sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Solúvel

Recentemente acompanhei uma discussão muito interessante na Internet que envolvia teses e hipóteses sobre sorte, arrogância, familiaridade, habilidade e robôs gigantes (eu falei que a discussão era interessante, não disse que era séria). De qualquer maneira, o grupo chegou às seguintes conclusões:

1. Existe um tipo de arrogância que é gerada quando alguém conquista alguma coisa por sorte, mas acha que foi por competência. Da mesma forma, muita gente confunde falta de capacidade com azar.

2. É possível conduzir uma situação com habilidade mesmo quando os elementos envolvidos não estão sob seu total controle. Especialmente, se você tem familiaridade com o problema.

3. Elementos randômicos são fundamentais em certas situações (filmes, festas, férias) e desagradáveis em outras (motel, salto de pára-quedas, volta das férias).

4. Explodir a cabeça de um robô gigante inimigo é sempre uma experiência satisfatória. Fazer isso a dois quilômetros de distância, com o alvo em movimento e utilizando seu último tiro de bazuca é tão espetacular que não dá para escrever mais nada depois disso. Vou ter que deixar para explicar o título desse texto em outra oportunidade.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Letras

Desde que comecei com essa história de blog já escrevi mais de trezentos textos. Alguns bem-humorados, outros repletos de ceticismo e uma ou outra elucubração com pretensões filosóficas.

Apenas algumas poucas frases, algumas poucas letras, foram românticas.

Isso tem uma explicação: não me sinto qualificado para escrever sobre o amor. Sei muito pouco sobre ele, embora esteja cercado dele.

Tenho em casa duas mulheres, minha esposa e minha filha, que sabem tudo sobre o amor. Todos os dias, as duas me ensinam alguma coisa nova sobre ele. As duas são especialistas na matéria e, confesso, isso acaba me intimidando um pouco. Afinal, qualquer coisa que eu escrever hoje sobre o amor, amanhã estará obsoleta, pois elas me mostrarão que o amor era mais do que eu pensava.

Elas fazem isso todo dia. Basta eu chegar a uma conclusão sobre o que é o amor, para que elas me provem, logo em seguida, que o amor era na verdade muito mais. Sempre mais e mais, verdadeiramente infinito. E, no entanto, o amor cabe por inteiro no abraço da minha filha e no beijo da minha esposa.

Amanhã voltamos à nossa programação normal.

Sonhos

Cheguei à conclusão de que meus sonhos precisam melhorar. Basicamente, tenho sonhado com mulher pelada desde os treze anos de idade, com poucas variações. Um ou outro pesadelo caindo no abismo, afogando, essas coisas que todo mundo sonha. Nada demais.

Hoje mesmo um amigo me contou que sonhou com o pai. Trivial, certo? Mas espere, o melhor está por vir: no sonho, o pai dele era o Antonio Fagundes. Belo casting para o sonho.

Os meus são bem mais pobres, com locações medíocres ou, pior, com aquele branco leitoso de background. Meus sonhos não têm figurantes, não têm trilha sonora e os efeitos especiais são de terceira categoria.

As tramas do meu sonho também não são interessantes e nem têm reviravoltas mirabolantes no final. È tudo tão banal que raramente lembro deles quando acordo.

Não sei exatamente como dar um upgrade no meu subconsciente. Tenho medo de ler Caras antes de dormir e dar de cara com o Paulo Coelho no meu sonho. Terei que gastar anos de terapia para me recuperar. Além disso, tudo ficaria com cara de novela da Globo, o que não sei se seria lá muito interessante.

Bem, vou continuar a ler meus livros e meus quadrinhos, que, apesar de serem muito interessantes, parecem não afetar muito meu subconsciente. O bom é que, pelo menos, não espantam as mulheres peladas.

Traição

É impossível provar uma traição. Você consegue provar um assassinato, uma agressão, uma coerção e até uma sacanagem, mas você não consegue provar uma traição.

Até mesmo no caso de um membro de um casal pular a cerca ou de um espião vender informações militares para outro país. Você consegue provar que houve infidelidade (ou quebra dos votos matrimoniais), você consegue provar que houve espionagem. Mas não consegue provar uma traição.

A traição é medida pelo que você espera de uma pessoa e não existe medida mais subjetiva que essa. Você pode fazer contratos, você pode conversar por horas estabelecendo as regras e os limites de uma relação, você pode se basear na ética universal. Mas ninguém consegue determinar, escrever ou simplesmente saber, de forma cristalina, o que espera de alguém.

