segunda-feira, 20 de outubro de 2008

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O Fantástico ontem fez uma excelente cobertura sobre o seqüestro de Eloá e Naiara, com especial destaque para a incompetência da polícia na invasão da casa e também por terem deixado Naiara voltar a ser refém de Lindberg.

Os jornalistas têm razão: a seqüência da invasão do cativeiro é de um amadorismo inacreditável (especialmente considerando que os policiais tiveram dias para planejar o assalto. Dava tempo até de importar dos Estados Unidos as famosas bombas de luz e de fumaça). Ver os policiais tropeçando uns nos outros e carregando a menina ferida sem nenhuma consideração pelo básico dos primeiros socorros foi dolorido e, como disse o especialista entrevistado, uma vergonha para o Brasil.

Além disso, usar a menina que tinha acabado de ser solta para tentar negociar com Lindberg é de uma burrice incontestável. Nunca ouvi falar de uma estupidez tão grande em uma negociação de seqüestro: devolver um seqüestrado para o seqüestrador!!!

Sem contar que depois do primeiro dia de seqüestro já dava pra saber que tudo iria acabar mal e que a invasão do cativeiro era a única saída possível. Isso é psicologia de bolso: quanto mais tempo o cara tivesse pra pensar, mais acuado iria se sentir. Esperar cinco dias para invadir o apartamento só garantiu o que o garoto queria: atenção.

O que me leva um ponto fundamental nisso tudo que a matéria deixou de fora, talvez por acaso (alerta de sarcasmo!): o papel da imprensa.

Se dá pra ter vergonha de ser brasileiro por causa da atuação da polícia, então dá pra ter vergonha da natureza humana por causa da atuação da imprensa.

Depois da entrevista que o jornalista da Globo fez com o seqüestrador, o menino passou a se achar o cara mais importante do mundo, criou coragem, desistiu de se entregar e não cumpriu o acordo que fez com o próprio advogado. Em nome de um "furo" de reportagem, o jornalista fez a maior imbecilidade de todas: deu poder a um cara que queria justamente isso e condenou tanto o seqüestrador quanto as seqüestradas. Uma boa parte do sangue derramado no desfecho trágico desse incidente é de responsabilidade desse jornalista.

Ele vai alegar que estava fazendo apenas o seu trabalho e que o papel da imprensa é justamente esse: noticiar. Ele está errado: a notícia não tem mais valor que a vida humana e a própria rede globo avaliou mal as duas coisas novamente, quando deu a notícia prematura da morte da menina, só para serem os primeiros a dar o "furo". Foram obrigados a se desculpar, momentos depois.

E mais: a imprensa ficava filmando o apartamento e dando notícias do movimento da polícia na TV, alertando o seqüestrador de tudo o que estava acontecendo e fazendo com que ele se sentisse ainda mais famoso. E, provavelmente, foi com um desejo inconsciente de ser uma heroína na frente das câmeras que Naiara resolveu se arriscar e decidiu entrar novamente no cativeiro. Estou indo longe demais nas minhas conclusões? Talvez, mas já está provado que as pessoas agem de forma muito diferente quando sabem que estão sendo filmadas e que o ser humano está disposto a se expor a qualquer coisa para ser famoso (ou não existiriam os Big Brothers).

É claro que atitude da menina foi também motivada pela amizade e pelo desejo de colaborar para que tudo acabasse da melhor maneira possível, mas... Olha, posso afirmar o seguinte: se todo psicopata tiver o nível de exposição à mídia que esse Lindberg teve, vamos ter muitos mais por aí.

E o festival de horrores continuou: desde o pai da hospitalizada Naiara, sendo entrevistado, por telefone, no Faustão (????????) até o Zeca Camargo, depois do Fantástico ter passado vinte minutos mastigando os detalhes mais sórdidos do acontecido anunciar, animado, que no próximo bloco haveria uma entrevista exclusiva com os ídolos de High School Musical. Êêêê! Viva!

É falta de bom senso, é falta de caráter, é falta de humanidade.

Não acho que o acontecido deveria ser mantido oculto da opinião pública, claro, mas será que não era o caso dos diretores de jornalismo das emissoras articularem suas ações com a própria polícia? Guardar todas as imagens para um especial para ser exibido depois? Pesar o que era realmente notícia e o que era exploração do fato para conseguir audiência?

Foi um episódio infeliz. E espero que tenhamos, todos nós, aprendido alguma coisa com isso, porque uma coisa dessas não pode ser encarada como só mais uma notícia.

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