segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Muita calma nessa hora

Na maioria das vezes, procuramos não correr riscos. Não tomamos decisões definitivas para não nos arrepender depois. Afinal, ninguém sabe o dia de amanhã.

Embora haja um pouco de sabedoria nesse pensamento, é preciso tomar cuidado para não sermos comedidos demais, cautelosos demais, pois o cauteloso viverá mais, mas terá uma vida mais chata. O cauteloso, por exemplo, terá menos filhos e terá feito menos sexo (e não em muitas posições).

O cauteloso terá comida para o inverno, mas não terá levado o seu paladar a extremos. O cauteloso jamais caçará sua própria comida e em qualquer restaurante pedirá sempre o mesmo prato. Nunca faltará dinheiro ao cauteloso, mas ele nunca será milionário. O cauteloso não vai sofrer demais e nem amar demais – o cauteloso pode ler uma poesia, mas nunca irá vivê-la.

O cauteloso terá pouquíssimos inimigos – e menos amigos ainda. Porém, muita gente irá ao enterro do cauteloso, pois acautela aproxima a todos e não repele ninguém – mas é que a cautela também impede que uma aproximação maior aconteça.

O cauteloso obedece a sua cabeça e raramente obedece ao seu coração. Para o cauteloso, a opinião da maioria é mais importante do que a sua própria. Com o tempo, ele não vê mais diferença entre uma opinião e outra e, inclusive, utiliza a opinião da maioria para justificar a sua.

O cauteloso sorri o tempo todo, mas nunca está realmente feliz. O cauteloso sempre sabe o que dizer, mas raramente diz o que pensa.

O passado e o futuro do cauteloso são a mesma coisa: não há nada que o reprove nem nada que o destaque – a maior virtude do cauteloso é que ele nunca decepciona, pois faz sempre o que se espera dele, nem mais, nem menos.

Algumas pessoas se esforçam, mas não saem da mediocridade, mas o cauteloso é o único que se esforça para permanecer medíocre. A meta do cauteloso é não mexer a panela, não jogar pedras no lago, é, enfim, não perturbar a superfície.

É abaixo da superfície que é preciso tomar cuidado com o cauteloso. No seu íntimo, ele também quer ser da turma dos que fazem a diferença. Quer ser o grande amigo que recebe telefonemas no meio da madrugada, quer ter a grande idéia que ficará imortalizada, quer escrever a grande poesia, quer ter aventuras pra contar. O que falta ao cauteloso não é ambição, é coragem para mandar tudo pro alto e fazer o inesperado. Essa covardia faz do cauteloso um frustrado que acredita que é um sucesso, pois o cauteloso jamais tem uma imagem ruim de si mesmo. E como poderia? Se ele nunca fez nada de errado?

E isso é verdade: o cauteloso evita fazer o errado. O problema é que ele também evita fazer o certo, se isso for trazer complicações. O cauteloso, diante de um dilema moral, vai deixar que os outros decidam por ele.

O cauteloso é alguém que vai pelo caminho da menor resistência, e pode passar por cima de quem estiver nesse caminho, pois se engana quem acha que o cauteloso é manso e pacato. Pelo contrário, o cauteloso tem toda a paciência para escolher suas batalhas. Se algum dia você se confrontar com alguém cauteloso, recomendo – como não poderia deixar de ser- muita cautela.

Uma dose de cautela é saudável e importante para todos. Viver orientado apenas pelo instinto é abrir mão da nossa própria racionalidade. É involução. Mas tem gente que exagera: segue pelo confortável caminho da cautela e perde de vista as outras trilhas da vida. Mais esburacadas, é verdade (algumas até sem asfalto), mas que levam a lugares fantásticos. Tá certo – umas dessas trilhas mais ousadas também levam a localidades inóspitas (Não sei por que, lembrei do Acre), mas viver sem surpreender a você mesmo não é vida, é conformismo. É se contentar com o bom, por ter medo de buscar o melhor.

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