quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Percepção

Essa história começa com um homem olhando para cima. Ocorrência, dizem, incomum no cotidiano das grandes cidades, mas eu não posso realmente confirmar isso. Olho pouco para as pessoas e a verdade é que não sei para onde eles voltam suas cabeças enquanto andam pelas calçadas. Mas um homem olhou para cima e viu, no beiral do prédio da operadora de celular, dois outros homens. Alguma coisa na posição deles parecia suspeita e ele logo percebeu o que era. Parecia que estavam sem aparato algum de segurança a bem uns quinze andares de altura. Talvez mais.

Sua sensação de estranhamento deu lugar a um frio na barriga quando um deles fez menção de saltar, o que fez com que o outro se aproximasse bruscamente. Estaria ele diante de uma tentativa de suicídio? Sinalizou para o guarda que estava perto, que chamou os bombeiros. Logo, logo, a equipe da rede de televisão também estava a postos. Nos dez minutos que levou tudo isso, os homens pareciam conversar, e a distância entre os dois parecia ter diminuído. Começava uma preparação das autoridades para subir ao prédio, mas, súbito, os dois deram-se as mãos e saíram do beiral.

A multidão que se juntou estava agitada. A polícia e a imprensa entraram no prédio. A porta de acesso àquela parte do telhado, antes trancada por fora, abriu-se revelando um homem beirando seus quarenta, de aparência assustada e cabelos desgrenhado e um outro, de olhar triste e distante. Foi este último que disse, numa voz emocionada:

— Este homem é um herói. Salvou-me de minha própria estupidez...

A Câmera de TV focou no rosto do herói e os jornalistas dispararam perguntas. O que ele havia dito ao suicida? Fazia o que da vida? Como tinha subido também ao beiral? Que presença de espírito! Descobriram rapidamente que ele havia sido demitido naquele mesmo dia e que, como se encontrava deprimido, havia subido ali para apreciar a vista da cidade. Ter outra perspectiva, falou. Para sua surpresa, havia um outro homem ali. Mas o que havia dito para o suicida? Não quis comentar.

Virou herói. Recuperou seu emprego, pois a empresa não queria a mídia negativa que demitir um homem tão valoroso poderia gerar. Sua esposa e filhos, que o consideravam um fracasso, passaram a olhá-lo de forma diferente e não sem certa reverência. Foi a programas de entrevistas. Tudo o que falava passou a ser mais considerado.

O outro foi julgado um coitado. Ganhou um pito da polícia e uma ameaça de processo da operadora de celular. Conseguiu, a muito custo, manter seu nome fora da mídia, o que poderia ter-lhe arrumado mais problemas pessoais. Afinal, era um fraco.

E, neste momento, voltamos ao primeiro dos três homens que protagonizam essa narrativa, aquele que olhou para cima. Este acabou por sair do local do tumulto quieto e bastante pensativo. "Que coisa", falou consigo próprio, "Poderia jurar que quem fez menção de pular tinha sido justamente o outro".



4 comentários:

  1. E o mais interessante é que coisas assim (e por assim quero dizer "assim", se é que me entende) acontecem todos os dias...

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  2. P.S.: Ansioso pelo próximo capítulo de "O experimento".
    Abraço!

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