quarta-feira, 8 de abril de 2009

O homem eterno

Nas cercanias dos cinquenta anos de idade, pouco mais, pouco menos, por gentileza, distração ou praga, parou de envelhecer.

Isso foi há tanto tempo atrás que, pra se contar nos dedos, precisaríamos de duzentas e cinqüenta pessoas. Ele deixou de adoecer e seus cabelos e suas unhas não cresciam mais. Mas comia e defecava (embora não engordasse nem sofresse mais de câimbras intestinais) e dormia (embora mal) e podia ser machucado (tanto metafórica quanto fisicamente). Por tudo isso, era ainda humano. Um humano que não morria de causas naturais, mas que ainda poderia ser atropelado ou ser vítima de assassínio, que ainda podia amar e ter o coração partido, trair e ser traído.

E tudo isso ele fez: amou, traiu, sofreu, sorriu e chorou. Mais do que qualquer um de nós – mais vezes e mais intensamente! Estava liberto da decadência do corpo, mas não dos vícios da alma. De sobre-humana, apenas a memória, que se adaptou à sua situação ímpar e jamais se cansava de registrar tudo. Cada lágrima, cada abraço, cada gozo, cada coisa.

Fez foi assombrar-se com a pergunta que lhe fiz, certa noite chuvosa e deprimente, na qual de todo o seu corpo parecia emanar tristeza, o peso dos séculos sobre as pálpebras e sobre os ombros:

- Nunca pensou em se matar? – perguntei, repleto de simpatias e boas intenções. Ele já havia passado por tudo, já havia experimentado tudo, já foi considerado gênio e idiota, já havia sido abraçado e repelido, beijado e ignorado, já havia sido rico e sido pobre. Que mais a vida lhe poderia oferecer?

- Não – respondeu o homem com um tímido sorriso. – Afinal, a vida já é curta o suficiente.

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