quinta-feira, 19 de abril de 2012

Entendendo o Mangá e o Anime – a linguagem japonesa de narrativa ilustrada

Você sabe por que o Mangá e o Anime são mais bem aceitos pelos mais jovens? A resposta é simples, os mais jovens têm menos preconceitos culturais. Alguém que já está muito acostumado à linguagem narrativa ocidental (especialmente a importada dos Estados Unidos) pode estranhar muita coisa quando lê um mangá ou assiste a um Anime pela primeira vez e, muitas vezes, não consegue absorver o que está sendo mostrado, pois não consegue se livrar de suas pré-concepções sobre como uma história ou cena devem se desenvolver.

Hoje em dia, os elementos artísticos andam bem misturados, graças a artistas ocidentais que importaram referências orientais (como Frank Miller e Tarantino), graças à pesada influência dos videogames japoneses no ocidente (muito diminuída nos últimos dez anos, infelizmente) e graças também à forte penetração da cultura ocidental no Japão que, habituado a tratar tudo com certa reverência, absorveu de maneira quase religiosa uma série de elementos da cultura pop americana.

Mas os japoneses foram pioneiros em uma série de técnicas – e de manias - narrativas e hoje vou falar sobre algumas delas. Por quê? Porque ninguém perguntou, claro.

Representação do tempo

Mesmo antes da MTV, o ocidente já tinha a mania de contrair o tempo em suas narrativas, exibindo em minutos o transcorrer de horas e em poucos quadrinhos o que seria uma longa cena de ação. Quem nunca viu nos quadrinhos os recordatórios falando “horas depois...” ou “no dia seguinte...”? Ou, no seriado antigo do Batman, aquela vinhetinha que envolvia toda a cena em uma espiral para reapresentá-la no segundo seguinte já bem adiantada?
No Japão, a representação do tempo é muitas vezes bem diferente. O tempo é distendido. E por dois motivos muito fortes:

1. A preocupação com o que se passa na cabeça do personagem no momento da ação e não apenas com a ação em si.

2. A necessidade do autor de detalhar uma ação. Não basta mostrar que o Batman deu um soco no vilão. O autor de mangá e anime quer mostrar a tensão do músculo, o ponto de impacto, a técnica marcial exata utilizada, a expressão de raiva no rosto do atacante, a expressão de dor no rosto de quem levou o soco e, não raro, a reação de todo mundo que estava presente na cena e viu o soco sendo dado.

Esse elemento cultural pode resultar em momentos sublimes, como os estudados duelos de samurai que os westerns tipo spaguetti copiaram (câmera na arma, câmera nos olhos, câmera nos dedos se movendo, câmera nos olhos, câmera na platéia se escondendo, câmera na boca mascando o tabaco, etc.) a momentos que desfiam a lógica linear, como o herói que dá um pulo e parece que passa meia hora no ar, porque antes de cair no chão ele fala dos seus ensinamentos, relembra a infância e explica a técnica do pulo. Se você entende que o tempo ali naquela cena está distendido e que o narrador está apresentando contexto misturado com a ação, as coisas fazem bastante sentido. Se você não consegue perceber isso, a primeira reação é classificar o que viu como coisa de maluco (o que talvez até seja, mas agora você sabe que existe uma lógica por trás da loucura).

Expressões exageradas
Por trás das expressões exageradas dos desenhos japoneses existe um motivo cultural e um motivo estético.

O motivo cultural: embora isso tenha mudado um pouco nos tempos modernos, a sociedade japonesa sempre foi bastante reservada e a arte de uma forma geral sempre foi um outlet para a expressão mais desinibida e, muitas vezes, caricata, como um contraponto a esse universo de constante repressão social.

O motivo estético: a obsessão japonesa pelos detalhes e pelo desenvolvimento psicológico de seus personagens. É mais fácil partir para a caricatura quando você quer ter plena certeza de que a audiência entendeu o seu recado. Embora possam parecer ridículo os olhões esbugalhados e bocas gigantes, enquanto os quadrinhos americanos tinham três expressões: feliz, sério e zangado, o mangá japonês já conseguia mostrar coisas como: tesão, decepção, inveja, surpresa, constrangimento e loucura - veja a capa de A Piada Mortal, uma das histórias em quadrinhos mais aclamada de todos os tempos. A cara do Coringa na capa, magistralmente desenhada pelo Brian Bolland é puro mangá.

