quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Mérito

Há cerca de um mês atrás caiu em minha mão um exemplar da revista Sucesso – uma publicação cheia de dicas para o jovem executivo. Como falar em público, cores de gravata, o celular mais tchuns do momento, essas coisas. Demorei um mês para criar coragem de ler, mas mantive a revista por perto, pois sabia que um dia poderia precisar de assunto para o Ninguém Perguntou. A revista não me decepcionou.
Tinha lá uma matéria com o De Bono, o papa da criatividade. Em uma caixa de texto estavam lá as obrigatórias dicas para ser criativo. Quase nada de novo, mas uma das dicas chamou minha atenção pela sua absoluta franqueza: USE A IDÉIA DOS OUTROS.
Brilhante! Para que ter uma idéia sua se outros já se deram ao trabalho de pensar idéias perfeitamente boas? Aproprie-se do que não é seu e nada impedirá sua escalada rumo ao sucesso. E por que parar nas idéias? Aproprie-se também do trabalho dos outros.
Para ter sucesso é preciso ser prático. Coisas como moral e ética só atrapalham. Com um pouco de habilidade e muita cara-de-pau, em apenas poucas horas você pode roubar a idéia e o produto de pessoas que levaram dias para chegar a um resultado.
Talvez o De Bono (ou o repórter que escreveu o quadro) não tenha dito a frase com má intenção. É possível, embora eu não tenha certeza, que o texto se refira a um processo mais colaborativo e menos canibal, mas, intencionalmente ou não, acabaram corroborando uma grande verdade: tem muita gente por aí levando o mérito de coisas pelas quais não trabalharam.
E, por conseqüência, também tem muita gente sem ter o seu esforço reconhecido. De várias formas.
Um amigo meu, por exemplo, tem um chefe terrível.
Neste ponto do texto acho importante frisar que todos os meus chefes que eu tenho e já tive, em todos os meus empregos, foram e são pessoas boníssimas, de caráter ilibado, que sempre reconheceram meu trabalho e meu esforço. Mas o chefe deste meu amigo é terrível.
Imagine você que, depois de passar uma tarefa relativamente simples para este meu amigo, o tal chefe passa a fazer de tudo para transformar a tarefa em uma missão impossível. É lento nas decisões, muda de idéia com freqüência, atropela os trâmites normais, desconsidera opiniões técnicas e pressiona e fala mal dele e da área dele o tempo todo. Meu amigo, quase sempre, consegue, de forma heróica, corrigir a bagunça e apresentar um bom trabalho no final. Nada brilhante, mas outra pessoa talvez não tivesse conseguido resultado nenhum.
A avaliação do chefe? Não fez mais que a obrigação. Sem mérito e desmoralizado, ele passa para a tarefa seguinte.
Então, um brinde àqueles que não levam crédito. Ao redator publicitário, ao cara da contabilidade que reduziu em 5% o imposto a pagar da empresa, ao enfermeiro que lembrou ao médico que o paciente era alérgico a sulfa, ao marido certinho que levou o carro para fazer a revisão de freio na data certa, ao mané que botou laxante na comida do time adversário na véspera da final e a todo e qualquer cidadão que já tenha institucionalizado pelo menos um feriado. Jesus Cristo, por exemplo, que é um sujeito famoso e tudo, recebeu crédito por muita coisa, mas sempre esquecem dos feriados. Pra você ver como ninguém escapa.
Agora, se me dão licença, vou ver se acho uns textos pouco conhecidos do Luis Fernando Verissimo para botar no Ninguém Perguntou. Roubando textos dos outros, rapidinho, rapidinho, eu retomo a freqüência diária do blog. De Bono, você é o cara.

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