Em relações distantes, quase conseguimos ser objetivos: espero da polícia que ela me proteja. Existem alguns tons de cinza aí, mas trata-se de uma boa generalização. Hoje em dia não nos sentimos traídos quando a polícia falha porque, verdade seja dita, gostaríamos que a polícia nos protegesse, mas já não temos essa expectativa há um bom tempo.

O processo vai ficando mais difícil à medida que sua intimidade com a pessoa ou instituição aumenta. Você espera um sem número de coisas do local onde você trabalha, da escola do seu filho, do seu cônjuge e dos seus amigos.

E, de repente, você se vê traído. Você não vai conseguir provar, você não vai conseguir entender, você não vai encontrar ninguém imparcial o suficiente para elucidar a situação.

A solução para o problema está entre você e o “traidor”. Ele precisa entender o que fez para trair sua confiança e você precisa entender ou, o que é mais difícil, aceitar os motivos que o levaram àquele gesto, àquela palavra ou àquela ação.

Se isso não acontecer, só lhe resta uma saída: esquecer.

Mas você não vai conseguir.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Loucos e pedras

Uma amiga, certa vez, me falou de um louco que costumava perambular pelas ruas de sua cidade (ou da cidade da mãe - enfim, não era aqui). A mania dele era a seguinte: toda pedra na qual tropeçava, ele guardava para si. Vivia caminhando, tropeçando e guardando pedras.

Um louco com uma pedra na mão não é uma imagem que inspire muita tranqüilidade, mas me ocorreu o seguinte: o sujeito não era tão louco assim. Ele apenas fazia literalmente o que todos nós fazemos no sentido figurado.

Quando encontramos pedras no nosso caminho, dificilmente damos a volta e seguimos em frente, sem olhar para trás. O mais provável é que, de alguma forma, levemos o obstáculo conosco, na forma de uma mágoa, um rancor ou, no mínimo, uma lembrança ruim que volta para nos assombrar de vez em quando.

O certo seria largarmos o obstáculo para trás ou, na impossibilidade disso, ao menos esvaziarmos os bolsos de vez em quando, para facilitar a caminhada.

Mas o bom mesmo, bom mesmo, seria poder jogar a pedra na cabeça de quem inicialmente a colocou no nosso caminho.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

A saga chega ao fim

Há uns dias atrás finalmente li o último capítulo da saga do Lobo Solitário. Minha própria saga para ler toda a obra de Kazuo Koike e Goseki Kojima também é digna de menção, já que li a primeira HQ do Lobo Solitário aos dezenove anos.

De lá para cá diversas editoras assumiram o título no Brasil, mas nenhuma conseguiu publicar todo o épico. Eu tinha que me contentar em ler o Lobo Solitário em espasmos, seguidos por intervalos de dois a cinco anos até a próxima história.

Mas a Panini foi valente e publicou tudo, do começo até o final, sem cortes, em vinte e oito volumes, com a orientação de leitura e onomatopéias originais. Bravo!

Ao ler o último capítulo, não consegui segurar as lágrimas. Algumas foram de alívio (finalmente terminei de ler essa porra!), mas outras foram de genuína emoção, o que prova o brilhantismo dos autores ou que o meu estado emocional não andava lá essas coisas.

Acho que foi mesmo o talento dos dois. Koike e Kojima receberam prêmios nos cinco continentes pela série, que exibe uma rara sensibilidade ao tratar de temas como honra, lealdade, dignidade e amizade, mostrando que essas coisas, que eram valorizadas no Japão feudal, não perderam sua importância nos dias de hoje - só ficaram mais raras.

Altas temperaturas

Com a recente onda de calor e a baixa humildade no ar (não escrevi errado, não - trata-se de uma referência obscura a coisas que ando observando por aí), as pessoas andam procurando alternativas para se refrescar.

Da tradicional garrafinha a tiracolo a blusas mais decotadas, vale tudo. No caso das mulheres, sou particularmente a favor das blusinhas decotadas, mas andei sabendo de uns marmanjos andando por aí sem cuecas, o que considero deprimente.

Essa onda de calor também gera todo tipo de consideração amalucada sobre como suportar o incômodo. A mais recente que me contaram foi andar pelado.

Não sei o quanto andar pelado contribuiria para a minha comodidade, mas provavelmente incomodaria os outros. Além disso, acho meio anti-higiênico - uma bermuda e chinelos seriam suficientes. Talvez uma camiseta cavada.

Enfim, o importante mesmo nessa história são as camisetas cavadas e os decotes generosos. Vamos lá, mulherada, que o calor está de matar!

domingo, 23 de setembro de 2007

Há males que vem...

