quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O outro eu

Quem você prefere: o Hulk ou o Mister Hide?

Os dois monstros são alter egos de pessoas pacatas e calmas que, quando libertos, são fortes, arrogantes e agressivos. A diferença entre eles não está no comportamento, mas, sim, na relação que cada um tem com o seu outro eu.

Para o Dr. Bruce Banner, o Hulk é uma maldição. O cientista não quer ser mais forte que todo mundo, não quer ficar verde e, principalmente, não quer perder o controle e ficar irritado ("Sr. MacGee, por favor, não me irrite". Lembram?). Pois ele sabe que, se ficar puto, não terá mais o controle de suas ações.

Para o Dr. Jeckyll, Mr. Hide é uma libertação. Ele buscou ativamente uma cura para a sua timidez e insignificância. Tudo bem que o tiro saiu pela culatra, mas o objetivo do médico era se libertar, ser maior, mais forte, melhor.

A metáfora é a mesma: quando ficamos com raiva, não somos nós mesmos (o personagem de Hide é um pouco mais complicado que isso, mas colabore um pouco senão o raciocínio não se sustenta). Mas, afinal, somos como Banner ou como Jeckyll? Acho que um pouco dos dois.

Todo mundo gostaria de poder soltar a sua fera interior. Gritar, xingar, falar mal de quem te atormenta. Sem medo de ser censurado, sem ter que prestar contas a sociedade. Enfim, desabafar. Para, no dia seguinte, voltarmos a ser nós mesmos e a nos comportar de forma civilizada e racional. Mas não podemos fazer isso, pois a sociedade vai usar tudo o que você fizer ou disser contra você. Na vida real, nós não nos transformamos no Hide e, portanto, não podemos botar a culpa em outra pessoa, mesmo que essa outra pessoa seja a gente mesmo.

Então, quando queremos explodir e não podemos, a raiva vai só acumulando, acumulando e acumulando até que ela transborda e viramos o Hulk, com uma ira sem controle e contra a nossa vontade. A raiva do Hulk não é desabafo, é desespero, é falta de alternativa. O Hulk é o que de pior temos dentro da gente, mas não é a gente. Mas, de novo, teremos que responder pelas ações do Hulk, pois, na vida real, não tem uma transformação que deixa claro que, naquele momento, quem está no controle é o seu sentimento e não você.

A grande questão é: sem a transformação física, fulano ou sicrano estão apenas em um momento de raiva e frustração ou são monstros de verdade? É comum, depois de um momento de raiva ou desespero alguém virar pra você e dizer:

— Não sabia que você era assim. Agora estou te conhecendo como você realmente é.

Será? Ou era apenas o Hulk saindo para dar uma volta? Como saber? Bom, minha filha conhece o segredo.

Não importa quantas vezes eu brigue ou grite com ela, no fim do dia ela me dá um abraço e um beijo de boa noite com todo o carinho do mundo. Ela sabe que o verdadeiro papai dela é aquele que a ama e protege e não aquele monstro que a sacudiu como um saco de batatas quando ela pintou de canetinha a tela da TV de LCD novinha.

Desconfio que, quando crianças, todos nós conhecíamos o segredo. Sabíamos que as pessoas podiam ser um bando de coisas diferentes e passar por diversas transformações, mas também sabíamos reconhecer a essência de cada um. Sabíamos ver o médico (ou o cientista) por trás do monstro. Ou éramos muito mais compreensivos. Dá na mesma.


 

Um comentário:

  1. O Jekyll queria se libertar? Nao lemos o mesmo livro, mas enfim... Gostei.

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