terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O experimento

Aos dezoito anos Katrina Savinski acreditava que tinha muitas opções pela frente. Mas seu destino estava sendo discutido em um armazém, a cerca de dez quilômetros da sua casa. Um homem gordo, de barba farta e mal cuidada, dentes tortos e amarelados, trajado com roupas esfarrapadas conversava com uma mulher alta, de cabelos cuidadosamente presos e um vestido preto de cinco mil reais. A improvável dupla conversava educadamente.

— Como ela está fisicamente? – Perguntou a mulher, de forma desinteressada.    

— Não tão bem como poderia. Leva uma vida parcialmente sedentária, mas seu material genético é realmente muito bom. Os níveis de gordura são baixos e as taxas de LDL e HDL são ótimas. O Tônus muscular é flexível e o quadril tem uma largura bem adequada à procriação eficiente.

— Doenças?

— Poucas. Na infância, catapora e caxumba e algumas viroses. Como quase todos desse grupo, é suscetível ao câncer, mas já passamos a considerar isso inevitável. Fora do ambiente hostil de estudo, acreditamos que possa viver cerca de 150 anos.

— É o mais próximo que já chegamos.

— Como ela, temos cerca de outras trinta mil pessoas nessas condições em todo o mundo.

— Chegamos perto dessa vez, mas ainda é muito pouco.

— Sim, essa também é minha avaliação, mas Mercúrio não concorda.

— Isso me surpreende. É a primeira vez que vejo vocês discordarem.

— Sim, é a primeira vez que isso acontece.

— Onde está Mercúrio neste momento?

— Ele está desaparecido há dois dias.

— Como assim, desaparecido?

— Encontramos o biotransmissor dele jogado em uma lata de lixo. Acionamos todos os nossos agentes, mas foi inútil.

— O que você sugere?

    — Pegar a garota e sair. Imediatamente.

    — De acordo.


 

Em casa, Katrina conversava com o namorado animadamente ao telefone. Um sujeito magrelo, de óculos de aro grosso, alto e narigudo chamado Frederico. Fã de filmes de ficção científica e jogos de RPG, Frederico era calado a tão anti-social quanto um nerd poderia ser. Ninguém entendia suas piadas, ninguém tinha paciência para suas conversas estapafúrdias, que sempre giravam em torno de complexas teses sobre o comportamento humano. Mas Frederico exercia um estranho fascínio sobre Katrina. O envolvimento dos dois começou por causa do conhecimento enciclopédico de Frederico sobre rock. Depois de uma conversa casual Katrina se viu mais e mais recorrendo a Frederico para dicas de música. Ele sempre tinha uma banda desconhecida para indicar cujo repertório sempre casava com o gosto particular de Katrina.

Certo dia, Frederico pediu um beijo em troca de mais uma dica. Uma proposição ridícula que Katrina se viu, inexplicavelmente, compelida a aceitar. Talvez fosse pena, talvez um carinho acumulado ao longo dos encontros musicais e talvez fosse até mesmo interesse. Fosse o que fosse, Katrina deixou-se ser beijada e surpreendeu-se. A boca de Frederico era inesperadamente suave e o beijo a seduziu imediatamente. Um calor inusitado percorreu seu corpo e ela chegou até a deixar escapar um suspiro de prazer. Isso foi há três meses atrás.

O namoro, oficializado depois de três encontros, teve como efeito colateral longas e apaixonadas conversas ao telefone, como a que acontecia naquele momento, sob o olhar de leve censura da mãe de Katrina, que preparava um chá para a filha. Um costume antigo. Toda noite, por volta de umas onze horas, mãe e filha se encontravam na cozinha para conversar. A mãe preparava um chá para as duas e depois de um animado bate-papo sobre o dia, Katrina ia dormir e a mãe, normalmente, ver televisão. Katrina sempre dormiu muito cedo e sua mãe sempre gostou de assistir à TV madrugada a dentro. Ultimamente, a mãe vinha reclamando que esses momentos andavam cada vez mais reduzidos, por conta do "namoro telefônico". Katrina sorria e virava para o lado, dando pouca atenção às queixas da mãe, de forma pouco sutil. Naquela noite, os dois estavam particularmente falantes. Katrina falou de seus sonhos e de suas desilusões e Frederico parecia ler seus pensamentos, falando sempre a coisa certa no momento certo. Até o ponto em que Frederico alterou levemente o tom de voz, ficando repentinamente menos delicado e mais sério, até um pouco ríspido:

— Kat, você confia em mim?

— Ora, mas claro!

— Se eu te pedir para fazer uma coisa completamente absurda, você faz?

— Eu, hein! Que papo besta Fred.

— Você faz?

— Bom, depende do que é. Não vou sair pelada pelo meio da rua, por exemplo.

Ele riu.

— Não é nada disso! É algo até bastante simples, só não vai fazer muito sentido.

— O que é?

— Só vou dizer o que é se você prometer que vai fazer. Sem pensar e sem questionar.

— Não tem nada a ver com sexo?

— Não.

— Ok. Prometo.

— Abaixe-se!


 

Continua no próximo capítulo.

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