Não acredito no ditado "Há males que vem para bem". Para mim, uma coisa ruim, é uma coisa ruim e ponto. Sem discussão. Certos sofrimentos e acontecimentos nos fazem aprender e entender determinadas coisas, mas tenho cá minhas dúvidas se essas coisas não poderiam ser aprendidas sem sofrer. E, de qualquer forma, não é todo sofrimento que nos faz crescer. Se fosse assim, quem está passando fome nas ruas teria que ter um padrão moral elevadíssimo ou uma sabedoria infinita.

Obviamente, tem muita gente que está nas ruas que tem mais sabedoria que eu, mas não sei se o responsável por isso é o sofrimento.

É claro que uma coisa ruim pode, eventualmente, nos levar a uma coisa boa. Mas isso não é um atributo próprio das coisas ruins e nem uma regra. Uma coisa boa pode nos levar a uma melhor ainda e, uma ruim, a outra pior.

Acredito que a santificação ou valorização do sofrimento seja uma herança católica, para que fiquemos mais conformados com as injustiças que somos obrigados a testemunhar todos os dias.

Existe sorte e existe azar, acontecimentos randômicos que interferem na nossa vida, nos levando para um lado ou para o outro, mas acho bobagem tentarmos transformar nosso sofrimento em algo interessante ou positivo.

Para mim, a melhor maneira de lidar com o sofrimento é aceitá-lo como uma realidade e, na primeira oportunidade, deixá-lo para trás. Como isso é extremamente difícil, acabamos fazendo as pazes com o sofrimento que nos acompanha e tentamos transformá-lo em algo bom: mais ou menos os que os torcedores do Botafogo fazem.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Rodrigo

Desde pequena que a Lavínia queria ter um Rodrigo. A obsessão começou lá pelos treze anos e de lá para cá, assim como ela própria, só cresceu.
Certa vez sua irmã mais velha, a Moema, apareceu em casa com um Felipe e ela gostou muito do modelo. Olhos claros, ombros largos. Mas o Felipe tinha um certo ar de superioridade que a incomodava, o que ela queria mesmo era um Rodrigo: um homem bonito, alto, forte, mas sem muita iniciativa, que era para não dar trabalho.
Ao longo da vida, a Lavínia teve que se contentar com outros modelos, inclusive um Agripino, que tinha manchas na lataria e vazava. Mas não desistiu de encontrar o seu Rodrigo.
Certo dia, na praia (um habitat natural dos Rodrigos), ela encontrou o que procurava. Jogou os longos cabelos loiros para trás e disparou:
— Seu nome é Rodrigo, não é?
— Na verdade...
— Não diga nada! De agora em diante vou te chamar de Rodrigo e pronto.
— OK.
Ela sorriu. Pela subserviência era mesmo um Rodrigo legítimo.
A vida da Lavínia com o Rodrigo não era exatamente o que ela esperava. Em primeiro lugar, a manutenção era trabalhosa e o Rodrigo passava pouco tempo com ela, por causa da malhação e do vôlei.
— Eu não sabia que os Rodrigos jogavam vôlei – confidenciou a uma amiga mais experiente, que atualmente estava com um Ricardo e um Francisco.
— Não é comum, mas muitos jogam. Mas é melhor que um Ronaldo – todos os Ronaldos jogam bola e volta e meia quebram.
— Que coisa...
— Escuta, você parece meio tensa. Quer o meu Ricardo emprestado?
— Ah, não. Obrigada.
— Olha, vou te dizer uma coisa: esses modelos muito badalados às vezes não valem a pena. Eu, por exemplo, ando muito satisfeita com o meu Francisco. Ele paga todas as contas e faz Lasanha aos domingos. E não quer transar o tempo inteiro.
— Pois é. Esse é outro problema: quando transo com o Rodrigo parece que estou transando com uma TV de plasma de 52 polegadas.
— Eu sei. Não é ótimo?
Não era. Lavínia andava por aí e não conseguia entender como é que outras mulheres, acompanhadas de modelos visivelmente defeituosos, pareciam muito mais felizes que ela. Mas quando surgia a oportunidade, ela enchia o peito de orgulho e perguntava, piscando os olhinhos:
— Eu já te mostrei o meu Rodrigo?


Essa crônica foi inspirada em fatos reais. Uma amiga recentemente me apresentou o seu namorado exatamente da forma descrita acima. É sempre reconfortante para um Emivaldo (modelo 73) saber que as pessoas continuam loucas e que o mundo continua sem fazer muito sentido.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Limbo

Não confirmei a notícia, mas isso é coisa para jornalista sério que, como todo mundo sabe, não existe. Ou existe, mas já abandonou o jornalismo por decepção. De qualquer maneira, tudo indica que o novo Papa acabou com o limbo.

