quarta-feira, 17 de maio de 2006

Isadora, a Insone

Isadora era assim, bastava botar a cabeça sobre o travesseiro que o cérebro se ativava. Mil pensamentos aleatórios invadiam sua mente e o que é pior, ela precisava dividi-los com alguém. Pobre do Fernandinho, que tinha que acordar cedo no dia seguinte.
— Fernando...
— Que é, Isadora?
— Ontem eu sonhei com um dragão...
— Que ótimo, Isa. Agora me deixa dormir, vai...
— Como você sabe que foi ótimo?
— Porque você disse que foi um sonho. Se tivesse sido ruim, seria um pesadelo.
— Oh! Tem razão!
— Boa noite.
— Era um dragão falante.
— Que bom. Boa noite.
— Você não acha estranho um dragão falante?
— Isadora, se eu visse um dragão falante na parada de ônibus eu ia achar estranho, mas em um sonho, especialmente um sonho seu, não acho. Um dragão falante no sonho é algo perfeitamente normal.
— Como assim, especialmente no meu sonho?
— Porque seus sonhos são especiais.
— Hm...
— Boa n...
— Você acha que vou sonhar com ele hoje de novo?
— Não, não acho.
— Por que?
— Porque se você não dormir, não tem como sonhar. Pelo visto, nem eu nem você vamos sonhar com nada hoje!
— ÊÊÊÊÊ, grosso!
— Isa, meu amor, tenho que acordar cedo amanhã...
— Tá bom, tá bom. Vai dormir, vai.
— Boa noite. Beijo.
— Beijo.
— ...
— ...
— ...
— Fernandinho, você já dormiu?
— ...
— FERNANDINHO, VOCÊ JÁ DORMIU?
— Hã?
— Você acredita em fantasma?
— Fantasma? Isa...
— Porque eu estava pensando: tem vários tipos de fantasma – aparições, poltergeist, ghoul... Você sabe o que é um ghoul, Fernandinho?
— Sei. Eu adoro futebol.
— Não é gol, bobinho, é ghoul, com a língua grudada no céu da boca e agá no meio. É aquele fantasma do Senhor dos Anéis. Aquele com a espada.
— Certo. Posso dormir agora?
— Você pode dormir na hora que você quiser. Tem alguém te impedindo?
— Espero que não.
— ...
— ...
— Por que será que eles têm espada? Deve ser porque era um objeto muito comum na época. Hoje em dia, os fantasmas devem aparecer de celular e óculos escuros. Fernandinho, Fernandinho. Acorda, homem, é importante.
— Que foi? Que foi?
— Você acha que fantasma tem celular?
— Fant...? Celular? Isadora, você está louca? São duas horas da manhã e você está aí falando de gente morta com celular? Pirou, é?
— ÊÊÊÊÊÊ. Tá bom. Pode dormir, não falo mais nada.
— Hmm... Vem cá, vem.
— Você não ia dormir?
— Agora não consigo mais, você me acordou. Vem cá, me deixa tirar sua camisolinha...
— Eu te acordei? Que absurdo. Fernando, tira a mão daí.. Ai, ai. Tá bom, mas deixa eu fazer uma coisa primeiro.
— Você está pegando o telefone? Isadora, ce vai ligar pra quem a essa hora?
— Pro tio Armando.
— Isadora, o tio Armando morreu no ano passado!
— Tem razão, bobagem minha. Jamais conseguiria falar com ele.
— Claro.
— Ele já deve ter trocado o número.
Mas o Fernandinho ama a Isadora assim mesmo.

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