quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Três pequenas coisas, parte 3

O terceiro homem extraordinário que encontrei era um sábio que vivia recluso e,diziam, sabia explicar o que era a honra, o que era o amor e o que era o perdão. "Grande coisa!", pensei, "Todo mundo sabe o que são essas coisas. Nem todo mundo as pratica, mas todo mundo sabe". Mas minha curiosidade era maior que minha arrogância e decidi visitá-lo mesmo assim.

Ele não parecia um sábio, pois não era nem velho e nem usava óculos. Tinha trinta e poucos anos, estava em boa forma física e sua expressão era uma estranha mistura de disposição e tristeza, mas ele me recebeu com um sorriso absolutamente honesto e, depois de me servir chá, passeou comigo pelo parque, onde conversamos por horas, que pareceram apenas breves minutos.

— O espelho é um objeto largamente desnecessário – disse ele em um determinado momento – pois, na maior parte do tempo, as pessoas enxergam apenas elas mesmas. E é por isso que é tão difícil amar, perdoar e ser honrado, pois o segredo dessas três pequenas coisas está na nossa capacidade de enxergar o outro, coisa que raramente somos capazes de fazer.

— Você então considera a honra, o amor e o perdão pequenas coisas?

— Sim, claro! Muito pequenas e frágeis. Tão pequenas que você pode carregá-las com você e nem perceber e tão frágeis que você pode quebrá-las apenas com um olhar.

— Mas dar a vida por alguém pode ser um ato de amor ou de honra – e isso é algo grandioso.

— Dar a vida por alguém também pode ser uma grande bobagem – disse ele, sorrindo e, obviamente, me provocando.

— Um pai que dá a vida por um filho só faz isso por amor...

— Sem dúvida, mas escolher esse exemplo para definir o amor é uma indução ao erro. Amar não é se sacrificar pelo outro, não é sofrer pelo outro – amar é querer fazer o outro feliz. Isso pode trazer sofrimento e sacrifício, mas é uma sutil diferença. No amor, o importante não é o seu sacrifício, o seu esforço, o seu sentimento – mas apenas a felicidade do outro. Se você pensar no amor em termos de sacrifício, é provável que, um dia, você vá exigir algo em troca pelo seu amor.

— Mas o amor é uma troca! Amor sem reciprocidade vira sofrimento.

— Sim, vira, mas ainda assim é amor. Amar é uma decisão importante, você precisa saber no que está se metendo!

Não consegui segurar o riso e resolvi continuar a conversa de forma direta:

— Certo, certo! E o que é honra?

— Se você, sem querer, pisa no pé de alguém, o que você faz?

— Peço desculpas!

— E?

— E? Ué, mais nada! Peço desculpas e pronto. O que você faria?

— Depende. Era uma pessoa mais velha? Mais nova? Era um amigo? Um desconhecido? Eu sujei o sapato do outro? Eu estraguei? Eu machuquei a pessoa? A pessoa ficou com raiva ou pareceu não se importar? A honra exige que você reconheça a circunstância. A honra não é sobre o que é certo ou o que é errado, é sobre o que é justo. Se eu, por exemplo, estraguei um sapato, é justo que eu compre outro. Se eu não tenho dinheiro, é justo que eu dê o meu sapato. Se eu não tenho sapato, é justo que eu me ponha a serviço daquela pessoa, perguntando a ela o que eu poderia fazer para compensar meu equívoco. A honra não é o que você diz, é o que você faz. Não existem palavras honrosas – apenas atitudes.

— Mas tudo isso por causa de um pisão no pé?

— O erro de achar que honra é uma coisa grande, reservada apenas para situações grandiosas, é que deixamos de utilizá-la nos contratempos corriqueiros. Quando a situação grandiosa aparece nos falta a prática – e não sabemos como nos comportar honradamente. A honra é uma coisinha pequena, mas, se alimentada, pode se tornar verdadeiramente enorme. Mas é necessário ter bom-senso. Como disse antes: é preciso reconhecer a circunstância – não é pra comprar um sapato novo toda vez que você pisa no pé de alguém!

Mais uma vez, sorri e, também mais uma vez, mudei de assunto bruscamente:

— E o perdão, o que é?

— É o que você terá que fazer agora, pois tenho outro compromisso urgente e, infelizmente, não posso mais continuar a nossa conversa. Peço, dessa forma, perdão pelo inconveniente.

E, dizendo isso, apenas acenou com a cabeça e foi embora. Fiquei um pouco irritado, mas procurei não me incomodar com o fato. Dois dias depois, li uma notícia no jornal que me deixou estupefato, mas essa é uma história para ser contada em outro dia, pois agora já é tarde e vou me recolher. A exemplo do "sábio", peço o perdão de vocês por interromper o meu relato.


 

Por enquanto, Feliz Natal.


 

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