Aparentemente foi tudo um mal entendido qualquer, um concílio mal interpretado, uma encíclica redigida por um estagiário (ou coroinha). Enfim, acabaram com o limbo, que sempre foi uma das minhas argumentações clássicas contra a doutrina católica. Até aí tudo bem, pois o limbo não fazia muito sentido mesmo, mas, como bem lembrou o Nivaldo (um colega de trabalho cujo bom-humor é fruto de um eterno mau-humor), o que fazer com toda a turma que ficou no limbo todos esses anos?

Até onde sei, por lá ficaram milhões de índios e de criancinhas que morreram sem ser batizadas e talvez mais um ou outro desavisado (não lembro exatamente quais eram todas as regras para ir parar no limbo). Enfim, é menos um lugar para conhecer depois que tudo se acabar por aqui.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Inocência

Certa vez, aos onze anos de idade, eu quebrei o vidro da sala da diretora do meu colégio jogando uma pedra nela (na janela, não na diretora). Minha intenção não era quebrar o vidro, mas apenas fazer a diretora sair na janela para ver o que estava acontecendo. Claro que, quando ela aparecesse na janela, eu já estaria a quilômetros de distância, rindo como um idiota. Mas as coisas não saíram conforme o planejado e o vidro espatifou-se. Levei um susto tão grande que não me mexi e, quando a diretora apareceu na janela, deu de cara comigo. Olhando para mim fixamente ela perguntou:

— Você viu quem fez isso?

Nesse momento aprendi uma lição importante na vida: não aparentar culpa é mais importante do que ser verdadeiramente inocente. Você pode escapar impune de qualquer coisa se sua cara de pau for grande o suficiente. Fica melhor ainda se você conseguir convencer a si próprio de sua inocência, mas só convencer aos outros já é suficiente.

Além disso, assumir um erro é algo que mostra um pouco de caráter, mas que, na prática, não leva a nada. Provavelmente fará com que você perca o emprego ou a esposa (ou o(a).......................................... - favor inserir na linha pontilhada termo politicamente correto que melhor se adéqüe ao seu gênero e/ou preferências sexuais e/ou crenças religiosas e/ou estilo de vida).

Nesse ponto do texto eu estava planejando uma virada na argumentação para encerrar em um tom mais otimista, mas agora já fui realista demais e vai ser difícil retroceder.

Bom... Fazer o quê? Não fui eu quem fez as regras da vida. Quem foi? Também não sei, mas provavelmente é alguém com uma carinha de inocente.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Texto razoável

Algumas palavras, mesmo sendo irmãs (ou sinônimas), acabam tendo conotações diferentes. Deve ter a ver com a turma que elas andam, más escolhas em sua adolescência e acredito que, assim como as pessoas, as palavras estão muito à mercê da opinião que os outros têm sobre elas.
É o caso das palavras “medíocre” e “razoável”. Elas têm um significado semelhante, mas acabaram querendo dizer o seguinte:
Razoável: poderia ser melhor, mas está bom.
Medíocre: Está ruim, mas poderia ser pior.
Existem outros exemplos, mas um exemplo só para um texto escrito em dez minutos é bem razoável. Poderia ser pior – poderia ser medíocre.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Vida Fácil

Você pode escrever sobre a vida com resultados bastante razoáveis (preciso escrever uma crônica sobre a palavra razoável, mas fica para a próxima) e sem muito esforço. Basta compará-la com qualquer outra coisa. Você não só pode escrever um texto como, muitas vezes, livros inteiros. E a técnica também é muito útil para produzir frases de efeito, que podem até ser consideradas inteligentes, dependendo da turma com a qual você anda.

Para exemplificar, vamos escolher um tema aleatório, como, hm, vacas! Não, vacas, não: surfe.

A vida é como o surfe: uma coisa aparentemente sem objetivo, que pode ser muito divertida e compensadora se você se dedicar a ela.

A vida é como uma prancha de surfe: não importa sua habilidade em conduzi-la, para conseguir bons resultados, você ainda vai depender da onda.

A vida é como o surfe: faz mais sentido quando se mora perto da praia.

