguenses, aqueles chorões.


 

terça-feira, 4 de março de 2008

O Jogo da Vida

Gary Gygax está morto. Longa vida à Gary Gygax.

Para quem não sabe, esse homem de 70 anos e nome engraçado foi um dos inventores do RPG, ou Role Playing Game quando, em meados dos anos setenta, criou um pequeno jogo chamado Dungeons & Dragons (D&D).

A ele é atribuída também a invenção dos dados com mais de seis lados –os D4, D8, D12 e os famosíssimos D20. Graças à Gygax, e ao estrondoso sucesso de D&D principalmente nos Estados Unidos (o jogo aparece até no filme ET), os mundos de fantasia ganharam força em todas as mídias: cinema (Conan), quadrinhos (Conan), desenho animado (Caverna do Dragão, co-produzido por ele próprio) e literatura – muita gente só começou a ler Tolkien e Robert E. Howard graças à visão divertida que Gary deu ao universo de fantasia.

Em meados dos anos oitenta, alguns pais desinformados confundiram D&D e o RPG em geral com uma espécie de adoração ao demônio ou algo alienante. Sem perceber que, muito provavelmente, seus filhos nerds e deslocados socialmente estavam sentando pela primeira vez com um grupo de amigos e se divertindo.

O tempo passou e a influência do D&D atingiu a muito mais gente. A interpretação de papéis foi a base de criação para diversos jogos sociais superpopulares hoje em dia, como Desafino e Imagem e Ação e seu sistema de regras é a base para os modelos matemáticos de vários videogames atuais. Gary é um dos pioneiros da indústria do entretenimento e uma das raras pessoas que conseguiram tornar o mundo um lugar mais divertido.

Ao que parece, as poções de cura e feitiços de ressurreição realmente não duram para sempre. Mas tenho certeza que os elfos, anões e bárbaros estão todos brindando em alguma taverna por aí.

Boas Intenções

Um dia desses conheci um cara muito bem intencionado que trabalhava como assassino de aluguel. Ele não apenas era uma figura muito amável como era também extremamente profissional e muito eficiente em seu trabalho.
Curioso como apenas um detalhe pode transformar a pessoa mais bem intencionada em alguém temível e desprezível.
É isso que atrapalha as boas intenções: o detalhe.

sábado, 1 de março de 2008

Desconfiômetro

O que você faria se recebesse o crédito por algo que não fez? Em maior ou em menor escala, isso já deve ter acontecido em sua vida. É bem possível que você já tenha recebido um "parabéns", um "muito obrigado" ou um elogio completamente inapropriado. E o que você fez na ocasião? O que faria agora?

O mais tentador, obviamente, é não desfazer o mal entendido. É o tal do equilíbrio universal, certo? Afinal, de vez em quando também levamos a culpa por algo que não fizemos, então uma coisa equilibra a outra e vamos em frente.

Mas eu penso diferente. Para mim, o maior problema nessas situações é que quem realmente merece reconhecimento acaba não sendo lembrado. Ser elogiado por conta de uma má interpretação dos fatos e não desfazer a confusão é um pouco como receber o troco errado (a mais) e não falar nada, é uma espécie de desonestidade passiva.

Mas, somos humanos e, como já foi dito antes com muita propriedade, a vaidade é o pecado preferido do diabo. Lembro de uma vez, há muitos anos atrás, que participei de uma competição entre escolas sobre a obra de Monteiro Lobato. O formato era parecido com o daqueles programas de auditório de perguntas e respostas e chegamos à final da competição graças ao meu companheiro, que sabia tudo, mas era um pouco tímido. Para quem observava de fora, parecia que estávamos confabulando a cada pergunta que nos era feita, quando, na verdade, ele me dizia a resposta e eu apenas a repetia, em voz alta.

Na última pergunta, eu realmente sabia a resposta e respondi confiante, assegurando a nossa vitória na competição. O pessoal da nossa escola invadiu a área e eu fui carregado nos braços da galera, com todo mundo gritando meu nome. E só o meu nome. Para piorar, quando falei ao microfone, na hora dos agradecimentos, que o mérito tinha sido todo do meu amigo, as pessoas ficaram ainda mais impressionadas comigo, achando que eu estava sendo humilde.

O tempo passou e a sensação de felicidade que senti no momento é um constrangimento que carrego comigo até hoje. Mas essas coisas acontecem e, às vezes, são inevitáveis. Mas o que me irrita mesmo é a pessoa que não só recebe o crédito pelo que não fez, como ainda acha que merece. É o tal do desconfiômetro quebrado, como dizia o meu pai.