sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Criações

Tim Schaffer é o criador, ou co-criador, de grandes clássicos dos jogos de aventura para computador e, em alguns casos, consoles. Da sua mente genial saíram obras-primas como Monkey Island, Full Throttle, Grim Fandango e Psichonauts. Seu senso de humor refinado e a caracterização brilhante dos personagens são sua marca registrada. Mas, curiosamente, com exceção de Psichonauts, Schaffer não é dono de nada do que criou. A LucasArts tem os direitos dos títulos e pode fazer o que bem entender com eles sem lhe dar satisfação. Mas, mais curiosamente ainda, eles não fazem. Schaffer e os outros criadores de Monkey Island participaram como consultores de todos os outros títulos da série e essa atitude da LucasArts tem um nome: chama-se consideração.

Uma consideração que fica ainda maior se adicionarmos que Schaffer saiu brigado da empresa. Claro que nem tudo são rosas e, mais de uma vez, surgiram boatos de que a LucasArts faria uma continuação de Full Throttle sem a participação de Schaffer. Mas, por enquanto, são boatos.

Stan Lee também não é dono de nada do que criou (Homem-Aranha, Thor, Homem de Ferro, Quarteto Fantástico, Hulk, só pra citar alguns), nunca foi. Mas está na folha de pagamento da Marvel até hoje - e como presidente (mesmo sem precisar aparecer pra trabalhar), ganha royalties sobre os filmes (ele nunca exigiu, foi uma cortesia), é consultor criativo de seus personagens e sempre faz uma ponta em todos os filmes de seus heróis. Isso se chama respeito.

Já o Darlan, brasiliense criador do Zé Gotinha, teve o personagem tirado de suas mãos por conta de uma tecnicalidade legal e, pra completar, o Zé Gotinha foi explorado por anos sem que se desse crédito, dinheiro ou um agradecimento ao seu criador. E, só recentemente, Siegel e Schuster, os criadores do Superman, foram devidamente recompensados pelo seu trabalho. Isso se chama sacanagem.

Normalmente, quem não respeita o valor de uma criação é aquele que nunca criou, porque não entende o processo. Ou quem é frustrado, que cria apenas coisas medíocres e precisa se apoiar na criação dos outros. Hoje em dia, a legislação protege até mesmo a criação de agências de publicidade, que são contratadas para criar algo de finalidade comercial – nenhum cliente pode usar indefinidamente o material publicitário; é preciso pagar novamente para a reutilização de uma idéia.

Mas o criador solitário, aquele que trabalha dentro das engrenagens da empresa, esse continua desprotegido. A lei tem brechas para que ele vá lutar pelo que é seu de direito, mas o custo é alto (financeiro e emocional) e as garantias são poucas. E, se ele vencer, será também uma vitória solitária, pois ele ficará com o produto de sua criação, mas sem condições de distribuí-lo, ninguém conhecerá o produto.

É uma balança delicada, pois a empresa tem plenos direitos de explorar aquilo que foi contratado (embora o que exatamente tenha sido contratado seja muitas vezes nebuloso) e nenhuma obrigação de ter consideração ou respeito pelo funcionário ou prestador de serviço – essas duas últimas coisas continuam dependendo largamente do caráter das pessoas que têm o controle da situação.

Já me vi dos dois lados da moeda: tem gente que até hoje me pede autorização para utilizar coisas que criei (mesmo sem precisar) e tem gente que acredita que eu não fiz mais que minha obrigação e altera, muda e utiliza minhas idéias sem me dar a menor satisfação (e talvez até precisassem).

É um terreno pantanoso, cheio de altos e baixos legais e morais, mas que pode ser muito facilmente atravessado com um pouco de respeito. O problema é que tem muita gente por aí que já não tem mais a menor idéia do que seja isso, como você vai ver na próxima crônica.

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