Etc.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Internetes

Volta e meia recebo uns e-mails cuja autoria é, de forma muito suspeita, atribuída aos mais diversos indivíduos. Hoje mesmo recebi um que, supostamente, foi a resposta de uma menina de dezesseis anos a uma questão de prova que envolvia um poema de Camões. Já recebi o mesmo e-mail, com o mesmo texto que, salvo engano, referia-se a uma resposta a uma questão de vestibular que um garoto, blá, blá, blá.
Mesmo texto, autores diferentes.
Não tenho nada contra a mentira na literatura e nem na vida real. Acho que a mentira é o refúgio do homem comum e quem não consegue enganar a si mesmo normalmente não é muito feliz.
Me incomoda muito quem mente para prejudicar os outros ou quem mente para se beneficiar de forma ilícita ou anti-ética. Mas o fato é que as pessoas têm uma péssima relação com a verdade, pois ela é quase sempre chata e inconveniente.
E é por isso que adoramos a Internet. Ela nos mente o tempo todo. Todo mundo é nosso amigo, todo mundo quer sexo, todo mundo é inteligente, o mundo é um lugar divertido, grotesco e interessante.
E os e-mails continuam chegando, repletos de histórias reais que nunca aconteceram.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A pessoa ao lado

Se neste momento você estiver sozinho lendo essa crônica, talvez seja melhor ir fazer outra coisa. Volte quando tiver alguém no seu raio de visão.
Muito bem, agora olhe bem para a pessoa ao seu lado, seja ela quem for, e se pergunte: você sabe do que ela é capaz?
Não falo de situações hipotéticas extremas, daquelas que só acontecem nos livros e no Rio de Janeiro. Coisas como assassinato, canibalismo, prender a respiração por vários minutos ou sobreviver a um ataque de zumbis. Nada disso. Falo de coisas mais simples que possam ser aplicadas em um passeio, em casa ou no trabalho.
Quantas palavras por minuto ela datilografa? Como ela se sai apresentando uma proposta para um grupo de empresários? Ela sabe trocar o pneu de um carro? Quantas posições do Kama Sutra ela já executou com sucesso? E essa pessoa sabe para que lado é o boroeste? (não falei que os conhecimentos precisavam ser úteis).
Você pode pedir o currículo do indivíduo, pode conversar com a mãe dele, pode morar com ele há quinze anos e não saber, na verdade, do que aquela pessoa é capaz.
Desconfio que não temos nem a medida certa do que nós mesmos podemos e conseguimos fazer. Eu, por exemplo, tenho quase certeza de que ainda consigo plantar bananeira, mas uma mistura de desânimo e bom senso me impedem de tentar.
E eu ia chegar a algum lugar interessante com esse texto, mas decidi parar por aqui. Tenho convicção de que vocês são capazes de chegar a alguma conclusão bem interessante por conta própria.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Placas

Antes de sair de férias eu tinha um caso com a Malu Mader. Nós não falávamos sobre o assunto, claro, pois nossos mundos são muito diferentes e, ora, ambos somos casados e amamos nossas esposas. Quer dizer, eu amo minha esposa e ela ama o marido.

A coisa começou há uns seis anos atrás. Eu demorei um tempo para perceber, mas depois de passar todos os dias pela mesma rua, voltando do trabalho, tudo ficou muito claro: do alto de seu outdoor do Café do Sítio, a Malu não tirava os olhos de mim. Todos os dias, sem falta, ela me encarava com suas sobrancelhas de taturana.

A partir daí, uma certa cumplicidade foi sendo construída. Nada de sexo, nada de encontros clandestinos em motéis cheios de baratas, nada de conversas telefônicas sussurradas no meio da noite. Apenas uma troca de olhares diária que queria dizer, simplesmente, "sim, eu te entendo". Não se tratava nem de amizade e nem de romance. Era algo mais misterioso, que só nós dois entendíamos.

Mesmo quando o outdoor mudou e o Toni Beloto foi incluído no cartaz, a Malu não tirava os olhos de mim. O maridão ali do lado, como um cão de guarda, mas a fidelidade da Malu não esmorecia, seus olhos compreensivos sempre me acompanhavam.

Quando voltei de viagem, contudo (e para minha surpresa), a Malu Mader não estava mais lá. Ou a campanha acabou ou descobriram o que andava acontecendo entre nós ou... Sei lá! O mundo é um lugar estranho e nem sempre podemos saber o que se passa pela cabeça das pessoas – especialmente as que estão representadas por uma foto de outdoor.

Mas sinto falta da Malu.

E, enquanto estamos no assunto das placas, uma outra apareceu enquanto eu estava fora, dessa vez na pista que leva ao meu trabalho. No caminho que faço todos os dias, quando chego a um determinado cruzamento, preciso virar à direita. Pois bem, apareceu uma placa que diz o seguinte: "Salvador" – e aponta para o caminho da esquerda.

Agora, todos os dias sou confrontado com a escolha entre ir trabalhar ou seguir para Salvador. Se um dia desses eu desaparecer sem avisar, não estranhem.