quarta-feira, 31 de agosto de 2005

Meias Palavras

Clodoaldo não era um sujeito particularmente curioso. Uma vez, por exemplo, achou estranho sua filha de dezenove anos chegar em casa molhada da cabeça aos pés em um dia ensolarado. Quando perguntou o que havia acontecido com a menina, ela respondeu com uma evasiva:
— Ihhhh, pai. Não começa!
E ele não começou. Não porque não quisesse contrariar a filha, mas porque não tinha curiosidade. Além do mais, a Maria Rita sempre foi muito ajuizada. E pronto. A esposa de Clodoaldo quase enlouquecia.
— Clodoaldo! Você nem queira saber o segredo que a Berenice me contou.
— E não quero mesmo. Não é segredo? É melhor não contar.
— Mas...
— Não conta, não, meu amor. E se a Berenice ficar chateada com você?
— Mas você não tá curioso?
— Não.
E a Teresa (esposa do Clodoaldo) tinha que esperar a filha voltar da faculdade para contar a fofoca. No dia que a filha atrasa, chegava a ter dores de cabeça de tanto guardar segredo.
Mas tinha uma curiosidade que Clodoaldo não conseguia controlar. Quando ouvia, sem querer, uma conversa pela metade, não agüentava de curiosidade e tinha que saber como é que a conversa tinha começado. Não tinha o menor interesse no final do diálogo, mas no seu começo. Chegava a abordar completos estranhos no meio da rua.
—...E tive que pagar três vezes mais pelo negócio.
— Pelo quê? – Perguntava Clodoaldo, de repente, quase matando a pessoa de susto.
Com o tempo, passou a controlar o impulso de falar com desconhecidos, mas a curiosidade não passava. Evitava até circular em lugares com muita gente. Uma vez foi ao shopping e por pouco não enlouqueceu. Foram dezenas de conversas pela metade.
—...No final mexia a bundinha.
—... Precisava ver a cara dele.
—... Menina, foi por pouco.
No final de quê? Cara de quem? Por pouco o quê? Para diminuir sua angústia, passou a inventar, ele próprio, os começos das conversas, tendo como referência o jeitão de quem estava conversando.
Duas mulheres de vinte e tantos anos. Devem estar falando de seus bebês:
— A Ritinha ganhou um brinquedo, mas já quebrou. Uma pena, pois o boneco cantava, dançava e, no final, mexia a bundinha.
E por aí vai. No último final de semana, Clodoaldo desapareceu. Não avisou ninguém, não levou suas roupas. Sacou cem reais no caixa eletrônico e sumiu, deixando apenas um bilhete: “... Por isso tomei essa decisão. Será melhor assim”.

Um comentário:

  1. Uma das mais criativas crônicas da série "Ninguém Perguntou". Conheço o autor desde criança, já até ocupei o quarto dele, de penetra, por vários meses (e ele nunca reclamou). Pode-se pensar que com uma pessoa dessas, que conhecemos muito bem, fica difícil surpreender-se com ela. Ledo engano. É o mistério da criação que, do nada, transforma uma idéiazinha em um texto formidável! O que me surpreende não é o fato do talento do autor (que, digo de passagem, mesmo se ninguém perguntou, é MEU PRIMO - espero que talento seja genético) mas a originalidade das invenções dele. Conto pra vocês: essa explosão de criatividade já acontecia desde quando ele nasceu. Diz o obstetra que, saindo do ventre da minha tia, ele já deu a idéia de colocar-se aqueles suportes pras pernas da futura mãe (na época não existia, e a enfermeira ficava segurando!) E isso é como vinho: só melhora com o tempo.
    Vou abrir o jogo: tudo começou quando um dia... (vide crônica)

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