Hipersexualização
Essa coisa da mulher ser tratada desde novinha para servir o homem (em todos os sentidos) é um elemento cultural forte do Japão. E a presença dele nas ilustrações narrativas é reflexo dessa obsessão pela submissão feminina.

A Europa também sempre gostou do sexo e da sacanagem nos seus quadrinhos (herança da nobreza libidinosa), mas na Europa o sexo quase sempre aparece retratado como uma coisa que acontece entre adultos.

No Japão, a sexualidade é quase exclusivamente fetichista, e o fetiche normalmente envolve pré-adolescentes, dominação e, contraditoriamente, inocência. Essa mistura rende bons momentos quando cria interações complexas e provocantes entre os personagens, mas também freqüentemente gera cenas embaraçosas e constrangedoras para as nossas sensibilidades ocidentais.

Violência

Essa é simples. No Japão, assim como na Europa, quadrinhos e animação não são necessariamente coisas de criança. Esse conceito está mudando também por aqui no ocidente, mas por lá já é assim há muito tempo.

Além disso, lá existe um respeito muito grande à visão do artista e há menos revisões editoriais e menos preocupação em falar apenas sobre o que é politicamente correto. Por isso, não só violência como outros temas considerados tabu por aqui, por lá são “fair game”. Temas como homossexualidade, racismo, depressão, depravação e morbidez são comuns – até em desenhos considerados “infantis”. Na série O Pirata do Espaço, em um dos finais os dois personagens principais morrem. No final oficial, mais light, os personagens que cultivaram um amor platônico durante todo o desenho ficam separados para sempre. Esse desenho passava no Clube da Criança, apresentado pela Xuxa (na época que ela ficava pelada).

Essa mocinha com cara de inocente
matou o ex-namorado e deixou o garotão
aí chupando o dedo no final de
O Pirata do Espaço.
Um dia desses, o filho de dez anos de um amigo meu me perguntou, na frente do pai, o que era sodomia e apartheid, na mesma frase. Na hora deduzi que ele andou lendo a série Eden que emprestei pro pai dele. E se ele leu até a parte do apartheid, significa que ele também já tinha lido sobre genocídio, estupro, traição e fascismo. Essa revista foi parcialmente editada aqui pela Panini e qualquer moleque de dez anos poderia tê-la comprado na banca. Ou seja, não são os produtos japoneses que são inapropriados – inapropriada é a maneira com a gente consome esses produtos, sem entender para que público eles foram feitos.

E com isso, encerro esse post. Espero que tenha sido, como sempre, inútil, mas interessante.

4 comentários:

  1. Excelente o post, Zinho!

    Sobre o motivo estético das expressões psicológicas exageradas dos personagens, nenhuma história conseguiu passar até hoje para mim a ideia de amor precoce e a intensidade dele, como ToraDora. É a estória mais boba e tocante que já assisti (se é que é possível os dois juntos).

    Abraço!

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  2. Fala Zinho! É o Ricardo aqui (de agora em diante conhecido também como a heróica guerreira Syndrael em noites quinzenais de quinta-feira). Cara, você escreve bem demais! E como fã de mangás, animes e comics em geral, foi muito bom achar esse post aqui. Caso ainda não tenha visto, te recomendo o clássico anime Cowboy Beeboop (meu preferido) e o recente Sakamichi no Apollon, cuja temática é o... jazz! No MDAN Fansub vc baixa completos os 12 epísódios. Caso não esteja assoberbado com leituras, posso te levar alguns comics preferidos da minha coleção para vc ler. Gostaria muito de saber suas impressões sobre eles aqui no seu blog. Abs.

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  3. Fala Zinho! É o Ricardo aqui (de agora em diante conhecido também como a heróica guerreira Syndrael em noites quinzenais de quinta-feira). Cara, você escreve bem demais! E como fã de mangás, animes e comics em geral, foi muito bom achar esse post aqui. Caso ainda não tenha visto, te recomendo o clássico anime Cowboy Beeboop (meu preferido) e o recente Sakamichi no Apollon, cuja temática é o... jazz! No MDAN Fansub vc baixa completos os 12 epísódios. Caso não esteja assoberbado com leituras, posso te levar alguns comics preferidos da minha coleção para vc ler. Gostaria muito de saber suas impressões sobre eles aqui no seu blog. Abs.

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  4. Ricardo,
    Pode trazer que a gente lê hehe. Obrigado pelo comentário.

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