quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Três pequenas coisas, parte dois

O segundo homem extraordinário que encontrei foi num lugar bem longe daqui, em uma cidade no meio do deserto. Ele estava tentando atravessar o deserto a pé. Havia, milagrosamente, chegado até ao meio do caminho, mas estava doente e com os pés machucados e não tinha condições de prosseguir a viajem...

... Mas ele estava disposto a prosseguir da mesma forma.

Sentei-me ao lado dele, apresentei-me e após trocarmos palavras cordiais, mas de forma breve e objetiva, travamos o seguinte diálogo:

— Homem, por que insistes em prosseguir nessa loucura? Por que queres atravessar o deserto?

— Para chegar ao outro lado – ele me respondeu sorrindo, em clara referência à piada da galinha que teima em atravessar a rua.

— Gostaria de te lembrar que a galinha não é animal dos mais inteligentes.

— Mas veja você que minha busca não é pela inteligência, é pela felicidade.

— Mas não podes ser feliz aqui?

— Mas como posso ser feliz aqui, se aqui não tenho mais nada? Nem casa, nem amigos, nem trabalho, nem família?

— Mas, quando chegares lá, continuarás não tendo nada disso.

— Quando eu chegar, eu terei a satisfação de ter conquistado algo que muitos consideram impossível.

Ponderei o que ele disse e percebi que não o demoveria de sua peregrinação, mas resolvi insistir um pouco mais, utilizando-me de uma palavra mencionada por ele próprio:

— Então, sabes que a tua empreitada é impossível de ser realizada.

— Sim, é claro que é impossível. Só deixará de ser impossível depois de ser realizada.

Dizendo isso, ele se levantou com dificuldade e, mancando um pouco, dirigiu-se para o nada, levando consigo uns nacos de comida, um coldre de água e um assobio.

Mais tarde, à salvo do calor inclemente dentro de meu quarto de hotel com ar-condicionado, peguei-me rememorando minhas conquistas. Meus títulos, meus amigos, minhas amantes, meu dinheiro, meus filhos. Nada do que fiz para conseguir o que consegui é comparável ao esforço que esse homem está fazendo para, possivelmente, fracassar. Porém, se ele conseguisse, imaginei que ele teria uma sensação de realização que eu jamais poderei sentir ou experimentar e fiquei com um pouco de inveja.

Vi que gostaria de ser um pouco mais como aquele homem, mas éramos muito diferentes e, em um triste momento de lucidez, percebi que o que nos tornava diferentes não era o que havíamos conquistado em nossas vidas, mas, sim, o que havíamos perdido.

Aquele homem havia me ensinado a verdadeira dimensão do que é perseverança e determinação.

Prosseguir nosso caminho apesar das dificuldades é importante, mas prosseguir quando o caminho parece impossível é mais que importante, é fundamental.

Meu terceiro encontro foi, talvez, o mais marcante de todos, mas outros afazeres me chamam no momento. Retornarei em breve.


 

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