terça-feira, 13 de outubro de 2009

Caráter

Minha filha participou da Candanguinha, a corrida para crianças promovida pelo Correio Braziliense que começou como Marotinha e mudou de nome sei lá por que.

Orgulho de pai à parte (ou incluso, como queiram), acho a idéia de celebrar o esporte e a saúde no Dia das Crianças muito bacana, mas a organização do evento não foi lá essas coisas, não. Especialmente na formação das filas para a competição. A falta de esclarecimento quanto aos horários das competições gerou alguns tumultos e empurrões, coisa normal em show de rock, mas que tem que ser evitado a todo custo em eventos onde muitos pais estão aglomerados, pois o pai que protege o filho em multidões é um animal perigoso e completamente irracional. Quem já levou o filho a uma chegada de Papai Noel sabe do que estou falando.

Mas a verdade é que a coisa toda transcorreu sem maiores transtornos e o saldo foi positivo, mas duas coisas me chamaram a atenção. Na verdade, foi uma coisa só: a natureza humana, que, mais uma vez, se provou desprezível em dois episódios.

No primeiro, corriqueiro, mas não menos impressionante para um observador atento, assustou-me a pressão dos pais sobre seus filhos. Alguns meninos tinham claramente passado por um regime duro de treinamento e tinham uma lista enorme de instruções a serem cumpridas na corrida:

- Se o boné cair, não pare pra pegar!

- Levante bem os joelhos para ter mais impulsão na passada.

- Não olhe para o papai – concentre-se na corrida.

- Olha o sprint final!

- Posicione-se bem na largada.. etc.

Devo confessar que também dei lá minhas instruções para minha filha, algumas bem parecidas com as daí de cima, mas em um clima de descontração e ressaltando que o importante era participar e dar o melhor de si. Não deixa de ser cobrança e acho que pai tem que cobrar mesmo, mas até certo ponto. Porque o certo é cobrar, mas sem deixar de apoiar, estimular, incentivar e compreender, senão a maionese desanda. Algumas crianças estavam extraordinariamente tensas com todo o processo e os pais do lado de fora, mais tensos ainda, de olho na performance do filho.

O segundo episódio que me impressionou é derivado dessa cobrança e do tipo de discurso que o pai faz para um filho antes de uma competição como essa. Em uma das corridas, o menino que estava à frente claramente "fechou" por duas vezes o segundo colocado, que se viu obrigado a reduzir a velocidade para evitar que os dois fossem ao chão. Por conta disso, não conseguiu a ultrapassagem e o garoto de atitude antidesportiva chegou em primeiro.

Tem gente (e aí incluo, aceitando o risco de errar, o pai desse menino) que acha que isso é ser "esperto", que a vida é assim mesmo, que pra ganhar vale qualquer coisa. Eu acho um absurdo e me entristece terrivelmente ver tamanha falta de caráter em um menino de nove anos. O menino não foi desclassificado por causa do ambiente informal da corrida, mas a atitude dele foi motivo de comentário geral entre os presentes. Alguns positivos, outros negativos.

Os maiores defensores desse tipo de atitude são os que minimizam o fato: "Se ele tivesse empurrado o outro seria errado, mas ele só deu um passo pro lado, não foi nada demais". Morro de medo dessas pessoas – as que acham que uma coisa errada é medida pelo ato e não pelas conseqüências.

Embora seja um bom começo, ter caráter não é apenas assumir a responsabilidade pelos próprios atos, mas, sim, assumir a responsabilidade pelo impacto dos nossos atos na vida dos outros.

Mas talvez, assim como os pais "treinadores", eu esteja exigindo demais da humanidade...


 

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