quarta-feira, 1 de abril de 2009

Historinha

300 anos de escravidão explicam muita coisa. Explicam, por exemplo, porque o brasileiro desvaloriza tanto o trabalho, já que o mesmo foi sinônimo de esforço ininterrupto para o enriquecimento dos outros. Explica porque o brasileiro valoriza tanto a hierarquia pois os senhores de engenho e de terras da época eram soberanos e todos deviam obediência a eles (todos, menos a Coroa portuguesa*, claro. Existe sempre um cachorro maior...). "Você sabe com quem está falando?" é uma frase que quase todo brasileiro já ouviu e, secretamente, adoraria poder dizer.

No resto do mundo, trabalha-se para enriquecer. No Brasil, a gente quer enriquecer pra parar de trabalhar.

Muita coisa mudou, mas o trabalho ainda é largamente desvalorizado. Um adolescente de classe média não considera ainda digno ganhar uns trocados lavando louças em um restaurante ou cuidando dos filhos dos outros, como é comum no Canadá, Austrália e Estados unidos. Além disso, precisamos de leis trabalhistas duras, complexas e em excesso para garantir o bom andamento das coisas e evitar a exploração da mão-de-obra. Mas crianças ainda participam do mercado informal e empresas de médio e pequeno porte têm até medo de contratar por conta dos impostos e obrigações.

Quem trabalha ainda é escravo hoje em dia. Não porque não receba dinheiro, mas pela falta de opções. Ainda é muito raro encontrar alguém recebendo um salário honesto fazendo aquilo que gosta. O funcionalismo público parece ser a única saída para a classe média, que deveria passar a se chamar classe medíocre, pois a cada dia que passa fica menos crítica, menos ousada e menos influente. E mais desejosa de trabalhar no TCU mesmo que tenha feito vestibular para bioquímica.

Eu exagero, claro. E, além disso o atual estado das coisas no Brasil não pode ser completamente explicado pelos 300 anos de escravidão. Eles deixaram sua marca e alguns grilhões sociais parecem ainda estar em pleno funcionamento, mas, no fim, em uma boa parte das prisões, os detentos lá estão por conta de seus próprios atos.


 

* Não consigo usar essa expressão sem imaginar uma velha mal-encarada de bigodes fartos. Com você também é assim?

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